Torre de Moncorvo
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Torre de Moncorvo foi mais importante do que agora deixa adivinhar. Não digo isto pelos forais que a agraciaram – até porque o que não falta em Portugal são aldeias e vilas abandonadas que já contaram com o prestígio da Carta de Foral. Antes por toda a história económica e política de uma terra que se viu reconhecida como uma das quatro Comarcas de Trás-os-Montes, que se assumiu como sede de Rabinato, que produziu cânhamo fundamental para as embarcações, e depois seda para os têxteis, e depois ferro para a Revolução Industrial. De caminho, fez esforços para se elevar a diocese, neste caso sem sucesso, mas lá ficou a igreja, agora basílica, como prova.
Não se deixe, portanto, que a pequena dimensão vos dê certezas quanto à sua menor importância. É certo que tem decaído, como praticamente todo o interior português, mas olhe-se para a vizinhança para perceber como Moncorvo continua acima dos seus pares.
Daqui vem nome Moncorvo
Há, essencialmente, quatro teorias quanto ao topónimo Moncorvo.
Uma delas remete a origem do termo para a época da Reconquista, num tempo em que ainda não havia Portugal. Seria esta zona regida por Fernando Magno, rei leonês, que entregou a sua administração a um cavaleiro de nome Mem Corvo, conforme explica Fernando de Sousa no seu “Alto Douro”. Terá sido a junção de Mem e Corvo que formaram a designação de Moncorvo. Segundo alguns autores, numa busca pela verdade que contará com muito de lenda também, tal homem terá construído um castelo (a respectiva torre que completa o nome da vila) que, com os avanços e recuos militares típicos dessas décadas, se viu destruído.
Segundo Francisco Manuel Alves em “Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança“, existe uma segunda teoria que é, no fundo, uma lenda, e que conta a história de um homem lavrador de nome Mendo que encontrou um tesouro na serra. Afim de testar a mulher quanto a ela poder guardar segredo sobre a descoberta, inventou que tinha visto um corvo fêmea parir uma cascata de filhos – a mulher não se aguentou e contou a qualquer pessoa que encontrasse no caminho, ao ponto de toda a povoação saber da curiosidade poucos dias depois. Percebendo que não podia contar com a mulher para manter a boca fechada quanto ao tesouro encontrado, o lavrador decidiu fazer uma torre com o dinheiro do achado. E daí nasceu Torre de Moncorvo.
Outra tese que, como a anterior, também surge de raiz popular, defende que teria sido uma casa perto do Reboredo – com um aspecto muito próximo ao de uma torre, e cujo dono se chamava Mendo (ou Menendo, ou Mem) e que era conhecido por ter um corvo como sua companhia -, a atribuir o nome à povoação.
Por fim, há uma última hipótese, de resto bastante credível, que aplica os termos Mons e Curvus e que, segundo Ilda Fernandes, mulher moncorvense que dedicou muitas páginas ao seu concelho natal, seria a “designação que os romanos atribuíam ao Monte do Reboredo”, dada a sua curva junto à vila.
Certo é que foi no reinado de D. Afonso III que, com os documentos hoje conhecidos, foi pela primeira vez referenciada a terra de Turre de Menendo Curvo, designação que viria a evoluir para a que actualmente utilizamos.
Da Vila Velha a Torre de Moncorvo
Um pouco como acontece com o município vizinho de Carrazeda de Ansiães, cuja sede de concelho é um sucedâneo de um castelo anteriormente construído a relativa distância, também Torre de Moncorvo começou, de certa forma, longe da actual vila, na chamada Santa Cruz da Vilariça (ou Vila Velha, ou ainda Derruída), povoado situado entre a margem direita do rio Sabor e a margem esquerda da ribeira da Vilariça, bem próximo de onde hoje está a Barragem do Feiticeiro.
A tradição oral faz-nos crer que a população residente na Vila Velha terá mudado, quase instantaneamente, dali para a nova Torre de Moncorvo, e especulam-se as razões, sendo a mais famosa uma que aponta para uma praga de formigas que tudo destruía. No entanto, é crível que a dita Vila Velha convivesse com Torre de Moncorvo, isto é, que ambos os povoados existissem ao mesmo tempo, tendo o primeiro, ao início, mais pergaminhos do que o segundo, nomeadamente um foral atribuído por D. Sancho II. No entanto, esta situação mudaria. Discute-se porquê – talvez o acesso a fontes de água potável, talvez a busca por uma posição defensiva mais segura, talvez até a supracitada praga de formigas -, mas é certo que lentamente as gentes da Vila Velha se foram mudando de malas e bagagens para Torre de Moncorvo, e a importância desta seria definitivamente cimentada com um castelo colocado no topo de um cabeço e uma Carta de Foral assinada por D. Dinis, mais tarde confirmada por D. Manuel.
Santa Cruz da Vilariça, vulgo Vila Velha, perdeu fulgor, até que um dia se viu entregue ao seu destino anunciado: o abandono. Ainda lá está o esqueleto do antigo burgo medieval, nos muros de xisto da fortificação, dos casais, da capela, devidamente ocultados pelo silvado. O testemunho de uma comunidade que dali saiu e foi fazer vida para outro sítio.
Quanto a Torre de Moncorvo, o seu fado seria tudo menos triste – mormente entre os séculos XIV e XVI, quando a cultura do linho de cânhamo alimentava a cordoaria para a empresa das Descobertas, e outras riquezas surgiam, da produção cerealífera à exploração mineira na serra adjacente à vila. Chegou a ser a maior Comarca do reino em território. Esteve próxima de se transformar em diocese, como a Basílica Menor da Senhora da Assunção parece demonstrar. E até a minoria judaica que cá se fixou a transformou num centro religioso, um Rabinato, cuja esfera de influência correspondia, grosso modo, à província transmontana.
A judiaria no Bairro Histórico de Moncorvo
Na Igreja da Misericórdia se esconde um dos mais belos púlpitos do país
A Câmara Municipal marca o início do casco histórico moncorvense
O castelo e o casco antigo
Se formos até à Praça Francisco Meireles, o principal largo da vila, centrado com ajuda de um chafariz seiscentista, ficamos com uma ideia do que foi e onde se situava o castelo montado por ordem de D. Dinis. Era ali para cima, na direcção das traseiras da actual Câmara Municipal, conforme sugere a actual cerca medieval requalificada.
A fortificação chegou a receber acrescento posterior à edificação, primeiro por D. Fernando, depois por D. João I, numa altura em que as guerras com Castela ou estavam eminentes ou eram parte da realidade ibérica.
Contudo, e se exceptuarmos uma ou outra parte da cerca primitiva, como a já mencionada muralha à beira da Câmara ou a Porta de Nossa Senhora dos Remédios, a nascente, pouco sobra do bastião. O tempo foi-lhe ingrato, estando já parcialmente arruinado na primeira metade do século XV, e não havendo, daí para a frente, qualquer iniciativa para corrigir a sua irremediável deterioração.
O empenho camarário tinha outro foco. Em vez de recuperar o castelo, fomentava-se a sua substituição por espaços verdes, nomeadamente com a implantação de jardins ou planteio de novas árvores. A coisa foi piorando até que, já no último quartel do século XIX, a administração municipal decidiu dar-lhe o golpe fatal, demolindo-o para que, em sua vez, se instalasse um passeio público.
Mas se uma obra se desfaz rapidamente, a sua presença inconsciente dura dezenas de gerações. Presentemente ainda se entende esta área altaneira que domina o seu povo como o Castelo de Moncorvo. É por lá que estão as mais bonitas igrejas e capelas: a renascentista Igreja da Misericórdia, com um dos mais belos púlpitos do país, a assemelhar-se a um cálice de um gigante; a Capela do Sagrado Coração de Jesus, pertencente à família Gusmão e antes parte da Casa do Cacau; a Capela da Senhora dos Remédios, bem pequenina, mas com paredes que são coincidentes com os muros do velho castelo; a Capela da Senhora dos Prazeres, integrada no Solar dos Vasconcelos, com um belo altar onde a parra e a uva sobressaem em alto relevo. É por lá que se encontra a Casa da Roda, onde os bebés não desejados eram despejados por vergonha ou insegurança, conforme já aqui falámos. É por lá que se encontra a judiaria (uma das mais importantes judiarias nacionais), mais concretamente em redor da corrente Rua Nova e onde se especula estar a passada sinagoga e, muito provavelmente, o desfeito cemitério judaico – deste bairro nasceram diversos nomes de elevada reputação no concelho, e vários acabaram por sucumbir ou fugir às garras da Inquisição.
Essa velha alma de Moncorvo, como se vê, não desapareceu. Resguardou-se nos intramuros que, mesmo que já praticamente desaparecidos, continuam a povoar o imaginário moncorvense.
Para lá da cerca
Como é natural neste casos, das vilas medievais cresce-se para fora da muralha. No caso de Torre de Moncorvo, a expansão do burgo aconteceu para sul da antiga fortificação, onde as curvas da Serra do Reboredo fazem menos dano. Estando extra-muros, contudo, a monumentalidade não acaba.
Logo para começar, temos a Igreja da Senhora da Assunção, recentemente elevada a Basílica Menor, e cuja história poderá ser aprofundada neste texto. Bem perto desta, a partilhar a mesma praça, o Museu do Ferro (ex-Solar do Barão de Parme), para lembrar o trabalho mineiro deste povo, um labor desgraçado, mal pago e de pouco rendimento, que voltou a ser reactivado há pouco tempo. A um passo, o Solar dos Pimentéis, berço do General Claudino Pimentel. Na direcção da estrada nacional temos o Solar dos Viscondes do Marmeleiro, harmonizado com a Capela de Santo António, bem como o primevo Solar dos Távoras situado na rua Infante D. Henrique. Com tanto solar, só se pode voltar a sublinhar o status de que Torre de Moncorvo gozava.
Quanto ao rosto moderno da urbe, ele revela-se a leste e a oeste dessa mancha histórica que inclui o casco antigo e toda a zona nas proximidades da basílica. Para lá desse miolo ancestral, vemos casario de poucas décadas em bairros residenciais planeados com esquadria. Há também a fechada estação de caminhos de ferro na ponta sul, bem como um parque urbano a oriente. Tudo sinais de uma Moncorvo do novo século, mas nunca separadas da sua medula histórica.
Torre de Moncorvo – o que fazer, onde comer, onde dormir
Não sendo oficialmente parte da Terra Quente transmontana - como o são Vila Flor, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, e Macedo de Cavaleiros -, Torre de Moncorvo acumula ainda muitas das suas características: um tempo quente e seco no Verão, com chuvas reservadas para os meses invernais, alternadas com raros momentos de neve. Estando num enclave entre o rio Sabor e o rio Douro, que inclui uma mancha do viçoso Vale da Vilariça a norte, podemos concluir que o concelho foi de certa forma abençoado com bons cursos fluviais e uma boa dose de calor, sorte que só é contrariada pelas frias altitudes da Serra do Reboredo, onde a sede de concelho repousa a meia encosta.
É nesta dicotomia, entre a magnitude do Reboredo que lembra a Terra Fria, e o vale onde a ribeira da Vilariça traz boa fortuna às colheitas que lembra a Terra Quente, que devemos conhecer o município. No primeiro caso, o do Reboredo, com uma viagem atribulada entre os caminhos batidos que levam a vários miradouros serranos e, já agora, à histórica aldeia de Mós, deixada para trás pelo tempo. No segundo caso, o do Vale da Vilariça - sustento da ovelha Churra da Terra Quente -, com um roteiro pelas quintas vinícolas do Douro Superior, havendo várias por onde escolher, mas destacando a Quinta do Couquinho (convém ligar para sondar se pode haver visita) ou a Quinta da Terrincha (com possibilidade de pernoitar num solar oitocentista).
Nas zonas fronteiriças da concelhia guardam-se as horas para o turismo de natureza, sobretudo as que metem água ao barulho - no eixo ocidental temos o Caldeirão, um poço natural acedido por uma pequena rota pedestre mas que nem sempre tem água suficiente para banhos no pico do estio, e na confluência do Sabor com o Douro temos a Praia Fluvial da Foz do Sabor, justamente a mais concorrida da região, com uma envolvência que tão depressa não se esquece.
Já Torre de Moncorvo, a vila, vale muito a pena. Sendo verdade que do seu castelo já mal consigamos ver alguma coisa sem recorrer ao uso da imaginação apoiado em um ou outro muro fortificado recentemente requalificado, também não é mentira que os moncorvenses têm muito para contar da sua terra - sobre a judiaria e como ela foi uma espécie de quartel das comunidades judaicas transmontanas, sobre o ferro e as minas que abriram para o caçar, sobre a Basílica Menor da Senhora da Assunção e a ambição de aqui se ter uma nova diocese que dominasse todo o Nordeste. De caminho, e porque quase todo o comércio municipal se concentra na sede de concelho, aproveite-se para comprar e levar na bagagem o famoso Queijo Terrincho e a Amêndoa Coberta de Moncorvo, que por acaso nem casam mal um com o outro.
Fora da vila, há pelo menos dois exemplos de património religioso que devem ser mirados: a Capela da Senhora da Teixeira, que com boa dose de exagero à mistura é apelidada como a Capela Sistina de Trás-os-Montes; e aquela que é conhecida, entra várias designações, por Igreja das Três Marias, onde as paredes falam mais do que pensamos. E se por acaso viajarmos por estas paragens no início de Novembro, faça-se o possível para assistir ao dia de São Martinho na povoação de Maçores, uma tradição fora do comum até para quem está habituado a tradições fora do comum. Caso Novembro não seja hipótese, lembrem-se de Moncorvo no final de Fevereiro, quando as amendoeiras espetam as suas flores para fora e enchem os campos de rosa e branco - é sempre bom recordar como os maiores espectáculos que a natureza nos dá não têm preço.
Onde comer
Primeiro, uma curiosidade: se forem refrescar-se à Foz do Sabor, porque é lá que está a principal praia fluvial de Moncorvo, lembrem-se do Lameirinho, um pequeno estaminé que serve peixe de rio frito.
Fora isso, é imperativo conhecer a gastronomia transmontana pelas mãos da senhora Dina, que governa a Taberna do Carró, um aconchegante lugar onde as mesas são cobertas com padrões de piquenique, e a Posta à Mirandesa é feita no fogo. Conta também com loja anexa, com venda de produtos regionais. E ademais, temos o Lagar, restaurante que deambula pelas iguarias de Trás-os-Montes - em especial pela amêndoa de Moncorvo, sobretudo nas sobremesas. Tem cardápio rotativo, e óptimas favas guisadas.
Onde dormir
O melhor sítio para ficar em Torre de Moncorvo é a Quinta da Terrincha, num terreno vinhateiro abençoado pelo Vale da Vilariça (que, já agora, é o principal fornecedor do maravilhoso pequeno-almoço). Tem na casa principal os quartos mais luxuosos e conta com lareira, que é sempre um bombom nos meses mais frios. É, contudo, também um dos sítios mais caros do concelho, embora não excessivamente, e já sabemos que o bom custa dinheiro.
Mais modesto é o Capalonga, uma bonita casa transmontana aproveitada para Alojamento Local na aldeia de Larinho. Por dentro ainda vemos como era o típico casario do interior Norte português. Melhor para repouso, já que está longe das principais urbes.
Para conhecer mais promoções para dormidas em Torre de Moncorvo, ver em baixo.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.17421; lon=-7.05344