Amêndoa Coberta de Moncorvo

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Numa terra de amendoais vastos, aproveitadores das encostas que transitam a Terra Quente para a Terra Fria transmontana, ermos onde só a vinha pode ser trabalhada, surgiu uma forma artesanal de trabalhar a amêndoa e o açúcar. O resultado é este, a Amêndoa Coberta de Moncorvo, um doce que parece fragmento de um recife de coral, de curto e alvo tentáculo, que em casamentos, romarias, festas estivais, e claro, na Páscoa, delicia os fãs da sacarose.
A amêndoa como a semente de tudo
Torre de Moncorvo é um dos principais concelhos portugueses no que toca à cultura da amendoeira – a de flor branca e a de flor rosa. Está lá na frente, na pole position. As amendoeiras floram ainda no Inverno, ao contrário da maioria do arvoredo nacional, que se guarda para a chegada da Primavera. Em Fevereiro e Março, não há como evitar vê-las, todas pomposas, a picotar as serras.
É paisagem comum neste canto de Trás-os-Montes mais seco, como se pode atestar ao passear por Moncorvo ou por municípios vizinhos, como Freixo de Espada à Cinta, Alfândega da Fé, Mogadouro, Carrazeda, Macedo de Cavaleiros, Valpaços, Vila Flor, Mirandela…
Assim, com tanta amendoeira disponível, inventaram finais felizes para o que de lá sai, e o que de melhor lá sai não é exactamente o fruto – o que importa é o que está dentro dele, a semente que se abriga numa carapaça (carapaça essa que, quebrada, ia antes com a lenha para a lareira).
Boa parte deste miolo do caroço a que vulgarmente chamamos de amêndoa vai direitinha para a produção de bolos, no caso moncorvense para as cavacas, as súplicas, as estrelinhas, o pão-de-ló, entre outros. Quase nenhuma é usada para consumo directo pois essa é quase certo que tem origem americana. E sobram outras que, por sorte, depois de fervidas e depiladas, têm como destino um banho açucarado, num processo moroso, levado a cabo por mulheres com dedos treinados para o efeito – as cobrideiras.
Assim tem sido desde há pelo menos um século, ao longo das terras do Douro Superior. Mas de todas, destacou-se a de Torre de Moncorvo em particular.
Paris e Filadélfia, em exposições internacionais do século XIX, gabaram-lhe o sabor. Durante o século XX, o fabrico continuou, muito graças às cobrideiras que não arredaram pé dali. Mas a velhice e a emigração puseram tudo em cheque. Esteve em vias de extinção. Valha-nos Deus que, na viragem de milénio, a antiga pastelaria Flor-Amêndoa resolveu pegar num costume quase defunto e trouxe-o de novo para o mercado. Recentemente, o mesmo é feito pela Arte Sabor e Douro e pela Quinta da Patela. Seguiu-se o reconhecimento de dentro e de fora: em 2018, a Amêndoa Coberta de Moncorvo viu-se certificada a nível europeu, tendo agora um caderno de encargos a cumprir – e que muitos, porém, não cumprem; e em 2019 foi considerada uma das Sete Maravilhas da doçaria portuguesa.
O trabalho das cobrideiras
Se descrevermos, ponto a ponto, a receita da Amêndoa Coberta de Moncorvo, ficamos com a ideia de poder fazer isto em casa. Há as amêndoas doces que têm de ser peladas, mas na verdade podemos comprá-las já assim. Depois temos o processo da tostagem, que não é propriamente difícil, bastando para isso um forno. E por fim, temos a rega com um caldo de açúcar, normalmente sintonizado em ponto de pérola. Juntando tudo, voilá.
Curto e grosso, não é muito mais do que isto. E todavia é muito mais do que isto.
Tendo as amêndoas tostadas e a calda de açúcar por perto, desenvolve-se um processo que dura cerca de uma semana, ou até mais do que isso. É preciso, primeiro, uma braseira e uma base que lhe dê protecção, quase sempre de barro. É preciso uma almofia de cobre onde o açúcar e a semente vão à mistura. E é preciso mão traquejada, a dar motor ao composto. Qualquer uma destas fases é responsabilidade da cobrideira. É ela que, a olho e a toque, remexendo nas amêndoas, vai percebendo se é necessário pôr mais calda porque a que foi colocada antes já secou, ou se é preciso dar mais calor à bacia para o açúcar não solidificar antes de tempo. De dedos protegidos da queima, isto é, munida de dedais, lá vai moendo a coisa. São os dedais que fazem com que o açúcar cristalize naqueles biquinhos característicos, que a aproximam do dorso de um ouriço.
E estamos um dia inteiro nisto. E depois outro. E depois outro. Só ao fim de oito, em princípio, se pode começar a retirar amêndoas prontas a consumo.
Há, note-se, duas variantes à receita original, devidamente certificadas na Indicação Geográfica Protegida: a Amêndoa Coberta de Moncorvo Morena, e a Amêndoa Coberta de Moncorvo Peladinha. A primeira, conforme sugere o nome, é mais escura – na calda de açúcar leva com um pouco de cacau em pó e, eventualmente, canela. A segunda é uma espécie de versão light da receita original: leva muito menos sacarose, e como tal, não forma aquelas hastes alvacentas.
Torre de Moncorvo – o que fazer, onde comer, onde dormir
Não sendo oficialmente parte da Terra Quente transmontana - como o são Vila Flor, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, e Macedo de Cavaleiros -, Torre de Moncorvo acumula ainda muitas das suas características: um tempo quente e seco no Verão, com chuvas reservadas para os meses invernais, alternadas com raros momentos de neve. Estando num enclave entre o rio Sabor e o rio Douro, que inclui uma mancha do viçoso Vale da Vilariça a norte, podemos concluir que o concelho foi de certa forma abençoado com bons cursos fluviais e uma boa dose de calor, sorte que só é contrariada pelas frias altitudes da Serra do Reboredo, onde a sede de concelho repousa a meia encosta.
É nesta dicotomia, entre a magnitude do Reboredo que lembra a Terra Fria, e o vale onde a ribeira da Vilariça traz boa fortuna às colheitas que lembra a Terra Quente, que devemos conhecer o município. No primeiro caso, o do Reboredo, com uma viagem atribulada entre os caminhos batidos que levam a vários miradouros serranos e, já agora, à histórica aldeia de Mós, deixada para trás pelo tempo. No segundo caso, o do Vale da Vilariça - sustento da ovelha Churra da Terra Quente -, com um roteiro pelas quintas vinícolas do Douro Superior, havendo várias por onde escolher, mas destacando a Quinta do Couquinho (convém ligar para sondar se pode haver visita) ou a Quinta da Terrincha (com possibilidade de pernoitar num solar oitocentista).
Nas zonas fronteiriças da concelhia guardam-se as horas para o turismo de natureza, sobretudo as que metem água ao barulho - no eixo ocidental temos o Caldeirão, um poço natural acedido por uma pequena rota pedestre mas que nem sempre tem água suficiente para banhos no pico do estio, e na confluência do Sabor com o Douro temos a Praia Fluvial da Foz do Sabor, justamente a mais concorrida da região, com uma envolvência que tão depressa não se esquece.
Já Torre de Moncorvo, a vila, vale muito a pena. Sendo verdade que do seu castelo já mal consigamos ver alguma coisa sem recorrer ao uso da imaginação apoiado em um ou outro muro fortificado recentemente requalificado, também não é mentira que os moncorvenses têm muito para contar da sua terra - sobre a judiaria e como ela foi uma espécie de quartel das comunidades judaicas transmontanas, sobre o ferro e as minas que abriram para o caçar, sobre a Basílica Menor da Senhora da Assunção e a ambição de aqui se ter uma nova diocese que dominasse todo o Nordeste. De caminho, e porque quase todo o comércio municipal se concentra na sede de concelho, aproveite-se para comprar e levar na bagagem o famoso Queijo Terrincho e a Amêndoa Coberta de Moncorvo, que por acaso nem casam mal um com o outro.
Fora da vila, há pelo menos dois exemplos de património religioso que devem ser mirados: a Capela da Senhora da Teixeira, que com boa dose de exagero à mistura é apelidada como a Capela Sistina de Trás-os-Montes; e aquela que é conhecida, entra várias designações, por Igreja das Três Marias, onde as paredes falam mais do que pensamos. E se por acaso viajarmos por estas paragens no início de Novembro, faça-se o possível para assistir ao dia de São Martinho na povoação de Maçores, uma tradição fora do comum até para quem está habituado a tradições fora do comum. Caso Novembro não seja hipótese, lembrem-se de Moncorvo no final de Fevereiro, quando as amendoeiras espetam as suas flores para fora e enchem os campos de rosa e branco - é sempre bom recordar como os maiores espectáculos que a natureza nos dá não têm preço.
Onde comer
Primeiro, uma curiosidade: se forem refrescar-se à Foz do Sabor, porque é lá que está a principal praia fluvial de Moncorvo, lembrem-se do Lameirinho, um pequeno estaminé que serve peixe de rio frito.
Fora isso, é imperativo conhecer a gastronomia transmontana pelas mãos da senhora Dina, que governa a Taberna do Carró, um aconchegante lugar onde as mesas são cobertas com padrões de piquenique, e a Posta à Mirandesa é feita no fogo. Conta também com loja anexa, com venda de produtos regionais. E ademais, temos o Lagar, restaurante que deambula pelas iguarias de Trás-os-Montes - em especial pela amêndoa de Moncorvo, sobretudo nas sobremesas. Tem cardápio rotativo, e óptimas favas guisadas.
Onde dormir
O melhor sítio para ficar em Torre de Moncorvo é a Quinta da Terrincha, num terreno vinhateiro abençoado pelo Vale da Vilariça (que, já agora, é o principal fornecedor do maravilhoso pequeno-almoço). Tem na casa principal os quartos mais luxuosos e conta com lareira, que é sempre um bombom nos meses mais frios. É, contudo, também um dos sítios mais caros do concelho, embora não excessivamente, e já sabemos que o bom custa dinheiro.
Mais modesto é o Capalonga, uma bonita casa transmontana aproveitada para Alojamento Local na aldeia de Larinho. Por dentro ainda vemos como era o típico casario do interior Norte português. Melhor para repouso, já que está longe das principais urbes.
Para conhecer mais promoções para dormidas em Torre de Moncorvo, ver em baixo.