Centro Interpretativo Maria da Fonte
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A história de Maria da Fonte é um misto de mito e realidade. Na Póvoa de Lanhoso, terra de onde se crê ser originária, o Centro Interpretativo homenageia uma mulher que esteve na origem de uma revolta, de uma queda de governo, e de uma guerra civil.
Ignorar a insurreição da Maria da Fonte é, pois, fazer vista grossa a boa parte do século XIX português, e descuidar o que se passou no século XIX português é, já agora, não compreender o país que temos hoje. Por isso, antes de irmos ao Centro Interpretativo, convém descrever, mesmo que sucintamente, o que foi (ou quem foi) a Maria da Fonte.
O cabralismo
Também conhecida por Revolta do Minho, a Revolta da Maria da Fonte só se entende assimilando o contexto temporal em que aconteceu.
Viviam-se os tempos do cabralismo, uma vertente do liberalismo que de liberal tinha já pouco.
António Bernardo da Costa Cabral, um homem cuja base política nasceu das cinzas da Guerra Civil que opôs os apoiantes de D. Pedro IV (liberais) aos apoiantes de D. Miguel (absolutistas), governava o país com mão de ferro. Apesar de originalmente um progressista, conotado até como sendo da ala mais radical do movimento setembrista, este já de si revolucionário, assim que tomou as rédeas da administração do país, e contradizendo a sua posição, acabou por recuperar a Carta Constitucional de 1826, de perfil claramente mais conservador. Ademais, impôs um autoritarismo que trazia à memória os tempos da repressão miguelista, ou seja, aquela contra a qual combatera por muitos anos. Costa Cabral, o liberal, tornara-se perto de um ditador.
Por outro lado, Costa Cabral, juntamente com o seu irmão, idealizou um Portugal mais em linha com aquilo que se ia vendo na Europa. O Estado, como hoje o conhecemos, estava a formar-se. Também as noções de Esquerda e Direita ganhavam contornos mais nítidos. É neste ambiente que o cabralismo se instala como proposta ideológica: defendia uma perspectiva centralizadora da sociedade, com menor peso dos concelhos e maior poder no governo, bem como a modernização económica através do investimento em basilares obras públicas, que estimulassem a produção e o comércio. Consequentemente, o molde fiscal teria de ser alterado, pondo fim às antigas contribuições de raiz feudalista, e a inventariação dos bens particulares seria uma necessidade para aumentar as receitas vindas dos impostos. Para que tudo isto fosse conseguido, seria obrigatório um corpo militar que garantisse a ordem na execução do plano, o que levou, também, a uma nova forma de recrutamento.
Os planos do cabralismo, contudo, geraram contestação. A bem da verdade, e por muito boas que fossem algumas das suas intenções, a desilusão com os irmãos Costa Cabral tinha alguma razão de ser. Além da intransigência do cabralismo com pontos de vista contrários e além da batota com que regulavam o processo eleitoral, algumas escolhas no campo económico revelaram-se propositadamente monopolistas, visando beneficiar apenas os novos capitalistas adeptos das suas causas, em grande maioria maçónicos. Em resposta, naturalmente, novos inimigos surgiram em vários sectores da política, dos mais conservadores aos mais progressistas.
Ora, em Portugal, nomeadamente nos espaços rurais – que estavam em clara maioria -, o povo, afeiçoado às suas rotinas, tinha alguma resistência ao processo estatista em curso. O Norte, por exemplo, sempre mais conservador e sempre mais insubordinado, não via com bons olhos a retirada de poder às concelhias, muito menos o vasculhar de propriedade para que esta fosse taxada em prol de um Estado que, ainda por cima, era gerido lá longe, na distante Lisboa. As classes mais baixas iam fervendo com cada nova notícia vinda da capital. E, curiosamente, foi uma pequena gota de água, aparentemente inofensiva, que fez o copo transbordar.
As leis da saúde
Durante o cabralismo, entre perseguições à imprensa, imposições fiscais, fechos do parlamento, ordens de prisão e fuzilamento para revoltosos, uma lei é promulgada que nada parecia ter de mal: por questões higiénicas, obrigava os mortos a ser enterrados nos cemitérios e não nas igrejas, como até aí se fazia. A prática seria supervisionada por um comissário da saúde, a quem seria entregue a responsabilidade de garantir que tudo acontecia conforme previsto.
O Norte, particularmente arreigado a antigas tradições, ainda para mais quando se trata de rituais fúnebres, onde a religião tem especial importância, vê a nova norma como uma heresia. Não enterrar os seus familiares na igreja é dessacralizar os seus corpos. O enterro teria de ser feito em chão abençoado, isto é, junto das paróquias.
Talvez por acumulada frustração, a verdade é que as Leis da Saúde saídas do cabralismo sediado em Lisboa fizeram explodir um barril que se ia enchendo de pólvora nos últimos anos. E desta vez, a voz da revolta veio de um grupo de mulheres de diversas pequenas povoações do concelho da Póvoa de Lanhoso, supostamente lideradas por uma que, segundo o folclore, se munia de um par de pistolas. Começaram por contrariar os delegados de saúde destacados para controlar as cerimónias fúnebres e garantir que elas aconteciam nos cemitérios. Por vezes, conseguiram.
O mais conhecido dos episódios aconteceu em Fonte Arcada, defronte da igreja românica, aquando da morte de uma senhora da terra, de nome Custódia Teresa. As mulheres lanhosenses recusaram-se a que o corpo fosse deslocado para um cemitério afim de lá ser enterrado e trataram elas próprias da situação, adoptando o rito antigo, ou seja, fazendo o enterro na igreja. O comissário da saúde, entretanto, acaba agredido. Quatro dessas mulheres são presas. E três dias depois, um novo grupo de senhoras avança sobre a vila e solta as quatro encarceradas.
A morte de Custódia Teresa foi apenas um dos incidentes. Iguais a este, mais houve. Da Póvoa de Lanhoso, a moda propagou-se para Vieira do Minho, para Braga, para Guimarães, para Fafe. Pouco depois para todo o Minho. Logo a seguir Trás-os-Montes. E, enfim, as Beiras.
Da revolta popular à revolta política
Atentos aos que se passava, dois movimentos anti-cabralistas cavalgaram a onda de protestos minhota, com o objectivo de, tendo a fúria do povo consigo, fazer capitular o governo de Costa Cabral. De um lado, estavam os revoltosos setembristas, maioritariamente da Esquerda mais radical, combinando simpatizantes liberais defensores da Constituição de 1822, republicanos progressistas, e até alguns simpatizantes do jacobinismo francês. Do outro, os miguelistas que, apesar do exílio de D. Miguel, nunca deixaram de existir, estando bem enraizados no Portugal rural, sobretudo na zona Centro e na zona Norte.
Estas duas correntes, em quase tudo opostas, tinham ainda assim um objectivo comum: tirar Costa Cabral do poder. E nesse sentido trabalharam, praticamente sem se acusarem mutuamente. Na província, o clero aliava-se ao povo e, impulsionado pela revolta da Maria da Fonte, que no fundo se batia por valores reaccionários, criou pequenos exércitos populares de combate aos órgãos de poder cabralista. Nas cidades, eram os setembristas a tentar o golpe, nos obscuros corredores da acção política. Para os irmãos Costa Cabral, apertados pela Esquerda, e apertados pela Direita, a rainha, que tinha tendência cabralista, de nada serviu. O cabralismo viria a cair com a fuga dos irmãos para Espanha, em 1846. Mas não para sempre.
Depois de uma curta administração por parte do Duque da Palmela, que veio substituir Costa Cabral na gestão do país, a rainha D. Maria II, dando seguimento à sua preferência cabralista, monta uma golpada que retira o duque do palanque e coloca, em sua vez, o marechal Saldanha. Quem estava por detrás de tudo isto? Costa Cabral, nesse momento a viver em Madrid, que vigiava a política lusa de longe. Assim que o Norte se apercebe que a esfera de influência dos odiados Costa Cabrais chegou novamente a Lisboa, o Porto une os seus setembristas e forma uma Junta Governativa que se torna autónoma do poder supostamente corrompido da capital. Outras juntas nascem e juram lealdade à do Porto. O anti-cabralismo começa pelo Norte, desce até ao Centro, e recebe apoio também no Sul.
E voltamos aos revoltosos, que não podiam ser mais díspares entre si. Os setembristas pretendem a substituição da Carta Constitucional de 1826, demasiado conservadora, pela Constituição de 1822, suficientemente progressista. Os miguelistas não querem qualquer dessas Constituições e defendem o regime antigo, de maior força monárquica e também maior independência das concelhias. Mais uma vez, setembristas e miguelistas, polos opostos, estão unidos num desígnio comum – forçar a queda do governo de Lisboa. Para eles, o que vem depois disso, logo se vê. Do outro lado, contudo, havia um sistema e um exército em torno da figura de D. Maria II, que não vergava. Batiam os sinos por uma nova guerra civil, a chamada Patuleia, catorze anos depois da que opôs dois reis irmãos, embora de menor longevidade – não chegou a um ano, com derrota dos revoltosos, muito por culta da intervenção de França, Inglaterra, e Espanha, que vieram acudir a rainha portuguesa.
Estátua de Maria da Fonte, na Póvoa de Lanhoso
Estátua de Maria da Fonte, em Fonte Arcada
Estátua de Maria da Fonte, em Lisboa
Maria da Fonte na cultura popular
Até hoje se discute quem foi realmente Maria da Fonte. Ou se alguma vez terá havido alguém assim descrita.
Talvez uma das mulheres minhotas que afrontaram as novas leis da saúde se tenha destacado, e que, atendendo a que um dos mais conhecidos eventos aconteceu em Fonte Arcada, tenha sido apelidada da Fonte, epíteto que se somou ao seu nome próprio, Maria. Ou talvez todas as revoltosas sejam potenciais Marias da Fonte, e não valha assim tanto a pena andar aqui a resolver o enigma de qual delas é mais digna do título.
No último século e meio, investigadores ofereceram teorias mais e menos verosímeis, tentando responder à pergunta quem foi Maria da Fonte?. Mas também a arte, com o seu fértil chão, mergulhou de cabeça nas revoltas do século XIX, dando a sua perspectiva da coisa.
Camilo Castelo Branco dedicou a sua pena à história da minhota de Lanhoso, num relato romanceado, escrito em 1885, que a coloca como uma mulher abandonada pelos pais, bruta e ignorante, ainda por cima pecaminosa nas suas visitas frequentes às Casas da Roda de Lanhoso. Rocha Martins, jornalista e escritor, também obrou prosa sobre ela. Na música, o “Hino da Maria da Fonte“, celebrizado por Vitorino, ainda é cantado em certos eventos oficiais, e Zeca Afonso criou um dos seus mais famosos temas com “As Sete Mulheres do Minho“. O próprio rancho folclórico lanhosense tem o nome de Maria da Fonte, a par com o clube de futebol. Na escultura, há tantas obras alusivas à Maria da Fonte que receio não conhecer todas – em Guimarães, emproa uma fonte de água; em Aveiro, gravita sobre um pequeno lago; em Lisboa, é famosa a estátua em mármore branco do Jardim Teófilo Braga; na Póvoa de Lanhoso, claro, a dose vem a dobrar, com uma estátua na própria vila, e outra em Fonte Arcada. E na pintura, Roque Gameiro deixou a sua interpretação da Revolta do Minho em tela, num quadro que coloca Maria da Fonte numa pose bem próxima da mulher que personifica a Liberdade na obra “La Liberté guidant le peuple”, de Delacroix.
Curiosamente, na política, foi acarinhada pela Esquerda e pela Direita. A primeira, possivelmente, por se ter batido contra o sistema instalado e ter, no fundo, contribuído para uma revolução. A segunda, porque a insurreição da Maria da Fonte tinha um cariz tradicionalista, de quem não se queria livrar de antigos costumes, contra uma nova ordem progressista, estatista e anti-religiosa.
Facto é que o seu nome ficou imortalizado no imaginário português. A Maria da Fonte transformou-se numa figura rebelde, de como a classe popular se pode opor à elite, um pouco como a versão feminina do Zé Povinho. Tornou-se um arquétipo da insubmissa mulher nortenha, dona do seu nariz, regedora da família e gestora dos orçamentos domésticos. Miguel Esteves Cardoso escreveu, recentemente, acerca da mulher do Norte: “[gosto] da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito”. Mais de cento e cinquenta anos depois, toda a mulher nortenha ainda é vista como uma Maria da Fonte.
“La Liberté guidant le peuple”, de Delacroix
“Maria da Fonte”, de Roque Gameiro
O Centro Interpretativo
O Centro Interpretativo está situado no Largo António Ferreira Lopes, na vila da Póvoa de Lanhoso, curiosamente na mesma praça onde antes se encontrava a taberna de Maria Luísa Balaio, estaminé onde se crê que as revoltosas ganharam efervescência. Maria Luísa Balaio é considerada uma das célebres sete mulheres do Minho que despertaram o sentimento de revolta no concelho lanhosense e é, para alguns, a verdadeira Maria da Fonte, já que neste largo existia antes uma fonte que acabou por denominar a mulher que ali trabalhava.
Inaugurado em 2015, foi dividido em dois núcleos – o interpretativo (para fins turísticos) e o documental (para fins académicos) -, que se separam em dois distintos edifícios. Entre ambos está o emblemático Theatro Club, edifício do início do século XX, entretanto recuperado para se transformar no epicentro cultural da Póvoa de Lanhoso.
O Núcleo Documental e o Núcleo Interpretativo têm um objectivo – o da divulgação da figura da Maria da Fonte enquanto símbolo maior do município, personificação da insubmissão e da vontade popular. Mas os meios que adoptam são divergentes. O primeiro funciona sobretudo enquanto centro de pesquisa, responsável, por exemplo, pela exposição pública das actas redigidas pela Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso no período anterior e posterior à Revolução da Maria da Fonte. Conta com um interessante arquivo relativo à insurreição e aos conturbados tempos do liberalismo setembrista e cabralista. Já o segundo, refere-se explicitamente ao museu, de função pedagógica, e onde podemos encontrar a reconstituição em silicone da Maria da Fonte, bem como o painel modernista com as sete mulheres do Minho, da autoria de Domingos Silva.
O Centro Interpretativo acabaria, depois, por se tornar algo mais. Tendo como apoio o já mencionado Theatro Club, aqui existem exposições e lançamentos vários, de cariz cultural, ligados a todo o tipo de artes, da música à literatura.
Póvoa de Lanhoso – o que fazer, onde comer, onde dormir
Portugal nasceu aqui, num baluarte anterior à própria pátria, hoje conhecido como Castelo de Lanhoso - foi especialmente querido à história de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, que alguns consideram a verdadeira primeira monarca portuguesa. Além da renovada fortificação, há, logo ao lado, duas outras construções obrigatórias - o Castro de Lanhoso, que esteve na origem de tudo isto, e o Santuário de Nossa Senhora do Pilar, que começa no sopé do Monte do Pilar e chega até ao seu topo.
E no entanto, apesar dos três exemplos de património histórico descritos acima já serem suficientes para justificar uma visita, Póvoa de Lanhoso tem muito, mas mesmo muito, para ver. A destacar, temos a Filigrana que é trabalhada em Travassos e em Sobradelo da Goma, em primeiro lugar. Em segundo, o Centro Interpretativo Maria da Fonte, um espaço de pesquisa e divulgação de uma das mais célebres figuras da cultura popular, cantada e pintada e esculpida de norte e sul do país enquanto protótipo da mulher nortenha, e que de uma pequena revolta junto à Igreja de Fonte Arcada fez contagem decrescente para uma nova guerra civil. E em terceiro, caso haja possibilidade de ir a meio de Março, as Festas de São José, que se prolongam por uma semana mas que têm no dia 19 de Março o momento da sua majestosa procissão.
Quanto a lugares estivais, o pontão da Barragem de Andorinhas - num trecho predestinado do rio Ave, logo a jusante da lendária Ponte de Mem Gutierres -, e a Praia Fluvial de Verim, no extremo norte do município, são escolhas evidentes. Não muito longe desta última, o Pelourinho de Moure é uma curiosa obra que contraria o manuelino de onde brotou. E numa outra apertada praia, a Praia Fluvial da Rola, há o Santuário da Senhora de Porto d'Ave, responsável pela concorrida Romaria dos Bifes e dos Melões. De referência internacional é o DiverLanhoso, um dos maiores parques de aventura no continente europeu, com diversificada oferta de actividades, mormente para a criançada.
Nas comidas, os dois andares do Velho Minho guardam boa garrafeira e cozinha regional bem preparada - é bom o cabrito, finalizado com um pudim Abade de Priscos. Para dormir, o resguardo da Casa do Monte da Veiga, junto a Calvos (onde respira um dos mais belos carvalhos nacionais), dá noites sossegadas a quem as quiser, mas também a Villa Moura, em Fonte Arcada, entrega boa qualidade de serviço, piscina, e vista desimpedida sobre a serrania que cerca a sede de concelho.
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.57488 ; lon=-8.26761