Museu Literário Casa Fialho d’Almeida

by | 30 Jul, 2023 | Baixo Alentejo, Lugares, Monumentos, Museus e Exposições, Províncias

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Fialho de Almeida nasceu em Vila de Frades, não na Cuba. Mas foi cubense no último terço da sua vida, depois de um casamento curto que o deixou viúvo e rico bem cedo. E por isso, veio da Cuba a sua homenagem maior, com a transformação da sua residência num espaço museológico chamado Museu Literário Casa Fialho d’Almeida, uma jogada arrojada tendo em conta o custo do projecto, mas que não é menos do que obrigatória.

Uma vida entre o Alentejo e Lisboa

Fialho de Almeida era uma alentejano com sangue beirão. Filho de Mariana da Conceição Fialho e de Valentim Pereira de Almeida, herdou da mãe um dos apelidos e do pai outro, tendo como nome completo José Valentim Fialho de Almeida. O seu progenitor, embora de origem modesta, era um homem letrado, coisa rara para a altura. Terá sido a exigência do seu pai, um professor que detinha propriedade, ainda que pouca, que fez com fosse transferido, com apenas nova anos, para uma das melhores escolas do país, o Colégio Europeu, na capital.

A vida em Lisboa moldou-lhe a personalidade. Primeiro no colégio, onde enquanto criança e adolescente foi várias vezes maltratado, facto a que não era alheia a sua condição de menino humilde no meio de meninos ricos – terá sido aqui, porventura, que a veia de crítico mordaz da época em que viveu se apoderou de si. Aos quinze anos de idade saltou para fora da escola, mais por obrigação do que outra coisa, já que à morte do seu pai correspondeu, grosso modo, a abolição do seu subsídio de sobrevivência. As finanças não eram as mesmas, agora que é ele o sustento da família e não o sustentado. Aparece um trabalho numa botica no Largo do Mitelo que Fialho de Almeida vê como um imperativo. Trabalha na farmácia por sete anos, estando constantemente em contacto com a Lisboa industrial, operária, pobre.

A vida na botica familiarizou-o com a arte dos medicamentos, ou como ele escrevia, de língua afiada, de “raçuns de unguentos pré-históricos”. Decidiu que a sequência lógica seria uma licenciatura em Medicina. Assim fez, inscreveu-se em 1879 e saiu com o diploma na mão seis anos depois. Mas médico não foi ele: tirando serviços muito esporádicos no campo, nunca exerceu. Preferiu antes dedicar-se aos vícios da vida lisboeta, mesmo que a contar tostões. Perde-se nos prazeres da noite alfacinha, não escusando uma oportunidade para, ao mesmo tempo, os desdenhar. Entre os seus 28 e 35 anos entrega-se ao hedonismo, sendo um dos frequentadores do ainda hoje aberto Martinho da Arcada. A galhofa citadina escondia uma solidão que foi sendo combatida com a escrita. Escreveu muito em (e sobre) Lisboa.

Depois casou, corria 1893. Desposou uma mulher de ascendência espanhola, de gabadas posses e residente na Cuba, curiosamente uma terra a cerca de dez quilómetros da sua Vila de Frades natal. O matrimónio fê-lo mudar radicalmente de vida. Deixou o festim da capital e retornou ao seu Alentejo. Poucos meses foi marido. Apenas um ano depois do nó, Emília Garcia Pego, a sua mulher, morre. Alguns cubenses desconfiam. Já lhe tinham colado a fama de interesseiro ao escolher uma mulher tão rica para casar. As suspeitas piorariam assim que ficou viúvo em tão pouco tempo. Por causa disso, na Cuba onde, por herança, se transformou agricultor, esteve quase sempre sozinho, “como um condenado” como uma vez confidenciou.

Por outro lado, o seu fim de vida foi o oposto ao seu percurso lisboeta. De uma boémia burguesa para a qual não tinha dinheiro, passou a habitar a serenidade alentejana como homem rico. Chegou até a queixar-se do aborrecimento, declarando a sua nova posição enquanto lavrador desafogado como uma vida “horrível”. Sentia falta do baile de máscaras alfacinha sobre o qual tanta tinta gastou a caricaturar. Aproveitou para viajar. Aos clichés da Europa Central, como Paris, mas também à Galiza, talvez a única província que o fascinou tanto quanto o Alentejo.

Em 1911, morre. O facto de ter escrito o seu testamento um dia antes de morrer levou a que muita gente tenha considerado a hipótese de suicídio. Quem o conhecia, contudo, afirma que não. Fialho de Almeida estava, sim, muito receoso de uma cirurgia agendada para poucos dias depois, em Lisboa, e por causa disso entendeu deixar um testamento pronto caso o pior acontecesse. A operação não chegou a acontecer. No dia 4 de Março estava a cumprir os seus afazeres diários numa propriedade que tinha em Vila de Frades. Sentiu-se mal. De regresso à Cuba, acabou por não resistir. Está sepultado na vila. Da sua residência, que esteve prestes a ruir, a Câmara Municipal fez uma casa-museu, a qual apelidou de Museu Literário Casa Fialho d’Almeida.

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Retrato de Fialho de Almeida

Fialho de Almeida tinha em si Lisboa, Galiza, e Alentejo

Placa de homenagem a Fialho de Almeida

Placa comemorativa dos cem anos da morte de Fialho de Almeida

O Museu Literário Casa Fialho d’Almeida e a homenagem da vila de Cuba

No Verão de 2019, a casa que Fialho d’Almeida herdou da falecida esposa virou museu em seu tributo. O espaço está separado em diferentes secções.

A casa

Do espaço onde Fialho de Almeida residiu fizeram-se várias salas para a compreensão da história, das obras, e do estilo de Fialho de Almeida.

Aqui relacionamos a sua escrita com o espírito da época – a transição do século XIX para o século XX, particularmente turbulenta no que diz respeito à política do país, fase de contestação republicana à monarquia e à enfraquecida diplomacia nacional. Fialho de Almeida nunca foi um verdadeiro republicano e também nunca foi um verdadeiro monárquico. Na verdade, a sua controversa personalidade e o seu registo acutilante e próprio de enfant terrible impresso em vários jornais e revistas pô-lo como persona non grata em ambas as facções, conservadoras e progressistas. Chegou a defender que “república e monarquia constitucionais são tabuletas anunciando uma só mercadoria”.

Com efeito, a sua prosa truculenta e panfletária, que tanto denunciou a farsola da vida na capital como apontou mira a alguns escritores tidos como intocáveis – aconteceu com Eça de Queirós, a quem dedicou várias linhas a denunciar defeitos físicos do autor e concluindo que as suas feições eram “mefistofélicas” -, valeram-lhe vários ódios. Os seus textos que mais mortíferos surgiram nos fascículos de “Os Gatos“, entretanto compilados em edições recentes, e ainda hoje considerados como as obras maiores do autor.

Essa era a faceta jornalística, opinativa e provocadora de Fialho de Almeida. Mas havia outra, romancista e romântica, fragmentada entre o naturalismo e o impressionismo, com uma queda para o uso da alegoria de forma horrífica e onde amiúde convocava a bestialidade e a morbidez para fazer sobressair a imperfeição humana. Essa cara do autor está presente nos seus contos, sendo os mais conhecidos reunidos no “País das Uvas“, título alusivo ao Alentejo, lançado no exacto ano em que partiu para Cuba, talvez o período em que o seu lado contista atinge ponto de rebuçado.

Muitos foram os nomes que se inspiraram, décadas depois da sua morte, na sua obra esparsa. André Saramago, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, para nomear alguns. O mesmo se pode dizer de Jorge de Sena que registou que “o pior defeito do Fialho é, de facto, o seu imenso talento”. Aliás, muitos dos colunistas contemporâneos, sobretudo os de linguagem mais violenta, encontram raízes na forma desencantada com que Fialho descrevia toda as criações do seu país (excepção feita à gastronomia nacional que, enquanto bom garfo, dizia ser “um produto do génio colectivo”, não estando ao alcance dos estrangeiros tentar copiar). No entanto, nunca gozou de grande êxito popular. Raul Brandão, seu amigo, admite que Fialho de Almeida só não foi um escritor mais abrangente porque lhe faltou um grande romance, uma magnum opus – como o seu ídolo Camilo Castelo Branco teve com “Amor de Perdição“, Almeida Garrett com “Viagens na Minha Terra“, ou Eça de Queirós com “Os Maias“. Na realidade, Fialho de Almeia não era esse tipo de artista. Faltava-lhe o foco. Os seus textos são soltos, apesar de ter romances e até escrita de viagem no seu portfólio.

Não obstante, o Museu Literário Casa Fialho d’Almeida e o Município de Cuba têm realizado um trabalho notável em lembrar este homem e não deixar que o tempo lhe seja injusto. Uma reedição de “Contos“, obra que andava esgotada há décadas, foi só o primeiro esforço. Mais haverá.

Os anexos

Ao lado da antiga casa estavam instalados dois espaços alocados à lavoura, quando Fialho de Almeida, ao ficar viúvo, se tornou lavrador.

Aqui encontramos máquinas agrícolas, talhas, objectos da etnografia alentejana. Ao mesmo tempo, estabelece-se um paralelismo com as narrativas de Fialho de Almeida mais inspiradas pela ruralidade onde cresceu e onde viveu os últimos anos da sua vida.

Como é recorrente na sua prosa, num só parágrafo somos capazes de reconhecer a paixão e a desilusão que o quotidiano campesino lhe trazia. Lendo “Os Ceifeiros“, na minha opinião um dos mais geniais e impressionantes textos empregados ao Alentejo, é impossível não cheirar o suor do trabalho da ceifa nas infernais searas despidas de sombras. Escreve ele: “São nove horas da manhã e daí a três o termómetro não fará senão subir. Começa então o pavoroso espectáculo da natureza e do homem, torturados a fogo […]”. O mesmo acabou por fazer com a Galiza, em “Cadernos de Viagem: Galiza“, no qual ora apresenta a imundície presente na ruralidade galega de forma bem gráfica como de repente solta a exclamação “Viva Galiza!”, como se nada de acusatório tivesse sido dito antes.

A terminar a visita, na zona do quintal há agora uma adega que muito convenientemente se chama “O País das Uvas”. Mais: o museu oferece quarto a gente que esteja à procura de uma certa reclusão artística, e já existe um prémio Fialho de Almeida para premiar futuros autores nacionais.

O Museu Literário Casa Fialho de Almeida, acrescento eu, não é apenas uma homenagem a um dos mais brilhantes escritores da passagem do século XIX para o século XX – é também um pedido de desculpas de uma terra que, à altura, nem sempre o soube tratar bem. Vem a tempo. Fialho de Almeida, por trás das cáusticas palavras que apontaria a este espaço, sentiria um oculto orgulho pelos quase vinte anos passados na Cuba.

Os volumes de Os Gatos

A compilação de textos de Os Gatos

Cuba do Alentejo – o que fazer, onde comer, onde dormir

Cuba, a vila alentejana e não a ilha caribenha, foi povoada desde épocas pré-romanas, embora tenha sido com Roma que ganhou relevância. Com efeito, é a nordeste da vila, num pequeno outeiro a que chamam de Moinhos do Tanquenho dado o par de moinhos de vento que por lá moram, que muito provavelmente um castelo romano foi alçado. Hoje temos dali um excelente palanque para a actual povoação - observa-se o baixo casario e, às suas cavalitas, as altitudes do silo de cereais e da torre das piscinas.

O burgo da Cuba é feito a esquadria, sobretudo o seu flanco sul, aquele que mais influência teve com a chegada da Estação de Caminhos de Ferro. A esse propósito, Pedro Ferro, na obra "Alto e Baixo Alentejo", chamou Cuba de "terra de cargas e descargas". Com efeito, aqui vinham quase todo os alentejanos residentes nessa mancha entre Évora e Beja à caça de mercadoria. Esta veia comercial cubense moldou as gentes e a terra. Viu uma modernização nos seus edifícios que poucas características guardam da arquitectura popular alentejana. Não obstante, na Cuba ainda temos a tradição sulista a funcionar em paralelo - nas adegas musicadas do Cante (que nunca cessem os cantadores cubenses que, com gravidade na boca e mini na mão, arrastam as sílabas numa dolência maior que em todo o resto do Alentejo), no activo lendário (veja-se a Lenda do Poço da Besta), na beleza interior da Igreja Matriz de São Vicente (o frontal de azulejos é gabado para lá da concelhia).

Como curiosidade, e puxando um pouco pela controvérsia, o Centro Cristóvão Colon está de portas abertas para quem se queira deixar convencer com a teoria da origem do descobridor ser não só portuguesa, mas muito em concreto cubense. Menos polémico é o Museu Literário Casa Fialho de Almeida, uma sentida homenagem da Cuba a um dos homens que mais beleza e veneno pôs nas palavras com que se criticava os dirigentes do país entre o final do século XIX e início do século XX.

Depois há o resto, exterior à sede de concelho, que não é pouco. Porém, quase tudo o que há para ver dentro das fronteiras do município de Cuba está no núcleo norte, mais ou menos entre as duas aldeias históricas de Vila Ruiva e Vila Alva. Na primeira destacam-se os vários frescos, na segunda as maravilhosas adegas onde se prova o barrento e romano Vinho de Talha. Lá param também dois monumentos fundamentais para a compreensão da história deste par de terriolas geminadas - a romana Ponte de Vila Ruiva, que é monumento nacional, e a Ermida da Senhora da Represa, onde há procissão por altura da Páscoa.

Mais para cima, próxima de Albergaria dos Fusos, fica a praia fluvial, novinha em folha, pronta a refrescar as tardes soalheiras. No flanco sul, apenas Faro do Alentejo serve de referência geográfica, sendo uma aldeia de poucas casas e cujo protagonismo apenas é reclamado aquando da sua Feira da Caça, da Pesca, e do Mundo Rural, que por acaso até acontece na mesma altura em que as talhas se abrem para a prova de vinho novo.

Falando em aberturas de talhas, e voltando à face setentrional do concelho, a não perder são os eventos lançados pela Herdade do Rocim e por Vila Alva, respectivamente designados Amphora Wine Day e Provando o Tareco, ambos realizados por ocasião do dia de São Martinho. No primeiro provamos os tintos de ânfora da quinta cubense, no segundo tragamos os tintos de ânfora das centenárias vinhas do município. Com jeitinho, dá para ir aos dois.

Onde comer

O correcto é dividir tudo o que se enquadrar na categoria de comes e bebes cubenses em dois grupos: os restaurantes e as adegas. Nos restaurantes o que mais importa é a comida, embora também se beba. Nas adegas o que interessa é a bebida, embora também se coma.

Antes de irmos a cada um deles, uma nota aos visitantes: estamos no Alentejo, e não num Alentejo qualquer, no interior alentejano. Em muitos estaminés não há menu. É entrar, sentar, e comer o que os donos recomendam. O processo não pode ser mais simples. Fico banzado com a quantidade de pessoas que não entende que nem tudo tem de estar escrito numa tábua. Se o chefe de cozinha ou o empregado não vos der escolha, aproveitem isso mesmo, o não ter de escolher.

Começando então pelos restaurantes, o Julião, na Cuba, mistura os pratos mais conhecidos do Alentejo, que andam quase sempre em torno do porco, com surpresas vindas do mar, como o lingueirão. Ainda na Cuba, e de estética mais moderna, temos o Essa Taberna, de abertura recente e cuja aposta recai na petiscaria. No extremo norte da concelhia aconselha-se a , um pequeno café que serve pratos regionais e onde as sopas - a de grão e a de cação - são a razão principal para se entrar.

Já as adegas - que, sejamos honestos, é o que realmente distingue o município -, o ideal é escolher Cuba ou Vila Alva, porque é lá que elas se concentram. A Casa de Monte Pedral, na Cuba, faz um cinquenta-cinquenta: ora é adega, ora é restaurante, e tem no feijão com cardo (ou carrasquinhas, como se preferir chamar) a figura de proa. E também na Cuba há uma bela casa típica alentejana que alberga a Adega da Lua onde o vinho é rei. Passando para Vila Alva, começo por recomendar que o leitor fique atento ao calendário e ao horário de abertura de cada adega, se for preciso ligue antes para confirmar se há gente para o servir, reforçando que a melhor maneira de as apanharmos todas de porta escancarada é nas festas das provas de vinho novo, em Novembro - nesse sentido, é famosa a Adega do Mestre Daniel por se ter tornado sede do projecto XXVI Talhas, bem como a Adega do Guel e a Adega de Panóias.

Onde dormir

Em primeiro lugar da lista de recomendações está a doce Casa do Alto da Eira, na aldeia de Albergaria dos Fusos, bem perto da recente praia fluvial. É uma tradicional casa alentejana que mistura xisto e tijolo com uma bela piscina harmonizada com a envolvente.

Entre Vila Ruiva e a sua famosa ponte encontramos o Turismo Rural Pedremoura, uma casa de campo cercada de vinhas e de sobreiros que vê nas bicicletas que empresta a melhor forma de pôr os hóspedes a tomar o pulso à terra alentejana.

A pequena mas arranjada Vila Girassol, em Vila Alva, garante bom leito a quem queira fazer um rally de adegas e dos seus vinhos de ânfora. Fica dentro dos limites da aldeia e serve de seguro aos exageros do tinto ou do branco.

Se a intenção for estar sediado na própria Cuba, então o melhor que há a fazer é fechar uma reserva no Cuba Real, um solar oitocentista reaproveitado para o turismo, munido com a maioria dos serviços mais requisitados pelo público.

Para conhecer mais promoções para dormidas na Cuba, ver em baixo.

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=38.16671 ​; lon=-7.89197

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