Basílica Menor de Nossa Senhora da Assunção

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A Igreja Matriz de Torre de Moncorvo, antes também conhecida por Igreja de Nossa Senhora da Assunção, é hoje uma basílica, conforme decisão papal de Janeiro de 2022 e celebrada na vila em Julho do mesmo ano. Daí que, se quisermos ser rigorosos, a devamos tratar actualizando o seu título honorífico, isto é, como Basílica Menor de Nossa Senhora da Assunção.
A bela desproporção de Moncorvo
Ao visitar Moncorvo, mesmo que por parcos cinco minutos, sabemos ser impossível a missão de cruzar a vila sem, de caras, de lado, ou de esguelha, levarmos com a imponência da Igreja Matriz vista adentro.
Num bairro histórico bonito mas de dimensões modestas, onde o casario ascende no máximo ao terceiro piso, uma estrutura de sentido vertical governa todo o espaço urbano. Não será esta a torre que dá nome à terra – essa Torre de Moncorvo já desapareceu, e mesmo assim continua envolta em bruma lendária que ainda hoje causa polémica quanto à origem do topónimo da povoação transmontana. Não deixa de ser curioso, no entanto, que uma nova torre, esta que aqui se vê, a despontar de uma sólida igreja, torne a ser o axis mundi moncorvense.
Tudo, em Moncorvo, roda à volta da sua desproporcional basílica, como os planetas em torno do sol. É nela que está a semente e a raiz e o tronco do burgo. O resto é galho e folha e fruto, sempre dependentes da força de atracção do templo. Ir à Basílica Menor de Nossa Senhora da Assunção acaba por ser, pegando inspiração na literatura de Verne, uma Viagem ao Centro daquela Terra.
De facto, e porque as comparações dão sempre melhor ideia para quem não está presente, estamos defronte de um dos maiores monumentos religiosos de Trás-os-Montes. Muitos dizem ser o maior, embora aí, acrescento eu, há contraposição a fazer: depende de como o medimos (em altura?, em comprimento?, em volume?, em andares?, o adro conta ou fica de fora?).
Certo é que mesmo algumas capitais de distrito olham para ela e coçam-se de inveja por não terem nada assim. A torre impacta, mas não é só isso. Toda a frontaria renascentista, com a portada e as colunas helénicas, mais os contrafortes nas laterais e as gárgulas a revirarem-se nos topos, juntamente com as portas laterais, nos panos do lado sul e norte, que mesmo sendo secundárias se vêem tratadas como se por ali entrasse e saísse toda a gente. E os nichos da fachada aproveitados para recolher santos do povo, como Santa Apolónia, como Santa Bárbara, como São Pedro, como São Paulo, e tendo no meio a Senhora da Assunção, isto é, a Maria que sobe aos céus, aqui com a ajuda do degrau natural que é a Serra do Reboredo, nas traseiras. E, já agora, a curiosidade da figueirinha que nasceu na torre, junto a um dos varandins, e que persiste depois de várias tentativas de erradicação.
Perante isto, fica a dúvida: como pode uma vila como Moncorvo, com cerca de três mil residentes, e cujo concelho de qual é sede não chega aos dez mil habitantes, ter um colosso destes bem no seu âmago? Apontam-se algumas teorias como forma de responder a isto.
A razão da existência da Basílica Menor de Nossa Senhora da Assunção
Não sendo bem uma teoria mas sim um facto histórico que nos põe alguma perspectiva na coisa, é que Moncorvo teve grande importância no passado português. Pelas cartas de foral atribuídas, sim, mas bem mais do que isso. A vila foi sede de rabinato, hospedando muitos judeus foragidos da Inquisição Espanhola (que, depois, galgou fronteira e passou para o lado de cá). A vila foi, nos idos seiscentistas e setecentistas, uma das vinte e seis comarcas nacionais (em Trás-os-Montes, além de Moncorvo, apenas Bragança, Vila Real, e Miranda Douro gozaram de tal estatuto). A vila foi um dos principais polos de produção de linho de cânhamo e, posteriormente, de seda (o primeiro para a cordoaria que aparelhava os navios lusos, a segunda como matéria-prima de têxteis). Estamos, portanto, longe de uma terra anónima e insignificante onde pouco mais há que parra, amêndoa, e oliveira.
Alguns historiadores revelam, no seguimento do parágrafo supra, que por volta do século XV e XVI, sentiu-se necessidade de descentralizar a administração eclesiástica do Norte português. Todo o território nortenho, com excepção da zona do Porto, estava sob a alçada da poderosa Diocese de Braga. Os terrenos mais interiores, correspondentes hoje, sensivelmente, ao distrito de Bragança, ficavam longe do seu bispado, e a ideia de criar nova diocese nas imediações do nordeste de Portugal começou a marinar.
A primeira povoação a fazer-se ao cargo foi Freixo de Espada à Cinta, com levantamento de imponente igreja, correspondente à actual Igreja Matriz freixenista. Mas Torre de Moncorvo não se deixa ficar. Arregaça mangas e monta estaleiro para outro empreendimento, uma igreja igualmente imponente, mais ou menos no mesmo sítio que uma anterior, dedicada a Santa Maria, nuns terrenos que existiam para lá da cerca medieva. Discute-se qual o ano em que começou o novo templo moncorvense a ser erguido, mas terá sido seguramente na primeira metade do século XVI. E porém, para mal de Freixo e de Moncorvo, em 1545 o rei D. João III decide-se por Miranda do Douro como sede da nova diocese, decisão que justificou a construção da Sé mirandesa que podemos agora visitar. O golpe parece ter atingido os esforços para a conclusão da igreja moncorvense, já que a partir daqui o ritmo de trabalho abranda, e o seu término só virá a acontecer já no século XVII.
Em simultâneo, certos investigadores defendem que a igreja de Torre de Moncorvo serviria um outro fim relacionado com os judeus acolhidos em território português: o templo teria uma função de evangelização, numa altura em que a pressão em transformar a fé judaica em fé cristã era grande – como, de resto, aconteceu em vários povoados nacionais, sobretudo transmontanos e beirões, resultando daqui o chamado criptojudaísmo que Belmonte veio a celebrizar.

Colunas, abóbadas, e o barroco da capela-mor

Santa Ana, a avó de Jesus Cristo, no célebre Tríptico

Uma das gárgulas da Igreja Matriz de Moncorvo
Os tesouros do interior
Não bastando o aparato que a Basílica Menor de Nossa Senhora da Assunção tem quando empoleirada aos ombros do resto da vila, o que protege no seu interior daria para um livro.
Para começar, e porque é logo o que salta à vista: lá no fundo, a capela-mor. Talhada com os rodriguinhos próprios do Barroco, é um desvario para os sentidos. Nas paredes contíguas, duas pinturas, frente a frente, recentemente recuperadas. Uma maravilha que já valia a entrada.
No coro, que ainda vai rebuscar a estética gótica, há um órgão, também ele requalificado há pouco tempo. Só de olhar para ele, dá vontade de pedir a algum entendido que dispense dois minutos do seu tempo para lá tocar um nano fragmento de música sacra.
No tecto, as nervuras como continuação da pujança das colunas que, em parelha, organizam as naves. A imensidão que é apresentada por fora tem o seu reflexo aqui, na quantidade de espaço vazio que vai de nós até às abóbadas superiores.
Por fim, e passando por cima de muita coisa que merece ser gabada (como todos os altares das paredes laterais), vem a obra-prima. Em contraste com a imponência da basílica, o seu grande tesouro é dos objectos mais pequenos que lá figuram: um tríptico policromado dedicado a Santa Ana, avó de Jesus, talhado em madeira de carvalho. O painel central, o maior dos três, mostra a imagem de Nossa Senhora a apresentar o menino a Santa Ana. À esquerda, temos o casamento de Santa Ana com São Joaquim. E à direita, o apócrifo encontro de São Joaquim e Santa Ana na Porta Dourada, em Jerusalém, assim que a futura mãe de Maria descobre estar grávida. Um encantador desdobrável que vem da escola flamenga, mais concretamente de Antuérpia, e que ainda nos faz perguntar como veio aqui parar.
Torre de Moncorvo – o que fazer, onde comer, onde dormir
Não sendo oficialmente parte da Terra Quente transmontana - como o são Vila Flor, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, e Macedo de Cavaleiros -, Torre de Moncorvo acumula ainda muitas das suas características: um tempo quente e seco no Verão, com chuvas reservadas para os meses invernais, alternadas com raros momentos de neve. Estando num enclave entre o rio Sabor e o rio Douro, que inclui uma mancha do viçoso Vale da Vilariça a norte, podemos concluir que o concelho foi de certa forma abençoado com bons cursos fluviais e uma boa dose de calor, sorte que só é contrariada pelas frias altitudes da Serra do Reboredo, onde a sede de concelho repousa a meia encosta.
É nesta dicotomia, entre a magnitude do Reboredo que lembra a Terra Fria, e o vale onde a ribeira da Vilariça traz boa fortuna às colheitas que lembra a Terra Quente, que devemos conhecer o município. No primeiro caso, o do Reboredo, com uma viagem atribulada entre os caminhos batidos que levam a vários miradouros serranos e, já agora, à histórica aldeia de Mós, deixada para trás pelo tempo. No segundo caso, o do Vale da Vilariça - sustento da ovelha Churra da Terra Quente -, com um roteiro pelas quintas vinícolas do Douro Superior, havendo várias por onde escolher, mas destacando a Quinta do Couquinho (convém ligar para sondar se pode haver visita) ou a Quinta da Terrincha (com possibilidade de pernoitar num solar oitocentista).
Nas zonas fronteiriças da concelhia guardam-se as horas para o turismo de natureza, sobretudo as que metem água ao barulho - no eixo ocidental temos o Caldeirão, um poço natural acedido por uma pequena rota pedestre mas que nem sempre tem água suficiente para banhos no pico do estio, e na confluência do Sabor com o Douro temos a Praia Fluvial da Foz do Sabor, justamente a mais concorrida da região, com uma envolvência que tão depressa não se esquece.
Já Torre de Moncorvo, a vila, vale muito a pena. Sendo verdade que do seu castelo já mal consigamos ver alguma coisa sem recorrer ao uso da imaginação apoiado em um ou outro muro fortificado recentemente requalificado, também não é mentira que os moncorvenses têm muito para contar da sua terra - sobre a judiaria e como ela foi uma espécie de quartel das comunidades judaicas transmontanas, sobre o ferro e as minas que abriram para o caçar, sobre a Basílica Menor da Senhora da Assunção e a ambição de aqui se ter uma nova diocese que dominasse todo o Nordeste. De caminho, e porque quase todo o comércio municipal se concentra na sede de concelho, aproveite-se para comprar e levar na bagagem o famoso Queijo Terrincho e a Amêndoa Coberta de Moncorvo, que por acaso nem casam mal um com o outro.
Fora da vila, há pelo menos dois exemplos de património religioso que devem ser mirados: a Capela da Senhora da Teixeira, que com boa dose de exagero à mistura é apelidada como a Capela Sistina de Trás-os-Montes; e aquela que é conhecida, entra várias designações, por Igreja das Três Marias, onde as paredes falam mais do que pensamos. E se por acaso viajarmos por estas paragens no início de Novembro, faça-se o possível para assistir ao dia de São Martinho na povoação de Maçores, uma tradição fora do comum até para quem está habituado a tradições fora do comum. Caso Novembro não seja hipótese, lembrem-se de Moncorvo no final de Fevereiro, quando as amendoeiras espetam as suas flores para fora e enchem os campos de rosa e branco - é sempre bom recordar como os maiores espectáculos que a natureza nos dá não têm preço.
Onde comer
Primeiro, uma curiosidade: se forem refrescar-se à Foz do Sabor, porque é lá que está a principal praia fluvial de Moncorvo, lembrem-se do Lameirinho, um pequeno estaminé que serve peixe de rio frito.
Fora isso, é imperativo conhecer a gastronomia transmontana pelas mãos da senhora Dina, que governa a Taberna do Carró, um aconchegante lugar onde as mesas são cobertas com padrões de piquenique, e a Posta à Mirandesa é feita no fogo. Conta também com loja anexa, com venda de produtos regionais. E ademais, temos o Lagar, restaurante que deambula pelas iguarias de Trás-os-Montes - em especial pela amêndoa de Moncorvo, sobretudo nas sobremesas. Tem cardápio rotativo, e óptimas favas guisadas.
Onde dormir
O melhor sítio para ficar em Torre de Moncorvo é a Quinta da Terrincha, num terreno vinhateiro abençoado pelo Vale da Vilariça (que, já agora, é o principal fornecedor do maravilhoso pequeno-almoço). Tem na casa principal os quartos mais luxuosos e conta com lareira, que é sempre um bombom nos meses mais frios. É, contudo, também um dos sítios mais caros do concelho, embora não excessivamente, e já sabemos que o bom custa dinheiro.
Mais modesto é o Capalonga, uma bonita casa transmontana aproveitada para Alojamento Local na aldeia de Larinho. Por dentro ainda vemos como era o típico casario do interior Norte português. Melhor para repouso, já que está longe das principais urbes.
Para conhecer mais promoções para dormidas em Torre de Moncorvo, ver em baixo.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.17385 ; lon=-7.05297