Maria Gancha

by | 23 Jun, 2017 | Lendas, Minho, Mitos e Lendas, Províncias

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Há textos assim, curtos e breves, menos históricos mas recheados de folc.

Há pouco tempo, quando comprei o livro “Bestiário Tradicional Português” (que é, aparentemente, um presente para dar a miúdos, mas que eu, trintão, devorei em menos de meia hora), vieram-me à memória as conversas que se tinham sobre a Maria Gancha, uma monstruosidade portuguesa que habita os poços destes país.

Uma figura do folclore (e do terror) juvenil português, a Maria Gancha vive para amedrontar putos que espreitam para dentro dos poços

Maria Gancha, a senhora com mãos de gancho

O filme japonês “Ringu”, que depois deu origem à inevitável versão americana “The Ring”, tem num fantasma que vive nas profundezas de um poço de água a base para todo o medo que quer criar. A fita é inspirada num dos episódios mais famosos do folclore nipónico, onde uma mulher de nome Okiku virou fantasma quando se viu atirada para o fundo de um poço. A partir daí, Okiku tornou-se uma figura fantasmagórica vingativa com qualquer pessoa que se aproximasse das suas imediações.

Este ser de uma certa forma de mística oriental parece encontrar algum paralelismo com as nossas Moiras Encantadas (aqui faladas nos textos 1 e 2), que também tinham no elemento água o seu sossego, e que também gostam de mostrar o seu carácter vingativo, sobretudo com homens. Mas para além da mitologia, há uma personagem da folc juvenil portuguesa que ressoa como ninguém nessa distante Okiku japonesa: a Maria Gancha.

Curiosamente ou não, Natacha Costa Pereira, na ilustração que fez no livro supracitado, desenhou Maria Gancha como uma espécie de caricatura juvenil dessa personagem do terror que se viu globalizada pela força do cinema (ver foto ao lado).

E quem é a Maria Gancha?

É uma mulher com dedos de ferro, curvados, que vive adormecida no fundo dos poços, ensopada em água. Por lá se mantém entorpecida, ou mesmo morta, até que o barulho de uma pedra ou de um respirar inocente de uma criança a acorde. Aí apronta-se a trepar poço acima, até ao seu cimo, raptando o miúdo da superfície e levando-o consigo até às profundezas da terra, onde volta a adormecer. A este propósito, uma lenda do Minho sustenta que certa mulher, uma vez, viu um pequeno rapaz ser levado pela Maria Gancha e no dia seguinte, quando ia buscar água, a mesma mulher encontrou o miúdo perecido, a boiar no seu fundo. Uma outra, esta no Baixo Alentejo, fala de um poço habitado por um ser maligno que raptava quem lá passava por perto.

Os terrores da Maria Gancha são contados de norte a sul de Portugal, maioritariamente no interior do país, mas permanecem mais vivos nas estórias rurais das terras minhotas. Obviamente, com a modernização do acesso à água, os poços foram sendo deixados ao abandono, e com eles morreram também as várias Marias Ganchas que dormiam no fundo de cada um.

A sua origem pode estar numa mistura de antigas crenças populares (as tais Moiras poderão ser o seu ponto de partida) com uma necessidade elementar que os pais têm em afastar os seus filhos de zonas perigosas – e tendo em conta que qualquer petiz que ouça conversas sobre as vítimas da Maria Gancha se afasta dos poços como o diabo da cruz, parece resultar.

Maria Gancha conforme o livro infantil "Bestiário Tradicional Português"

Maria Gancha ilustrada no livro “Bestiário Tradicional Português”

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