Capela da Senhora da Teixeira

by | 16 Mai, 2023 | Lugares, Monumentos, Províncias, Religiosos, Trás-os-Montes

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Vamos começar por colocar os exageros de lado: chamam à Capela da Senhora da Teixeira a Capela Sistina do Douro Superior, o que é sentença hiperbolizada, quer em termos de dimensão, quer em termos da qualidade dos frescos, como acho que é evidente para qualquer pessoa que tenha visitado ambos os templos.

Posto isto, a referência à Capela Sistina dá-nos um ponto de referência que não é completamente absurdo. Tal como na obra de Miguel Ângelo, também a Capela da Senhora da Teixeira está coberta de pintura alusiva a vários episódios bíblicos (e não só) em praticamente toda a superfície disponível para dela se fazer tela – da capela-mor ao alpendre, passando pela nave. O que não sabemos é o que a motivou ou quem é que a fez.

A história de um ermitão

Muitos são os que apontam Jordão Espírito Santo enquanto primeiro ermitão da Capela da Senhora da Teixeira. O templo foi propriedade do concelho de Moncorvo e sabemos que uma das responsabilidades desta era nomear um ermitão que supervisionasse o bom funcionamento do espaço. Teria sido esse novo administrador da capela o tal Jordão, baseando-se os investigadores numa epígrafe que menciona IANO, ESTE HE PRIMEIRO IRMITAO – e de IANO chegamos a Jordão.

No entanto, um recente texto escrito pelo arqueólogo Ernesto Albino Vaz (cujo download pode ser aqui feito), coloca a nomeação de Jordão Espírito Santo em causa, começando desde logo por dizer que a IANO nunca poderia corresponder o nome Jordão – mais hipóteses teria de ser João, por exemplo. Mais: avança que Jordão Espírito Santo existiu, mas numa outra Teixeira que não esta – a do concelho de Baião, que de resto conta também com uma Capela de Teixeira. Terá sido a existência de um frei Jordão numa povoação chamada Teixeira que, aliada ao IANO que mencionámos, originou toda esta confusão.

O possível equívoco apontado por Ernesto Albino Vaz acabou por ser alimentado pela tradição oral, que defende que Jordão, o suposto primeiro ermitão, terá viajado sete vezes a Roma para ir buscar da Capela Sistina inspiração (algumas versões emendam o número de visitas para duas em vez de sete, conforme afirma Ilda Fernandes no seu livro sobre Torre de Moncorvo). Também aqui poderemos estar em campo lendário, sendo mais provável que quem tenha pintado os frescos na Capela da Senhora da Teixeira (e tudo indica que terá sido mais do que uma só pessoa) tenha simplesmente sido influenciado pelo que vinha de Itália, como aliás era coisa comum (em terras transmontanas, aguardamos, a este respeito, que se conclua uma Rota dos Frescos há já algum tempo anunciada).

Da mesma forma, acrescentou-se que o dito ermitão foi sepultado de joelhos, e mais tarde houve quem alterasse a posição para de pé. Ambos os fenómenos carecem de confirmação, claro, e de acordo com o arqueólogo supracitado nada disto aconteceu, até porque a sepultura que testemunhamos na capela é referente ao oitavo ermitão e não ao primeiro.

Aparte de tudo isto, convém lembrar que, apesar desta ermida que hoje vemos possa ter nascido no último quartel do século XVI, é muito provável que ela já existisse antes, não como parte do concelho de Moncorvo, mas incluída na Paróquia da extinta povoação de Saio cuja população, em escape da peste, se deslocou para estas imediações. A descontinuidade e reaproveitamento de algumas linhas da ermida, bem como algumas paredes que insinuam casario lá próximo, deixam antever essa realidade.

Os frescos

Indo ao que lhe dá fama, que são os frescos que vemos no alpendre, na nave, e por fim na capela…

O conjunto artístico oferece mais do que razões para visitarmos a Capela da Senhora da Teixeira. Os santos e os episódios bíblicos valem a pena, mas o melhor fica mesmo no princípio, na entrada do templo. Uma linha divisória separa o céu do inferno: é o Dia do Juízo Final, também ele pintado na Capela Sistina, e o elemento que mais podemos comparar nos dois templos, fazendo as óbvias reservas.

Lá dentro, onde descansa uma escultura da Senhora dos Prazeres, há outros frescos, de temáticas várias, muitas vezes desconexas. Cenas do Novo Testamento, como a curiosa imagem da Última Ceia, representações de monges e das suas Ordens, anjos a emoldurar Deus Eterno. No entanto, a mestria não parece ser a mesma que a da galilé, mormente no jogo de proporções. Não é preciso ser crítico de arte para nos apercebermos disso. A hipótese da pintura do Juízo Final ser feita por outras mãos mostra-se, assim, no mínimo, sustentável. E como tal, cai também aqui por terra a já de si questionável ida de um ermitão a Roma para de lá receber génio criativo.

A boa nova é que os frescos, todos eles, sem excepção, venham de que dedos vierem, foram agora refrescados. Estão bonitos de se ver. Se calhar mais bonitos do que alguma vez estiveram.

Alpendre de entrada na Ermida da Senhora da Teixeira, Moncorvo

Exterior da Capela da Senhora da Teixeira

A fronteira entre o céu e o inferno

O Dia do Juízo Final

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.14949 ; lon=-7.06835