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A nascente da vila de Arganil, um outeiro que não chega aos quinhentos metros de altitude é imponente o suficiente para ser tomado como monte santo. Maria do Rosário Barardo diz, e bem, que o Santuário da Senhora do Mont’Alto, construído em parcelas ao longo da sua encosta ,não é mais do que isso mesmo: uma consequência do culto dos altos – tal como acontece, pegando em exemplos maiores, com o Bom Jesus de Braga, com a Senhora dos Remédios de Lamego, ou com a Mãe Soberana de Loulé.

O Piódão em miniatura

Peguem no Piódão, tirem-lhe a brancura da igreja matriz, removam uns punhados de casas, e limpem o azul da moldura das portas e janelas – assim é, grosso modo, Foz d’Égua, uma miniatura de uma aldeia que, já de si, é pequena. A comparação entre o Piódão e Foz d’Égua é inevitável, até pela proximidade entre elas, curta distância que pode ser percorrida a pé, sem grandes sobressaltos. Mas para não ser injusto, nem com uma, nem com outra, apontarei também o que as distingue.

Sobre o Piódão espetaram-lhe com a alcunha de aldeia presépio, vejam-no pela noite, do Cabeço do Covão, mais ou menos por onde anda o INATEL Piódão, e perceberão porquê. Sobre Foz d’Égua, que curiosamente até conta com um presépio em madeira lá no cimo, inventaram-lhe um outro sobrenome: aldeia hobbit, numa referência ao Shire saído da mente de Tolkien.

Se o Piódão teve um esforço maioritariamente público na recuperação do seu casario, em Foz d’Égua foi a iniciativa de duas ou três pessoas que, de forma independente, decidiram investir nas casas de xisto, requalificando-as uma a uma, e até acrescentando pormenores iconográficos, como é o caso do altar ou da ponte suspensa.

Depois há a obsessão fotográfica com cada uma delas. Olhamos o Piódão, enquanto postal, de cima para baixo, é essa a imagem que se grava no inconsciente português, uma cascata de casas a cair ladeira abaixo. Foz d’Égua, pelo contrário, posa para as câmaras de baixo para cima, como uma trepadeira de ardósia a conquistar terreno à encosta.

Por fim, não podemos fugir das evidências: o Piódão é já considerado um dos mais pitorescos povoados do país, parte da rede Aldeias Históricas de Portugal, e destino de várias excursões turísticas, que aqui chegam numa base diária. Como tal, apetrecha-se de lojas, restaurantes, alojamentos, algumas delas, valha a verdade, cópias umas das outras. Foz d’Égua, desconheço porquê, não é sequer parte da rede Aldeias do Xisto. Para o tipo de turismo de excursão, planeado e em massa, é um lugar secundário, onde se vai apenas havendo tempo. Daí que perca nos serviços o que ganha em sossego.

A praia fluvial

A oeste, no Piódão, nasce a ribeira do Piódão. A leste, em Chãs de Égua, nasce a ribeira de Chãs de Égua. Ambas correm em direcção a norte, porque a Serra do Açor assim o obriga, até se encontrarem no vale da encosta da Eirinha, na base da aldeia de Foz d’Égua.

Na união destes dois cursos decidiram as gentes improvisar um tanque. Nada mais simples para as cabeças de então: recorrendo à antiga engenharia popular, um dique construído a jusante trava a corrente e permite que um lago ocorra emoldurado por duas pontes unidas numa arcada de xisto. Hoje, nos meses quentes, quando a temperatura convida a arrefecer corpos, o dique é activado – desde que corra água para isso, o que nem sempre acontece -, e assim ganha Foz d’Égua uma das mais fascinantes piscinas do país.

Com efeito, se há coisa de que Foz d’Égua se pode gabar, é da sua praia fluvial. São centenas de profissionais que vêm ao sopé da aldeia em busca da fotografia perfeita. Uma pesquisa no Google por “Foz d’Égua” revelará, quase sempre, o mesmo enquadramento – a foto é tirada de norte para sul, com a ribeira de Chãs de Égua a passar debaixo da ponte à esquerda, e a ribeira do Piódão a passar debaixo da ponte à direita. Na intersecção das duas, o banho de água fresca.

De um ou do outro lado da margem há espaço para estender toalha. E a juntar, há um bar ligeiramente a norte, na estrada alcatroada, o único da aldeia, a garantir que ninguém aqui morre de sede.

Uma ponte que liga dois cerros de Foz d'Égua

A ponte suspensa que nem sempre pode ser transposta

​Da praia ao altar

Foz d’Égua faz-se entre dois extremos – a zona baixa, já mencionada, que corresponde à praia fluvial, e a zona alta, onde se encontra um altar mariano, com a Senhora centrada entre o que poderá ser um Sagrado Coração e a pomba do Espírito Santo.

Foz d’Égua tem assim, em cada uma das suas pontas, um lugar profano, de entretenimento, que é a praia, e um lugar sagrado, que é o altar no seu pico, num costume frequente em Portugal de divinização das colinas – lembra, de certo modo, o esquema que se montou no Santuário de Nossa Senhora da Piedade, na Serra da Lousã, não muito longe daqui. De um ponto ao outro, temos as monocromáticas casas de xisto cobertas por telhados de lousa (que, no caso, não são mais do que xistos fatiados), decoradas a espaços por camélias e hortênsias.

A meio, contudo, somos surpreendidos por uma ponte em corda e madeira. Estando lá, percebemos a razão da sua existência – põe duas vertentes a comunicar a meia altitude, encurtando um caminho que de outra forma teria de passar pelo vale. Regra geral, a ponte, que é propriedade privada e deve contar com cerca de cinquenta metros, é de acesso interdito, embora já a tenha apanhado com livre passagem.

Se temos a sorte de poder lavar os olhos com tal deleitosa paisagem, devemo-lo sobretudo a Carlos Borges, um homem que pegou numa povoação deserta e em ruínas, que pouco mais era do que traiçoeiro refúgio de pastores, e a colocou como uma das mais bonitas aldeias beirãs. Era conhecido pela sua simpatia e pela hospitalidade com que recebia os curiosos. Infelizmente já falecido, vem em boa hora uma homenagem póstuma, como uma estátua em qualquer parte da terra que amou. Outros seguiram os seus passos, com todo o mérito, mas é a ele que se deve o pontapé de saída.

Do Piódão a Foz d’Égua, e de Foz d’Égua ao Piódão

Deixando uma boa notícia para o final – para quem está no Piódão durante a manhã e não tem marcações até à hora de almoço, ponha como hipótese fazer o percurso que vai da aldeia até Foz d’Égua. Tem duas hipóteses: ir directamente e voltar para trás pelo mesmo percurso ou fazê-lo através de Chãs d’Égua, de forma circular, que leva um pouco mais de tempo.

O ponto zero é no Largo Cónego Manuel Nogueira, isto é, a praça principal da povoação, onde se encontra a alva Igreja Matriz. Dando à sola, teremos melhor noção do que seria fazer esta pequena transumância, penetrando nos socalcos do Açor, onde ainda se socorrem alguns pastores para dar erva e água ao gado.

Podemos, nestes passos, compreender Alberto Martins de Carvalho quando, sobre esta serra, escreveu que “faz entrar na alma a impressão de isolamento, de separação angustiosa”. Dito assim, assusta. Mas há sinaléticas que bastem para que a “impressão de isolamento” não nos traga medo. O fim é no ponto de partida. De volta ao Piódão. A tempo da refeição.

Arganil – o que fazer, onde comer, onde dormir

Arganil deve ser um dos concelhos do país com maior número de opções no que toca a praias fluviais - das mais secretas às que recebem o reconhecimento da Bandeira Azul, há de tudo um pouco, excepto água salgada. No meio de tanta escolha, sobressaem a praia fluvial de Foz d'Égua, a belíssima Fraga da Pena na autóctone Mata da Margaraça, os vários poços do Poço da Cesta, a vasta praia fluvial de Côja, a menos conhecida praia fluvial de Moinhos de Alva, e a pequena península que se forma na Barragem das Fronhas com área de lazer. São quase todas originadas pela Serra do Açor, que distribui caudais na sua vertente norte até ao rio Alva.

Mas além das ribeiras e praias e cascatas, Arganil faz-se valer pelas suas vilas e aldeias de xisto vestidas, umas reconhecidas de forma oficial na rede Aldeias de Xisto, outras nem por isso: o Piódão é a mais célebre, sendo capa de vários livros que ilustram o interior do país e parte integrante da rede Aldeias Históricas, conta com um bom restaurante para quem quiser ir à Chanfana; Foz d'Égua, à beira do Piódão, apesar de ser propriedade de meia dúzia de pessoas, pode ser visitável em todo o seu alcance; Benfeita conta com uma torre que repica pela paz; Vila Cova de Alva embeleza-se com convento, ermidas a rodos, e rua manuelina; e Barril de Alva vale a pena se andar por ali no terceiro Sábado de cada mês, quando acontece a feira. Não sendo um povoado mas merecendo de igual forma visita, temos a Capela da Rainha Santa Isabel, de planta distinta e diferenciadora.

Também na componente gastronómica, o município de Arganil dá cartas: nas carnes, é famoso o Bucho Recheado de Benfeita, de Vila Cova de Alva e de Folques, o coelho assado, e o cabrito; nas sopas, a canja de galinha e o caldo da castanha têm versão depurada, à moda da serra; o resto da imaginação foi despendida com a lambarice, nas Tigeladas de Torrozelas servidas em recipientes de barro, na Broa de Batata que se vende nas lojas do Piódão e de Côja, nos licores serranos feitos à base de ervas nativas, nas bolachas de ovo e açúcar conhecidas por Sequilhos. Em Junho podemos provar tudo isto num só sítio: a Feira das Freguesias.

E enfim, mal se falou da própria vila de Arganil. Os monumentos que mais merecem visita do burgo estão na sua periferia - o Santuário do Mont'Alto, a este, e a Capela de São Pedro, a norte. Simpático e barato é o restaurante A Tasquinha, bem no centro, para picar pratos locais. Uma boa alternativa à sede de concelho é a vila de Côja, apelidada de princesa do Alva por ser cruzada por este, famosa pelo seu parque de campismo com acesso à praia fluvial, e onde no restaurante Príncipe do Alva se pode entregar aos sabores do Polvo à Lagareiro.

Para dormir, o que mais se recomenda é que se pernoite nas pequenas casas xistosas afogadas nas ondas do Açor. Há muitas que conseguiram manter o toque da serra modernizando-a com o necessário conforto. Para nomear algumas, aqui ficam as que destacamos: a Casa da Quelha ou os InXisto Lodges em Chãs de Égua, bem perto do Piódão e de Foz d'Égua; a Casa da Padaria bem no coração do Piódão, e por favor fiquem para o pequeno-almoço; a Casa do Loureiro, um chalé no Soito da Ruiva; a Casa do Alto, na aconchegante Benfeita, bem perto da Mata da Margaraça; o muito procurado Campus Natura; ou a Casa do Rio Alva, à beira-rio e mais próxima de Arganil. Se entender que o ideal é ter mais serviço e menos tradição, terá sempre o INATEL Piódão, com a melhor vista sobre a aldeia presépio, ou a Quinta da Palmeira, casa oitocentista adaptada a hotelaria com dez quartos disponíveis.

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Mapa

Coordenadas de GPS: lat=40.24782​; lon=-7.81333