Pelos caminhos assombrados de Portugal – Entrevista a Vanessa Fidalgo

by | 5 Jul, 2020 | Lendas, Mitos e Lendas

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O livro “Pelos caminhos assombrados de Portugal” acabou de sair, lançado pela editora Saída de Emergência, com uma extensa colecção de lendas, mistérios e festas do folclore português. Conversámos um pouco com a autora Vanessa Fidalgo, jornalista e escritora, a quem este espaço estará sempre agradecido pelo tempo dedicado.

A Vanessa tem alternado a sua escrita entre o Portugal insólito (o das casas assombradas e do aparecimento de OVNIs) e o Portugal mitológico (o das lendas, dos seres mágicos, do folclore). Há ligação entre estas duas dimensões?

Principalmente o gosto por procurar histórias diferentes e que mexam com as pessoas. E que mexam comigo também! No entanto também temos algumas lendas sobre fenómenos celestes e sobre casas assombradas no nosso folclore, onde estes dois universos se unem.

Falando agora do livro “Pelos caminhos assombrados de Portugal” acabado de lançar. Como foi feita a recolha e escolha das lendas e festividades aqui descritas?

Procurei em arquivos e registos de muitas juntas de freguesia e bibliotecas municipais, vasculhei na memória dos mais antigos em algumas universidades seniores e bibliotecas por onde passei a fazer apresentações.

Há sempre aquele momento no final em que as pessoas se aproximam e partilham comigo a sua própria história e, claro, dessa forma vou também recolhendo material para um próximo livro. É sempre assim que começa mais um… quando já tenho qualquer coisa que sobrou na aventura do anterior. Consulto arquivos universitários e outras pessoas (investigadores) ligados ao tema (como o professor Alexandre Parafita, por exemplo), pois também acho importante divulgar esses trabalhos feitos em prol da preservação da nossa tradição oral através dos meus livros.

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Vanessa Fidalgo em entrevista a propósito do seu último livro

quero acreditar que daqui a cem anos [estas histórias] ainda serão recordadas

No livro, tal como no lendário popular português, há personagens e tramas que são recorrentes: o cavaleiro cristão, o alcaide mouro, a história de amor impossível entre dois jovens de religiões rivais. O que acha que justifica esta repetição?

A nossa história, primeiro que tudo. A ocupação árabe deu pano para mangas ao imaginário popular. Mas há aqui reminiscências de uma certa tradição pagã também. A moura encantada, por exemplo, é uma alusão à Deusa, à Terra-mãe, símbolo de fertilidade. Muitas das suas aparições coincidiam com os dias dos solstícios, por exemplo.

O livro descreve várias lendas e superstições mas reserva, no final, um capítulo para algumas festas populares que confundem o sagrado e o profano. Somos um país de fé cristã e comportamento pagão?

Sem dúvida. Nós e a maioria dos outros países do Mundo.

Se olharmos para Inglaterra ou para os países da América do Sul… veja-se o Brasil, por exemplo. Um país profundamente religioso, com uma imensa, enraizada e mística tradição oral. Esta mitologia muito rica não é estranha ao facto da religião dominante coexistir com outros cultos, claro. Não se apaga o passado nem a cultura popular.

Em Portugal, a fé a as tradições de origem pagã têm papéis bem definidos, não concorrem com a fé cristã nem se anulam. E ainda bem: somos mais ‘ricos’ assim.

Tendo em conta a extensa compilação de lendas exposta no livro, consegue distinguir um padrão que separe o tipo de lendário do sul, do centro, e do norte?

Não podemos definir fronteiras porque há muitas lendas de mouras encantadas no Norte e muitos lobisomens ou bruxas também no Sul. Somos um país pequenino, e as lendas migram facilmente, além de não haver assim uma diferença cultural muito marcante.

Mas é um facto que o lendário associado à ocupação árabe predomina no Alentejo e no Algarve e as figuras típicas da tradição oral dos povos do Norte – que nos primórdios também ocuparam o território português a norte – predominam nessa região.

Para terminar num tom mais existencialista. Viemos de um século XX profundamente positivista e vivemos um século XXI caracterizado pela abundância de informação. Os mitos correm o risco de desaparecer? O que seria do Homem sem o mito?

Diria que não vivemos numa época muito favorável para a mitologia. É um facto (por mais que me custe…). Mas quero acreditar que daqui a cem anos ainda serão recordadas estas antigas narrativas (por isso é importante preservá-las, estudá-las, ensiná-las). Se assim não for… o Homem será certamente muito mais chato e terá muito mais dificuldade em sonhar.

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