Convento de Cristo
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Das três áreas principais que envolvem o núcleo UNESCO de Tomar, o Convento de Cristo é, de longe, a mais conhecida – suplanta até a do castelo, que tem origem anterior.
Continua, até hoje, difícil de categorizar. Não se trata de uma obra mas de várias, algumas incompletas, outras reformadas, outras substituídas ou mesmo destruídas. Sobrou um monumento seminal, inspirado em muitos e inspirador de mais ainda.
A conhecer, com muito vagar.
Tudo começou num castelo
O Convento de Cristo começou por ser uma ampliação do castelo que Gualdim Pais construiu para defesa da linha do Tejo, no contexto da guerra cristã contra o islão peninsular. Essa fortaleza foi implantada no topo de um cerro, na margem direita do rio Nabão, e chegou a ser fundamental na contenção de uma investida moura para norte.
Tendo a tomada dos territórios do Algarve fixado de forma praticamente definitiva as fronteiras de Portugal continental, e estando o Castelo de Tomar ainda longe da ameaça Castelhana vinda de leste, a função militar de tal dispositivo foi-se perdendo. Os Templários, entretanto, tinham sofrido uma espécie de rebranding para conseguirem escapar às garras do poder papal – passou então a ter a designação comum de Ordem de Cristo, e foi o motor da expansão e transformação do castelo para algo maior.
A Ordem de Cristo
Compreender a Ordem de Cristo obriga, naturalmente, a entendermos a sua antecessora. Em Portugal, a Ordem de Cristo surgiu como continuação não oficial da Ordem Templária que, como se sabe, acabou perseguida por ordem papal, estando o Papa Clemente V submetido, na altura, a Filipe IV, o Belo, rei de França.
Na verdade, a Ordem do Templo era já invejada há décadas, sobretudo pela riqueza que foi ganhando nas Cruzadas e que lhes dava uma posição suprema, por vezes acima do próprio monarca. Foi isso que aconteceu em França: Filipe, o rei, recorria a empréstimos templários para financiar as suas quezílias belicistas. A situação humilhante em que a Casa Real francesa se encontrava obrigou Filipe a pressionar um Papa que era, contas feitas, um subordinado seu.
O Papa, além de submisso a França, tinha do seu lado outro factor: as Cruzadas na Terra-Santa tinham terminado, com vitória dos muçulmanos. A Ordem Templária, que originalmente serviu para proteger os cristãos em peregrinação a Jerusalém, perdeu boa parte do seu propósito.
Uma campanha de diabolização, perseguição, tortura e assassinato dos Cavaleiros da Ordem do Templo ocorreu um pouco por toda a Europa. Surgiram boatos entre o credível (que a Ordem praticava a adoração de ídolos) e o grotesco (que os Cavaleiros eram obrigados a dar um beijo da vergonha, no caso ao Mestre da Ordem, na boca e no pénis e nas nádegas). Foram expostos casos de membros que renunciaram ao seu voto de castidade e de pobreza. Depois da caça às bruxas, a Ordem do Templo acabou mesmo extinta, em 1312.
Em Portugal, contudo, a relação quase umbilical entre os Templários e a primeira dinastia portuguesa não podia ser desfeita. A existência do país devia-se, em grande parte, à ajuda que os monges-cavaleiros deram na Reconquista, em particular em acções ofensivas como a tomada de Santarém ou de Lisboa, ou defensivas como a do Cerco de Tomar. Além disso, o Papa pretendia que, extinta a Ordem Templária em Portugal, os seus bens passassem para o papado ou, em alternativa, para a Ordem do Hospital – tendo esta o seu grão-comendador na vizinha e possível inimiga Castela -, algo que, para D. Dinis, rei português a governar nesse período, implicaria a saída de dinheiro do país ou mesmo o comprometimento do reino enquanto nação independente.
D. Dinis sugeriu então uma alternativa ao Papa: a criação de uma outra ordem, distinta da Ordem do Templo, seguidora da regra de Calatrava, que passaria a chamar-se de Ordem de Cristo. E ficou igualmente decidido que qualquer antigo templário podia, se assim o entendesse, integrá-la, como veio a acontecer – afinal, este seria o melhor escape à perseguição a que estavam sujeitos. A sua sede, depois de uma breve passagem por Castro Marim, fixou-se em Tomar, a cidade Templária por excelência.
Duzentos anos depois de ser fundada, a Ordem de Cristo viria, pelo seu oitavo Mestre, o Infante D. Henrique, a ser reformada, tornando-se crucial na expansão do Portugal imperial. De cavaleiros da Reconquista, fizeram-se navegadores da Descoberta.
Em Tomar, o Infante estabeleceu as linhas mestras da cidade e iniciou obras para um convento que viria a ser referência mundial.
História de um convento
O Infante D. Henrique, filho número cinco de D. João I, torna-se Mestre da Ordem de Cristo em 1420 – a partir dele, todos os Mestres estarão de alguma forma ligados à família real, e de 1495 para a frente o cargo passará a ser sempre do rei em governação (a herança manteve-se, e hoje a ordem é presidida pelo Presidente da República).
Há uma maior abertura da Ordem ao exterior. Esta funde-se com a vida civil, passando do convento para a civita.
No Castelo de Tomar, o Infante decide fazer da antiga casa templária o seu Paço. A nordeste da Rotunda, constrói dois claustros de raiz – o do Cemitério e o das Lavagens. A área atribuída ao castelo minguava. Da fortaleza começava a desabrochar um novo monumento que, por enquanto, ainda se dissolvia nas imponentes muralhas castelãs.
Mas estava dado o mote.
Cinco Mestres seguiram-se a D. Henrique. O convento não teve nenhuma construção de fundo. Porém, em 1484, D. Manuel, o Venturoso, toma controlo da Ordem. D. Manuel define uma nova filosofia portuguesa, sempre de mão dada com o mar e o novo império, que terá reflexos na arte, na arquitectura, na religião. Tomar não seria esquecido. Seria, aliás, uma das cidades a que o monarca daria maior importância no seu reinado.
A célebre Rotunda templária passa a ser acompanhada de uma igreja de planta longitudinal, bem ao gosto manuelino, onde sobressai a fachada virada para oeste, com uma janela hiper-ornamentada com motivos alusivos ao Novo Mundo. O mosteiro extrapola definitivamente os muros do castelo.
Em 1521, D. Manuel I morre. O seu filho D. João III sobe ao trono e tem uma ideia bem diferente daquilo que quer para a Ordem de Cristo que agora administra. Pretende fechá-la – menos ideais de cavalaria, mais ideais monásticos. A tradição templária é apagada e substituída por uma filiação religiosa rígida e severa. Com a ajuda de Frei António de Lisboa, seu confessor, incute-lhe regras ortodoxas, de inspiração beneditina, onde o isolamento e a oração passam para primeiro plano.
A reforma terá efeitos bem visíveis no núcleo histórico nabantino. O espaço verde a sul, conhecido agora por Mata dos Sete Montes, é comprado e anexado ao convento. No espaço reservado ao templo, a poente da igreja manuelina, uma planta de quatro claustros é desenhada, em quadrado, expandindo o convento para dimensões absurdas. A arte simbólica de D. Manuel, que não era de todo apreciada pela visão pragmática e de clausura de D. João III, é escondida ou, por vezes, destruída, como aconteceu com parte do Coro Manuelino. Um desses novos claustros, o que ganhou o nome do rei, torna-se, não obstante, uma obra-prima, embora apenas tenha sido finalizado na dinastia Filipina, quando Portugal foi integrado no reino de Espanha.
Novos tempos
Depois do Claustro D. João III, iniciado ainda por reis portugueses e terminado por reis espanhóis, o Convento de Cristo não sofre mais nenhum acrescento relevante. Nas guerras da Restauração vê parte dos seus monges a serem empurrados novamente para actividades militares, num regresso às origens inesperado.
Mais tarde, chega a ser delapidado por tropas francesas no período das Invasões Napoleónicas. É novamente pilhado aquando da extinção das ordens religiosas, que deixam todo o templo ao abandono durante anos.
Salva-se, ainda assim, o período em que esteve, parcialmente, sob a mão de Costa Cabral, no século XIX, que requalificou algumas ruínas e adaptou um dos seus claustros, o dos Corvos, a casa solarenga. Terá sido também por aqui, sensivelmente a meio do século XIX, que D. Maria II decide morar no convento, tendo o seu marido, D. Fernando, decidido limpar os pisos superiores do Claustro da Hospedaria e do Claustro de Santa Bárbara para que a igreja manuelina ficasse visível de fora.
Em 1939, todo o conjunto histórico, com Mata dos Sete Montes e Castelo de Tomar incluídos, passa para as mãos do Estado.
O Convento
Não conseguimos falar do conjunto do Contento de Cristo sem pegar, individualmente, em cada uma das suas partes. O mosteiro, onde chegaram a residir trezentos freires, não foi pensado como uma obra singular, com princípio, meio e fim. Ou se foi, acabou por ter muitos princípios, muitos meios, e muitos fins.
Trata-se, afinal, de um conjunto de peças, de origens e estilos bem distintos, que foram montadas, desmontadas e alteradas entre o século XII e o século XIX.
Como tal, seguirei uma descrição cronológica de vários pontos de interesse que lá podemos encontrar, sabendo desde já que, em relação ao castelo e à mata, esses textos podem ser lidos, respectivamente, aqui e aqui.
Os claustros da Lavagem e do Cemitério
Como já foi dito, sublinhando a sobreposição da função religiosa daquele espaço, em detrimento da função militar, o Infante D. Henrique constrói dois claustros que ocupam o canto noroeste do castelo.
Foram levantados segundo a matriz gótica que grassava na Europa – num, o mais antigo, chamado Claustro do Cemitério, foram enterrados vários freires e cavaleiros que residiam no convento (D. Diogo Gama, irmão de Vasco da Gama, aqui repousa), sendo posteriormente reformulado por D. Manuel I com a colocação de azulejaria; noutro, o da Lavagem, para lá de cumprir a tarefa que lhe está no nome, além de outras actividades quotidianas, agilizava a ligação entre a casa solarenga do Infante, a nascente, e o Claustro do Cemitério, a poente – e foi, também ele, modernizado com azulejos no período manuelino.
A Charola
Antes conhecida muito simplesmente por Rotunda, começou por ser um templo românico dos Cavaleiros Templários inspirado na arquitectura sagrada bizantina, em particular no Templo da Rocha de Jerusalém (ou Mesquita de Omar), e não no Santo Sepulcro como tantas vezes se lê. Tratava-se de um santuário que emergia de um tambor central de planta octogonal.
Diz Paulo Alexandre Loução no livro “Os Templários na formação de Portugal” que a Rotunda foi o “centro dos templários portugueses” e que o número oito (do octógono que a forma) foi desde sempre adoptado como mágico pelos cavaleiros-monges já que um octógono resulta do cruzamento de dois quadrados, “o quadrado da terra e o quadrado do céu, simbolizando a comunicação entre ambos”. Tendo em conta que também se atribuía à Rotunda uma função tumbal, é possível que o número oito que retiramos do octógono ganhe um outro significado – o da vida eterna, ou da regeneração (ainda hoje utilizamos o número oito deitado como símbolo do infinito). Destaca ainda Loução, recorrendo ao radiestesista José Alexandra Cotta, que no subterrâneo da Charola passam dois cursos de água, “um na direcção Oriente-Ocidente e o outro na perpendicular Norte-Sul – que se cruzam precisamente no centro deste templo circular”.
Há ainda quem defenda que seria no seu silêncio sepulcral interior que se abençoavam cavaleiros antes de eles partirem para a batalha, o que, conhecendo os ritos de cavalaria da Ordem do Templo, me parece perfeitamente plausível.
D. Manuel I, quando pretendeu expandir o espaço religioso, viu a Charola como o seu ponto de partida. Com efeito, com a abertura de parte do seu tramo poente para integração na Igreja Manuelina, a Charola foi adaptada a capela-mor da nova igreja. O espaço da antiga Rotunda foi engrandecido por um projecto que visava fazer do seu interior uma magnífica exposição de arte sacra a tempo inteiro.
Recentemente foram descobertas pinturas do período manuelino que estão agora expostas no interior do templo e a enriquecem mais ainda. Há as pinturas nas faces da parede como ilustrações do Antigo e do Novo Testamento, o detalhe das esculturas, em especial a emocionante Senhora da Piedade, a profusão de cores e os arabescos, o pau-santo… percorrer todo aquele vórtice por dentro, através do deambulatório, é uma experiência metafísica que segue connosco por muitos dias.
Interior da Charola (ou Rotunda), inspirada na Mesquita de Omar
A Igreja Manuelina
Igualmente conhecida por Igreja Quinhentista, foi o nome que se deu ao prolongamento do espaço sagrado para ocidente, prolongando o círculo da Charola com uma nova planta rectangular.
Incluía coro e uma particular sacristia afundada no primeiro, ainda hoje visíveis. Iniciada por Diogo de Arruda mas erigida, praticamente na totalidade, por João de Castilho, é, com o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, ou o Palácio Nacional de Sintra, um dos grandes exemplares de arquitectura manuelina em Portugal.
No seu interior destaca-se o arco triunfal, quebrado, que faz a passagem da igreja para a Charola, num aproveitamento espacial de grande técnica e aparato, vindo da mão de João de Castilho. Consegue a proeza de harmonizar os espaços de origem medieval da Rotunda com as do tardo-gótico que, em Portugal, se confunde com o estilo manuelino.
No lado exterior tem doisoutros pontos de visita obrigatória: a majestosa fachada virada a oeste; e o portal recortado na fachada sul, que dá acesso à igreja (e que lembra o portal dos Jerónimos, orientado também a sul), acompanhado de uma janela meio escondida pelo Claustro D. João III.
Este portal virado a sul faz-nos recordar o porquê de termos uma palavra – o Manuelino – para a propaganda estética levada a cabo pelo rei D. Manuel I. É um trabalho meticuloso, protegido por um dossel, que exibe várias figuras bíblicas como Santo Agostinho e Santo Ambrósio, marcado ainda com motivos vegetalistas, e centrado na Senhora. A janela que o acompanha prossegue a linguagem usada no portal, emoldurada por alcachofras nas laterais.
Voltando à fachada virada a oeste, estamos perante um quadro críptico que nos esgota o olhar. É nela que se encontra a célebre Janela do Capítulo a que iremos de seguida.
A Janela do Capítulo
Primeiro que tudo, é necessário enquadrar a janela na sua envolvente, isto é, em toda a fachada poente da Igreja Manuelina (ver foto em baixo).
Paulo Pereira, em “Renascimento – Decifrar a arte em Portugal“, resume de forma esquemática a simbologia que nos ataca subitamente.
Temos, desta forma, no botaréu à esquerda, o mundo celeste, e no botaréu à direita o mundo terreno. Assim se explica o confronto dos anjos, do lado esquerdo, com os homens, do lado direito; tal como, mais abaixo, dos elos, à esquerda, com o cinto, à direita; e ainda das raízes que num primeiro olhar parecem semelhantes em ambos os lados mas que uma visão atenta reconhece que, à esquerda, se encontram cortadas (ou seja, desligadas da terra, ainda no mundo dos céus), e à direita não.
É interessante notar como o contraforte à esquerda está a norte (o dos céus) e o contraforte oposto está a sul (o da terra), o que sublinha um maneirismo simbólico próprio do estilo Manuelino, que associa ao ponto cardeal norte o arquétipo, isto é, a ideia, e ao ponto cardeal sul a realização, isto é, à materialização da ideia.
Estes opostos estão também presentes na simbologia do octógono da Charola que, como já vimos, representa a intersecção de dois quadrados, o quadrado da terra com o quadrado do céu.
No topo da fachada encontramos a típica heráldica manuelina: Cruz de Cristo ao centro, símbolo da Ordem, e Esferas Armilares alinhadas. O mesmo se repete no topo da Janela do Capítulo – Cruz de Cristo centrada, com Esferas Armilares nas laterais.
Ainda na parte superior da fachada, um óculo que sugere um movimento rotativo traz-nos o sol e os seus raios à cabeça, embora haja quem reconheça ali o vento que empurrou as caravelas para o Novo Mundo.
Em baixo, uma janela suportada por um enigmático rosto que se sobrepõe a um nó e a um tronco de carvalho (ou de um sobreiro, que é um tipo de carvalho). O carvalho, segundo Pereira, é uma alusão ao Papa Júlio II, cujo nome de nascença era Giuliano della Rovere (sendo Rovere o mesmo que Roble, isto é, Carvalho). Diz ainda Pereira que o barbudo que vemos é Jessé do Antigo Testamento, pai do rei David, o que significaria que estamos presente a Árvore de Jessé, de onde, segundo a tradição cristã, brotará mais tarde Jesus Cristo, incluindo o Messias, portanto, na genealogia real de Israel.
Podemos ainda interpretar o carvalho como a árvore da vida que, simbolicamente, liga o céu e a terra, o que solidifica a narrativa destes dois mundos estarem representados nos dois contrafortes descritos acima, sendo a janela o intermediário entre ambos. Entenda-se que esta tese não tem de ser contrária à avançada por Paulo Pereira.
Paulo Alexandre Loução oferece ainda uma outra hipótese para a personagem representada no busto que parece carregar toda a janela. Diz ele que ali “está um cavaleiro-navegador iniciado”, e que “até há pouco tempo podia observar-se perfeitamente que tinha um olho fechado e outro aberto, isto é, que via nos dois mundos”. Mais uma vez, deciframos a oposição do lado norte para o lado sul da fachada. Contudo, o autor defende ainda uma divisão da fachada de baixo para cima, tal e qual como alguns investigadores fazem na Torre de Belém, conforme os quatro elementos: um primeiro piso que contém toda a parte de baixo até à verga da janela, e que representa a terra; um segundo, imaginal, associado à água, limitado em baixo pela verga da janela e em cima pela aresta pétrea que antece o óculo; um terceiro que contém toda a fachada superior e que associamos ao ar, sendo o vento descortinado no óculo espiralado uma das suas pistas; e acima disso, num espaço invisível, ao qual só chega quem o consegue ver, estaria o fogo primordial.
Aparte a complexidade de que goza, a fachada poente mostra uma multiplicação ornamental com as habituais referências ao Portugal expansionista e marítimo, nas correntes, na madeira, nos corais, nas bóias, nas cordas, nas argolas. Traduz a empresa dos Descobrimentos, no fundo o projecto que D. Manuel I tinha para o reino. A exuberância da sua janela ganhou rasgados elogios nacionais e não só: o crítico de arte José-Augusto França diz que ela é “emblema […] de Portugal inteiro” e o arquitecto Karl Albrecht Haupt vai mais longe, referindo-se a ela como “a mais estupenda criação da arquitectura de todas as épocas”.
Conta-se que os ornamentados tabuleiros exibidos na festa homónima são inspirados nos botaréus que aqui miramos.
Fachada ocidental da Igreja Manuelina, com Janela do Capítulo ao centro
A ordem clássica do Claustro D. João III, ou Claustro Filipino
Claustro D. João III
Do Claustro D. João III, também conhecido por Claustro Grande ou Claustro Filipino (foi aqui coroado Filipe II de Espanha, I de Portugal), já se falou muito. Não só muito, como bem.
Marca, todavia, uma abrupta mudança face à linguagem da Igreja Manuelina, e é a melhor forma de percebermos, através da matéria, como D. João III tinha uma mundivisão radicalmente diferente da do pai, D. Manuel I.
Se nos colocarmos na ponta sudoeste, conseguimos apanhar os coruchéus manuelinos da Igreja Quinhentista ao fundo, tendo na parte de baixo as arcadas dispostas de forma matemática (ver foto em baixo). Estamos na posição óptima para compreender a cabeça de D. Manuel, um rei que não subiu ao trono por linhagem directa, e que, talvez por isso, quis vincar a sua soberania através de um estilo ostensivo, que não oferecesse dúvidas quanto à sua legitimidade. E estamos também na posição óptima para compreender a cabeça do filho D. João III, um monarca rígido e grave, que levou avante a prática da Inquisição em Portugal, promotor de estruturas onde o utilitarismo e a proporção fossem privilegiadas.
Foi iniciado, tal como os restantes claustros do Convento Novo, por João de Castilho, o mesmo homem responsável pela Igreja Manuelina. O desenho renascentista não lhe estava no sangue, mas acabou por aceder ao pedido de D. João III. Contudo, depois da morte de Castilho, o claustro é profundamente reformulado por Diogo de Torralva. É ele que imprime neste quadrado um enganador jogo de espelhos, num contraste entre luz e sombra sem precedentes no país. Atente-se também no contorcionismo das escadas que comunicam com o Terraço da Cerca, no primeiro piso. No meio, uma fonte antes servida pelo aqueduto, cujo tanque replica a forma da Cruz de Cristo, centraliza o espaço.
Claustro dos Corvos, Claustro de Santa Bárbara, Claustro da Micha e Claustro da Hospedaria
Os restantes Claustros renascentistas que fariam parte do novo mosteiro construído a ocidente (ou do Convento Novo, como se começou a designar) não têm o impacto de que goza o Claustro D. João III.
São, todos eles, construídos por João de Castilho e a mando de D. João III. Estão divididos por dois compridos corredores, em cruz, onde se encontram as divisões domésticas do convento – os dormitórios, que ocupam boa parte deles, o refeitório na ponta sul, e a cozinha.
No caso do Claustro de Santa Bárbara, estamos perante uma antecâmara da igreja manuelina e serve-lhe de introdução. Foi o primeiro a ser erigido neste quadrilátero que se instalou no lado oriente e é, pela sua reduzida dimensão, e pela curiosa posição, o mais singular – excepção feita ao Claustro de D. João III acima descrito – até pelo oposição estilística que apresenta face ao estilo manuelino da igreja adjacente.
O Claustro da Hospedaria, imediatamente a norte do de Santa Bárbara, era, como o nome indica, uma albergaria. Ali dormiam peregrinos, padres, frades, cavaleiros da Ordem de Cristo e outros visitantes que não tinham residência permanente no convento. Tem uma aparência que associamos aos solares de famílias aristocratas. No século XX, foram adaptados a esquadra da Guarda Nacional Republicana.
Quer o Claustro de Santa Bárbara, quer o Claustro da Hospedaria descritos em cima, acabariam por ver parte dos seus pisos cimeiros destruídos por D. Fernando, marido de D. Maria II, para que dos horizontes exteriores ao convento se pudesse ter vista para o ex-líbris do todo: a Charola e a Igreja Manuelina.
Em relação ao Claustro da Micha, a execução é comparativamente simples. Pertencia a uma área de serviço e o seu nome é um francesismo – micha virá de miche, ou seja, de um tipo de pão, porque aqui vinham pedintes pedir pão para a boca. Guarda no seu primeiro piso, contudo, uma bela sala, a do Noviciado, que se tornou paradigma do Renascimento em Portugal. Tal como aconteceu com o Claustro da Hospedaria, esteve em posse da Guarda Nacional Republicana durante parte do século XX.
Sobre o Claustro dos Corvos, é aparentemente o que menos tem para dizer em termos estéticos. A parte mais bonita encontra-se do lado de fora, quando a sua parede exterior incorpora o aqueduto que vem de ocidente e os seus pilares formam inesperados contrafortes. Salvaguarda-se a escolha do nome para este espaço: Claustro dos Corvos, sendo o corvo um animal que representa, em muitos casos, a sabedoria. Não deve vir do acaso, já que é na sua faixa sul que achamos a biblioteca. Note-se, ainda, que o Claustro dos Corvos foi vítima de intervenção por parte de Costa Cabral quando este adquiriu parte do Convento Novo.
Existe ainda um outro claustro, na ponta ocidental, intitulado Bloco das Necessidades ou Claustro das Necessárias, que parece já desencaixado do perímetro convencional do mosteiro, mas que cumpria a função de latrina e saneamento.
Ermida de Nossa Senhora da Conceição
É a única carta fora do baralho. De facto, a Ermida da Senhora da Conceição está fora dos muros do Convento de Cristo, a cerca de cinco minutos a pé da entrada deste, em direcção a nordeste. E ainda assim é tomada como parte integrante do conjunto.
Historiadores apontam como objectivo da sua empreitada a intenção pronunciada por D. João III de nela querer ser enterrado. Não conseguimos ter a certeza se tal vontade existiu. Certeza temos que isso acabou por não acontecer – D. João III está sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
Identificamos o interior como uma versão em menor escala da Sala do Noviciado, a tal no primeiro piso do Claustro da Micha. Do lado de fora, parece singela, escondendo o interessante salão que se revela lá dentro.
Aqueduto dos Pegões e Portaria Filipina
A limitar o espaço do convento a sul e a norte encontram-se, respectivamente, o Aqueduto dos Pegões e a Portaria Nova.
O primeiro surgiu como resposta à escassez de água para alimentar o convento e a mata envolvente. Pensado já na dinastia Filipina e executado por um outro Filipe, no caso Filipe Terzi, encarregava-se de carregar água até ao mosteiro, bem como fornecer a mesma à Mata dos Sete Montes, garantindo alguma produção agrícola própria, e, por isso, reduzindo a vida monástica àquele perímetro da Cerca Conventual, como era ideia de D. João III. A obra englobava um total de seis quilómetros de comprimento.
A Portaria Nova, também chamada Portaria Filipina, foi erigida na austeridade própria do estilo-chão, uma espécie de pequena variante lusa da arquitectura renascentista. A sua simplicidade, o seu despir de adereço, acaba por contrastar com os faustosos jeitos manuelinos da igreja e da Charola.
Tomar – o que fazer, onde comer, onde dormir
Em Tomar, nada do que parece, é. Produto da simbologia Templária, da imaginação do Infante D. Henrique, e da religiosidade da Ordem de Cristo, a cidade tornou-se palco de investigação dos mais diversos académicos - nacionais e internacionais. Não raras vezes, cada monumento conta com mais de três ou quatro interpretações diferentes. É, portanto, justo que algumas visitas se façam acompanhar de alguém que conheça bem as sinuosidades do monumentos visitados, como é o caso da santíssima trindade que se encontra na margem direita do rio Nabão: o Castelo de Tomar, o Convento de Cristo, e a Mata Nacional dos Sete Montes.
Mas além desses três óbvios destinos, só na cidade, há dezenas de outros pontos a picar: a sinagoga, o Café Paraíso, o jardim que guarda a Roda do Mouchão, o Convento de São Francisco, a Igreja de São João Baptista, os Paços do Concelho. Na outra margem do rio, onde o betão domina, a oferta turística é menor, mas ainda assim temos exemplares como a Igreja de Santa Maria do Olival, com uma belíssima fachada de um gótico obscuro.
Nas festividades, é impossível não mencionar a Festa dos Tabuleiros, realizada de quatro em quatro anos. Mas também a pascal Matança dos Judeus, organizada por rapazes e raparigas de Cem Soldos, deve ser vista, bem como a Feira de Santa Iria, no dia 20 de Outubro, ou o orgulhoso Carnaval da Linhaceira, considerado como o mais artesanal de Portugal. Para um público mais jovem, a música pop e rock nacional tem destaque no Festival Bons Sons, também em Cem Soldos.
Nas sempre importantes comidas, há duas iguarias que têm de ser provadas para quem aprecia doces: uma delas é fácil de adivinhar, as Fatias de Tomar, disponíveis em várias cafetarias e restaurantes da terra; a outra é a mais recente invenção nabantina, um pequeno bolo intitulado Beija-me Depressa, que podemos provar, exclusivamente, no café Estrelas de Tomar. Mais quatro restaurantes juntam-se à pool de sítios a ir para manjar à séria - o famoso Tabuleiro; a medieval Taverna Antiqua; o Chico Elias que nos meses invernais tem direito a lareira, mas que requer algum cuidado porque conta com um horário sui generis; e a Lúria, casa de comidas e bebidas regionais onde se destacam alguns pratos sazonais e as açordas.
Para dormir na cidade de Tomar, a escolha é muita. Reduzimos o leque a um par de hipóteses, ficando o leitor a saber que haverá muitas outras, eventualmente tão boas quanto estas: o Hotel República, que não esquece a herança templária nabantina e acolhe-a na sua decoração, e a Casa dos Ofícios, edifício setecentista que recupera as antigas actividades da labora tomarense. Fora do perímetro urbano aconselham-se várias alternativas nas margens do Zêzere, junto à Barragem de Castelo do Bode, como a Casa RioTempo, com vista e acesso para a albufeira, ou a Quinta do Troviscal, um cuidado espaço que goza de privilegiada geografia.
Mais espaços para dormir no concelho de Tomar podem ser vistos em baixo:
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=39.60349 ; lon=-8.41903