Ponte de Mem Gutierres
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Ora aqui se vê um dos problemas de ir buscar informação ao mundo digital e não aos livros especializados. Numa curta pesquisa online pela Ponte de Mem Gutierres, sita no concelho da Póvoa de Lanhoso, dei com uma mão cheia de páginas a identificar a obra actual como uma construção romana – o que é óbvio que está errado, basta olhar para ela. O que talvez terá acontecido, aventuro eu, é que alguém ouviu ou leu que o que aqui se vê é de estética românica, e de românico assumiu que vinha do tempo romano, um erro comum para quem não tem grande experiência com nomenclatura histórica.
Problema: a coisa colou, e agora os blogs, que regra geral são preguiçosos, copiam-se uns aos outros com esta errónea informação em tudo o que é lado, ficando o curioso visitante com uma ideia distante da realidade cronológica de um activo que foi elevado a Monumento Nacional.
Por muito especulativo que seja atirar uma data para a edificação da Ponte de Mem Gutierres, é certo que tem origem medieval, possivelmente do século XIV (ou seja, a apanhar o românico tardio característico do Minho), tendo recebido actualizações recentes, sendo a mais óbvia o betume com que foi coberto o tabuleiro para a passagem de automóveis.
Quando o Ave é novo
A Ponte de Mem Gutierres vai buscar o seu nome ao frade que é referido numa das variadas lendas que se contam a seu respeito. Há quem a chame de Ponte da Esperança, referência ao nome da antiga freguesia e ao seu orago – na margem direita, a cerca de cem metros dela, podemos ver uma imagem de Nossa Senhora da Esperança junto à estrada. Menos pronunciada é a sua terceira designação, Ponte Domingos Terno, numa referência ao seu eventual obreiro.
A envolvência da estrutura com o bosque e o casario à beira-rio transformaram o lugar num apetecível ponto de encontro da comunidade. Com efeito, a Ponte da Esperança ultrapassa o rio Ave quando este ainda vem limpo de rugas, de passo jovem e impertinente. E mal o curso de água passa debaixo da ponte, uma pequena represa parece parar a corrente por poucos metros, os suficientes para nos lembrarmos de molhar metade das pernas.
A forma como é montada, em cunha, num delicado equilíbrio de pedra bruta, faz-nos lembrar uma outra, não muito longe dali, mas de mais difícil acesso: a Ponte da Misarela. E ambas, a Ponte de Mem Gutierres e a Ponte da Misarela, são alvo de crenças muito, muitíssimo, similares – umas que vão buscar o diabo, outras que remetem para ritos à fertilidade feminina.
As lendas da Ponte de Mem Gutierres
Contam-se tantas histórias sobre a travessia do Ave na aldeia da Esperança que tive de cortar em algumas só para não abusar da paciência do leitor. Fiquei-me pelas cinco lendas mais conhecidas, que aqui descreverei sucintamente, com o aviso de que mais ficou por escrever.
A lenda do pedreiro
Havia um homem encarregado de montar uma ligação entre as duas margens do Ave junto do lugar onde se encontra hoje a povoação de Esperança. Infelizmente, o desgraçado não tinha unhas para tal empreendimento. Reconhecendo a sua incapacidade, resolveu escapar-se da raiva dos locais e fugir.
Foi aí, quando já ia a meio da fuga, que deu de caras com um rapaz que disse ser a encarnação do diabo. Este propôs-lhe um negócio: a ponte seria por ele terminada desde que o pedreiro, em troca, lhe desse um animal recém-nascido. O pedreiro aceitou de imediato – tinha por casa gado suficiente para encontrar animais acabadinhos de nascer e não seria por desfazer-se de um que ficava a passar fome. Mas não se lembrou de um assunto mais importante: a sua mulher também estava prenha.
Chegado de volta a casa, sossegado por saber que teria a sua ponte feita, viu a mulher a parir o seu filho. Lembrando-se do acordo que fez, e temendo ter vendido a alma da criança ao diabo, apressou-se a pedir ajuda a um padre.
O padre disse ao homem para levar água benta até à ponte quando esta estivesse a ser terminada pelo diabo. O pedreiro, enchendo-se de coragem, assim fez. E ao atirar a água benta sobre a ponte, esta transformou-se em pedra e ficou, desde aí, finalizada com o aspecto que se vê hoje.
Prossegue o Ave depois da Ponte de Mem Gutierres
A lenda do frade
Diz-se que aqui vivia um rapaz que encarnava o diabo e que este se apaixonou por uma bela rapariga. No entanto, o amor de ambos estava separado pela corrente de um rio. O Ave apartava ambos os jovens. Mas ele, sendo o diabo, construía todos os dias uma via por cima daquele leito, de maneira a chegar perto do seu amor ou do seu amor chegar perto dele, para logo depois desfazer a obra, evitando que se criassem suspeitas sobre quem realmente era.
O caso chegou aos ouvidos de um frade, de nome Mem Gutierres, que se aprontou a tratar da situação, pois o diabo não era bem vindo por ali. Escondido, aguentou pelo momento em que o diabo lançou um caminho até à outra margem e, do seu escaninho, gritou palavras de fé para excomungar a ponte, petrificando-a. E assim ela se manteve até ao presente.
Uma versão alternativa relata que o frade, comovido com o amor do diabo, resolveu transformar a ponte num caminho de pedra para que os dois amantes se pudessem ver sempre que quisessem.
A lenda da ponte do pote de ouro
Havia antiga crença que garantia aos pastores a chegada pelo rio de um pote de ouro junto à Ponte de Mem Gutierres se eles respeitassem o seguinte preceito: caso uma das suas cabras desse à luz duas cabritinhas na noite de São João, eles deveriam deixar as crias mamar todo o leite da sua mãe e este não podia ser depois aproveitado para fins humanos, como para produção de leite ou de queijo.
Um pastor teve mesmo essa sorte. Na noite de São João, que se confunde, na verdade, com a noite do Solstício de Verão, uma cabra sua teve duas crias. Deixou os cabritos recém-nascidos mamarem tudo o que quisessem. Mas, num momento de esquecimento, o pastor resolveu também ordenhar a sua cabra, só se apercebendo depois do mal que tinha feito. Rapidamente tentou emendar a mão, deitando o leite ordenhado sobre a cabra.
Um ano depois, o pastor deslocou-se à ponte encantada e lá viu o pote de ouro a chegar. Contudo, assim que pegou nele, uma voz saiu do pote, lembrando ao pastor que não tinha completado todos os pressupostos para receber o ouro prometido. Nesse momento, o pote desapareceu-lhe das mãos.
A lenda dos partos
À Ponte de Mem Gutierres são atribuídas qualidades mágicas. É comum termos as gentes da Póvoa de Lanhoso, sobretudo as mais velhas, referirem que as mulheres com dificuldades em engravidar devem dirigir-se a este lugar para, banhadas nas águas do Ave benditas pelo luar da meia-noite, verem o seu problema resolvido.
Virá daqui o nome da povoação que lhe está perto: aldeia da Esperança? Esperança serve aqui como o sentimento de optimismo face a futuras gravidezes, mas também à própria gestação, que temos por hábito apelidar de estar de esperanças.
O rito dos baptismos
Talvez a narrativa que mais frequentemente ouvimos sair da boca dos lanhosenses.
Conta o povo que sempre que uma mulher grávida tem receio quanto ao seu parto ou quanto à saúde do filho que irá parir, ela aqui deve vir para, na Ponde de Mem Gutierres, e a partir da meia-noite, benzer o seu ventre. O objectivo é que a alma do bebé, caso seja nado-morto, possa entrar, como todas as almas baptizadas, no Reino dos Céus.
O ritual requer alguma logística. Em cada uma das entradas da ponte fica uma pessoa que guarda o acesso ao seu tabuleiro, evitando que haja pastores com o seu gado a atravessá-la naquela hora sagrada. A mulher tem de estar a meio da travessia, juntamente com o marido, e deve aguardar até que cheguem os dois primeiros transeuntes que, a partir da meia-noite, queiram cruzar o rio – esses dois visitantes serão então considerados padrinho e madrinha da criança que está por nascer, e devem, com ajuda de uma corda e de um balde, retirar água do rio Ave a partir do topo da ponte. A água servirá para abençoar a barriga da mulher e baptizar o bebé que carrega dentro de si. Caso, porventura, o parto corra bem, a criança receberá o nome de José, se for rapaz, e Maria, se for rapariga.
Os paralelismos com a Ponte da Misarela
Convido o leitor que se aguentou até este parágrafo a ler um pouco acerca de todo o conjunto de crenças de que a Ponte de Mem Gutierres e a Ponte da Misarela são alvo.
As semelhanças são tão óbvias que só podemos concluir uma coisa: passagens de nível deste tipo, irregulares e antigas, construídas em lugares inóspitos de reduzida marca humana, acabam enredadas, quase instintivamente, na mesma malha simbólica.
A lenda mais famosa que se conta sobre a célebre ponte do Barroso, e que lhe valeu o nome alternativo de Ponte do Diabo, discursa acerca de uma promessa de Belzebu para terminar a ponte em troca de uma alma, e de um padre depois que a petrificou com água benta – ou seja, uma mistura da Lenda do Frade com a Lenda do Pedreiro respeitantes à Ponte de Mem Gutierres.
Da mesma maneira, à Ponte da Misarela são relatados episódios de baptismos da meia-noite, com termos muito parecidos com aqueles que eram (ou são) executados na Ponte de Mem Gutierres: um visitante que vira padrinho e que deve abençoar a barriga da mulher embaraçada. O ritual também deve acontecer pela meia-noite mas, nesse caso, o nome da criança, caso sobreviva ao parto, é Gervaz se for rapaz, e Senhorinha se for menina (ao contrário de José ou Maria).
Póvoa de Lanhoso – o que fazer, onde comer, onde dormir
Portugal nasceu aqui, num baluarte anterior à própria pátria, hoje conhecido como Castelo de Lanhoso - foi especialmente querido à história de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, que alguns consideram a verdadeira primeira monarca portuguesa. Além da renovada fortificação, há, logo ao lado, duas outras construções obrigatórias - o Castro de Lanhoso, que esteve na origem de tudo isto, e o Santuário de Nossa Senhora do Pilar, que começa no sopé do Monte do Pilar e chega até ao seu topo.
E no entanto, apesar dos três exemplos de património histórico descritos acima já serem suficientes para justificar uma visita, Póvoa de Lanhoso tem muito, mas mesmo muito, para ver. A destacar, temos a Filigrana que é trabalhada em Travassos e em Sobradelo da Goma, em primeiro lugar. Em segundo, o Centro Interpretativo Maria da Fonte, um espaço de pesquisa e divulgação de uma das mais célebres figuras da cultura popular, cantada e pintada e esculpida de norte e sul do país enquanto protótipo da mulher nortenha, e que de uma pequena revolta junto à Igreja de Fonte Arcada fez contagem decrescente para uma nova guerra civil. E em terceiro, caso haja possibilidade de ir a meio de Março, as Festas de São José, que se prolongam por uma semana mas que têm no dia 19 de Março o momento da sua majestosa procissão.
Quanto a lugares estivais, o pontão da Barragem de Andorinhas - num trecho predestinado do rio Ave, logo a jusante da lendária Ponte de Mem Gutierres -, e a Praia Fluvial de Verim, no extremo norte do município, são escolhas evidentes. Não muito longe desta última, o Pelourinho de Moure é uma curiosa obra que contraria o manuelino de onde brotou. E numa outra apertada praia, a Praia Fluvial da Rola, há o Santuário da Senhora de Porto d'Ave, responsável pela concorrida Romaria dos Bifes e dos Melões. De referência internacional é o DiverLanhoso, um dos maiores parques de aventura no continente europeu, com diversificada oferta de actividades, mormente para a criançada.
Nas comidas, os dois andares do Velho Minho guardam boa garrafeira e cozinha regional bem preparada - é bom o cabrito, finalizado com um pudim Abade de Priscos. Para dormir, o resguardo da Casa do Monte da Veiga, junto a Calvos (onde respira um dos mais belos carvalhos nacionais), dá noites sossegadas a quem as quiser, mas também a Villa Moura, em Fonte Arcada, entrega boa qualidade de serviço, piscina, e vista desimpedida sobre a serrania que cerca a sede de concelho.
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.57686; lon=-8.16638