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Uma enorme sombra conquista Torre de Moncorvo pela manhã. A razão é sempre a mesma – a Serra do Reboredo, onde a vila moncorvense assenta a meio da encosta, tapa o sol quando este desponta.

Assim dito, parece que o monte onde Moncorvo nasceu é uma maldição. Mas não. Reboredo é a fonte de água, a fonte de caça e a fonte de lenha de um lugar que, a espaços, já tem ares da Terra Fria transmontana. Por alguma razão o povo, fugido da antiga Vila de Santa Cruz da Vilariça (a Vila Velha, como também é chamada), resolveu fixar-se aqui, mesmo sabendo que o calor solarengo só bate mais tarde.

O telescópio para Moncorvo

A Serra do Reboredo está disposta em cunha: duas serranias que convergem para um ponto em comum, correspondendo a intersecção de ambas, grosso modo, ao sítio onde a povoação de Moncorvo foi instalada, talvez por volta do século XI, mas com crescente povoamento a partir do século XIII.

O outeiro mais a norte é o que se evidencia, até por ser o que guarda a Mata Nacional do Reboredo, onde o carvalho branco toma conta do território, misturado em sobreiros, castanheiros e pinheiros. É também neste flanco se encontram as cumeadas mais altivas, uma delas, precisamente, a do Reboredo, que marca a altitude máxima de 913 metros. O cerro mais a sul, de menor envergadura mas com comprimento idêntico, serve de apoio aos povoados da Açoreira e de Maçores.

Subir à Serra do Reboredo é a melhor forma de compreendermos como é que Moncorvo foi embrulhado pela sua envolvente. Há dois miradouros prontos a ajudar. O de Santa Leocádia, sobranceiro à vila, apetrechado com ermida antes dedicada a São Bento e agora também a Santa Leocádia e à qual se dirigem devotos em Junho. E o da Fraga do Facho, lá para cima, perto do pico, onde a visão é ampla o suficiente para apanhar a sede de concelho, o rio Sabor, o Vale da Vilariça, e muito do que está para lá disso.

Pondo de parte a vista para Moncorvo, temos um terceiro miradouro, porventura o que acho de maior beleza, a que deram o nome de Fraga do Cão. A designação não precisa de explicação para quem lá chega. De facto, a primeira coisa de que damos conta é um vertical afloramento rochoso que, sem qualquer dificuldade, comparamos à figura de um cão deitado. Um caprichoso apontamento da natureza, talvez para nos fazer lembrar do animal que pastoreia, por estas paragens, as ovelhas Terrincha, a principal razão para a existência do magnífico queijo de Trás-os-Montes.

Serra do Reboredo – a montanha do ferro

Se é verdade que a Serra do Reboredo dá água potável aos moncorvenses, que fornece toneladas de madeira para aquecer os Invernos, que recebe montarias que visam corças e javalis, fica por dizer aquilo por que é mais conhecida: o ferro.

O ventre do Reboredo, mormente o do flanco a norte, e em conjunto com o Cabeço da Mua (um cerro que sobe a pique até aos 900 metros de altitude colado à ponta nordeste da serrania), enche-se de camadas e camadas de ferro, alternadas entre xisto e quartzito, perfazendo um dos maiores depósitos do minério em todo o Velho Continente.

Os romanos já sabiam disso. Viram nesta terra boa pastagem no Vale da Vilariça e bom minério nas montanhas a nascente. A história mineira do Reboredo vem daí, da colonização que marchou da península itálica. Com altos e baixos, durou até aos anos oitenta do passado século, com um pico de procura na altura da II Guerra Mundial que a tornou uma esponja de absorção da população activa. Uma parte dessa suada memória está exposta no Museu do Ferro, montado dentro de uma antiga casa solarenga; outra está a descoberto, no bairro mineiro do Carvalhal, depois praticamente abandonado aquando da suspensão das actividades; e uma última pode ser vista na silenciosa linha de caminho de ferro, antes usada para carga e descarga das extracções, e hoje parte da Ecopista do Sabor, uma boa forma de lhe pôr o pé em cima.

A ideia de se voltar a extrair ferro destas serras andou calada por um tempo. Não muito. O interesse internacional de explorar novamente as minas bateu à porta. O timing, num truque de magia do destino, revelou-se perfeito – a pandemia atirou os preços do ferro para níveis impensáveis há uma década. Para os investidores, as minas reabriram na melhor altura possível, tendo o Cabeço da Mua como ponto de partida.

A dinâmica da serra na sua relação com a vila está a agitar, mais uma vez, o quotidiano municipal. Quanta gente moncorvense não será novamente empregada nesse submundo da mineração? E quanta não virá para cá? Só o tempo dará respostas. Contudo, e sem surpresas, retornamos a uma repetida conclusão: a Serra do Reboredo continua a moldar o fado de todo o concelho de Torre de Moncorvo.

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.16841​ ; lon=-7.02324