Lenda do Poço da Besta

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Aconteceu na Cuba do Alentejo: um poço infernal numa terra de calor infernal. Para descanso dos cubenses, a cova onde, segundo crença, o Diabo fez casa, já não existe. Mas, infelizmente, há na Lenda do Poço da Besta mais realidade do que aquilo que seria desejável.
Um Poço da Besta onde a água tinha dois sabores
Contava-se na Cuba que no sítio onde agora está o Largo do Mercado, oficialmente denominado Praça da República, havia um poço e duas bicas. Tal assim era que a esse recanto se deu o nome de Terreiro das Fontes. E que dessas duas bicas brotavam duas diferentes águas, uma com sal, outra sem. Seria a que não era potável, ou seja, a salgada, a que era atribuída a um hóspede pouco recomendável – a Besta, que ali se escondia.
Este Diabo saltava do poço apenas para convidar cubenses para um jogo de cartas. Conhecendo-se o Alentejo, bem sabemos que uma cartada não se recusa. E todo o homem se sentava à mesa com o mafarrico. Mas este advertia-os: se ganhassem, a tudo teriam direito; mas se perdessem, a ele lhe entregavam a alma.
Claro que o Diabo nunca se escusava a fazer batota, e assim limpava os jogos todos. Foi fácil coleccionar as almas dos homens da Cuba.
Variante à lenda
Uma pequena variante à lenda acima descrita diz que das fontes do terreiro só saía água salgada. E que terá sido um cubense, provavelmente mais batoteiro que o próprio Diabo, que, tendo vencido a Besta num jogo de cartas, ao invés de pedir troféus faustosos, exigiu que do poço saísse também água doce, salvando a pequena povoação alentejana do drama da seca.
Um Poço da Besta onde o Diabo virava donzela
A premissa da presente lenda é a mesma que a da anterior: no lugar onde agora está o Largo do Mercado existia um poço habitado pelo Diabo. Mas este não era jogador de cartas. Transformava-se antes numa bonita mulher que, pela meia-noite, abandonava o seu covil para seduzir os homens da Cuba.
Os cubenses cediam à luxúria e entrevam com ela de boa vontade no poço. Ali se satisfaziam todos os prazeres carnais até que a bela rapariga mostrava a sua verdadeira face e devorava as suas vítimas, cujos gritos se faziam ouvir por toda a terra.
Por causa disso, com o tempo, o então denominado Terreiro das Fontes passou a ser espaço deserto durante a noite.
Um Poço da Besta de vários Diabos
Diz Vanessa Fidalgo, que já tive o prazer de entrevistar neste espaço, que o Terreiro das Fontes não era só habitado pelo Diabo mas também por “bruxas, duendes, fantasmas e diabretes”. Creio que a autora se baseia na obra “Portugal Antigo e Moderno“, de Pinho Leal, pois são estes os seres lá descritos.
Estes seres esperavam pacientemente alguém que por lá passasse e, num instante, raptavam-no e levavam-no até às profundezas do poço, de onde ninguém retornava. O fenómeno acontecia pela meia-noite a qualquer pessoa que ali andasse sem fazer o sinal da cruz.
Os achados do Poço da Besta
E agora o arrepio. O antigo Terreiro das Fontes terá sido, nos idos oitocentistas, requalificado, transformando-se numa coisa muito parecida ao que é hoje.
Durante as obras, claro, houve necessidade de proceder a escavações, inclusivamente junto ao tal poço do inferno. E quando isso aconteceu, na zona onde a cova chegaria ao seu fundo, um lote de ossadas humanas foi descoberto. Contou-se até, talvez com algum folclore à mistura, que por lá se viram pinturas com representações da Besta. Um cenário frio e medonho, que alguns assinalaram como diabólico, e que só pôde inflacionar ainda mais um medo que nunca saiu do inconsciente cubense.
Significado do Poço da Besta
Em relação à primeira lenda, é curioso notar como na Ponte de Vila Ruiva, ou seja, também no concelho de Cuba, se relatava que um Diabo jogador de cartas exigia uma partida a quem queria atravessar a ribeira. A jogatana de cartas é um dos mais fundamentais passatempos do cubense, como de resto de quase todo o Baixo Alentejo, bastará ir até ao largo principal e procurar as sombras e lá estão os homens de boina, copinho de tinto sobre a mesa, e baralho na mão.
No entanto, é na segunda e na terceira lenda que o Diabo se parece confundir com outros seres mitológicos comuns no lendário português. Na versão em que a Besta se transforma em mulher, parece existir uma ligação às Moiras Encantadas, elas que são muitas vezes sedutoras, vingativas, e quase sempre associadas ao elemento água, como aqui é sugerido pelo poço e pelas bicas. E na lenda versada por Vanessa Fidalgo, vem à cabeça a imagem da Maria Gancha, um ser maléfico que é atribuído às zonas do interior do país – tem garras afiadas e vive precisamente no fundo dos poços, raptando sobretudo crianças que se aproximam destes.
Convém trazer para a mesa o que Pinho Leal refere no livro supracitado: este poço era provido de uma abóbada cujo interior tinha uma representação de São Miguel e da sua luta contra o Diabo. É possível que alguns eventos pouco simpáticos e dificilmente explicáveis à época acabassem apontados à Besta por causa da pintura lá gravada.
E quanto à descoberta de corpos nas imediações do poço, a propósito de uma obra estrutural desenvolvida pelo município, direi apenas que as lendas, conforme se vê, trazem sempre consigo um pouco de história. Não sabemos como ali foram parar os corpos – se foram acidentes, suicídios, homicídios, diabos, moiras ou Marias Ganchas. Mas sabemos que as crenças, afinal, têm alguma razão de ser.
Cuba do Alentejo – o que fazer, onde comer, onde dormir
Cuba, a vila alentejana e não a ilha caribenha, foi povoada desde épocas pré-romanas, embora tenha sido com Roma que ganhou relevância. Com efeito, é a nordeste da vila, num pequeno outeiro a que chamam de Moinhos do Tanquenho dado o par de moinhos de vento que por lá moram, que muito provavelmente um castelo romano foi alçado. Hoje temos dali um excelente palanque para a actual povoação - observa-se o baixo casario e, às suas cavalitas, as altitudes do silo de cereais e da torre das piscinas.
O burgo da Cuba é feito a esquadria, sobretudo o seu flanco sul, aquele que mais influência teve com a chegada da Estação de Caminhos de Ferro. A esse propósito, Pedro Ferro, na obra "Alto e Baixo Alentejo", chamou Cuba de "terra de cargas e descargas". Com efeito, aqui vinham quase todo os alentejanos residentes nessa mancha entre Évora e Beja à caça de mercadoria. Esta veia comercial cubense moldou as gentes e a terra. Viu uma modernização nos seus edifícios que poucas características guardam da arquitectura popular alentejana. Não obstante, na Cuba ainda temos a tradição sulista a funcionar em paralelo - nas adegas musicadas do Cante (que nunca cessem os cantadores cubenses que, com gravidade na boca e mini na mão, arrastam as sílabas numa dolência maior que em todo o resto do Alentejo), no activo lendário (veja-se a Lenda do Poço da Besta), na beleza interior da Igreja Matriz de São Vicente (o frontal de azulejos é gabado para lá da concelhia).
Como curiosidade, e puxando um pouco pela controvérsia, o Centro Cristóvão Colon está de portas abertas para quem se queira deixar convencer com a teoria da origem do descobridor ser não só portuguesa, mas muito em concreto cubense. Menos polémico é o Museu Literário Casa Fialho de Almeida, uma sentida homenagem da Cuba a um dos homens que mais beleza e veneno pôs nas palavras com que se criticava os dirigentes do país entre o final do século XIX e início do século XX.
Depois há o resto, exterior à sede de concelho, que não é pouco. Porém, quase tudo o que há para ver dentro das fronteiras do município de Cuba está no núcleo norte, mais ou menos entre as duas aldeias históricas de Vila Ruiva e Vila Alva. Na primeira destacam-se os vários frescos, na segunda as maravilhosas adegas onde se prova o barrento e romano Vinho de Talha. Lá param também dois monumentos fundamentais para a compreensão da história deste par de terriolas geminadas - a romana Ponte de Vila Ruiva, que é monumento nacional, e a Ermida da Senhora da Represa, onde há procissão por altura da Páscoa.
Mais para cima, próxima de Albergaria dos Fusos, fica a praia fluvial, novinha em folha, pronta a refrescar as tardes soalheiras. No flanco sul, apenas Faro do Alentejo serve de referência geográfica, sendo uma aldeia de poucas casas e cujo protagonismo apenas é reclamado aquando da sua Feira da Caça, da Pesca, e do Mundo Rural, que por acaso até acontece na mesma altura em que as talhas se abrem para a prova de vinho novo.
Falando em aberturas de talhas, e voltando à face setentrional do concelho, a não perder são os eventos lançados pela Herdade do Rocim e por Vila Alva, respectivamente designados Amphora Wine Day e Provando o Tareco, ambos realizados por ocasião do dia de São Martinho. No primeiro provamos os tintos de ânfora da quinta cubense, no segundo tragamos os tintos de ânfora das centenárias vinhas do município. Com jeitinho, dá para ir aos dois.
Onde comer
O correcto é dividir tudo o que se enquadrar na categoria de comes e bebes cubenses em dois grupos: os restaurantes e as adegas. Nos restaurantes o que mais importa é a comida, embora também se beba. Nas adegas o que interessa é a bebida, embora também se coma.
Antes de irmos a cada um deles, uma nota aos visitantes: estamos no Alentejo, e não num Alentejo qualquer, no interior alentejano. Em muitos estaminés não há menu. É entrar, sentar, e comer o que os donos recomendam. O processo não pode ser mais simples. Fico banzado com a quantidade de pessoas que não entende que nem tudo tem de estar escrito numa tábua. Se o chefe de cozinha ou o empregado não vos der escolha, aproveitem isso mesmo, o não ter de escolher.
Começando então pelos restaurantes, o Julião, na Cuba, mistura os pratos mais conhecidos do Alentejo, que andam quase sempre em torno do porco, com surpresas vindas do mar, como o lingueirão. Ainda na Cuba, e de estética mais moderna, temos o Essa Taberna, de abertura recente e cuja aposta recai na petiscaria. No extremo norte da concelhia aconselha-se a Mó, um pequeno café que serve pratos regionais e onde as sopas - a de grão e a de cação - são a razão principal para se entrar.
Já as adegas - que, sejamos honestos, é o que realmente distingue o município -, o ideal é escolher Cuba ou Vila Alva, porque é lá que elas se concentram. A Casa de Monte Pedral, na Cuba, faz um cinquenta-cinquenta: ora é adega, ora é restaurante, e tem no feijão com cardo (ou carrasquinhas, como se preferir chamar) a figura de proa. E também na Cuba há uma bela casa típica alentejana que alberga a Adega da Lua onde o vinho é rei. Passando para Vila Alva, começo por recomendar que o leitor fique atento ao calendário e ao horário de abertura de cada adega, se for preciso ligue antes para confirmar se há gente para o servir, reforçando que a melhor maneira de as apanharmos todas de porta escancarada é nas festas das provas de vinho novo, em Novembro - nesse sentido, é famosa a Adega do Mestre Daniel por se ter tornado sede do projecto XXVI Talhas, bem como a Adega do Guel e a Adega de Panóias.
Onde dormir
Em primeiro lugar da lista de recomendações está a doce Casa do Alto da Eira, na aldeia de Albergaria dos Fusos, bem perto da recente praia fluvial. É uma tradicional casa alentejana que mistura xisto e tijolo com uma bela piscina harmonizada com a envolvente.
Entre Vila Ruiva e a sua famosa ponte encontramos o Turismo Rural Pedremoura, uma casa de campo cercada de vinhas e de sobreiros que vê nas bicicletas que empresta a melhor forma de pôr os hóspedes a tomar o pulso à terra alentejana.
A pequena mas arranjada Vila Girassol, em Vila Alva, garante bom leito a quem queira fazer um rally de adegas e dos seus vinhos de ânfora. Fica dentro dos limites da aldeia e serve de seguro aos exageros do tinto ou do branco.
Se a intenção for estar sediado na própria Cuba, então o melhor que há a fazer é fechar uma reserva no Cuba Real, um solar oitocentista reaproveitado para o turismo, munido com a maioria dos serviços mais requisitados pelo público.
Para conhecer mais promoções para dormidas na Cuba, ver em baixo.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=38.16565 ; lon=-7.89017