Carnaval da Linhaceira

by | 16 Mar, 2022 | Festas, Fevereiro, Março, Províncias, Ribatejo, Tradições

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Começo por um pressuposto: para mim, os melhores Carnavais do país ocorrem no norte, onde a comunhão entre a terra, o calendário, e o simbólico, é o centro da festa.

Regra geral, no centro do país, os Entrudos não me despertam tanta atenção – fui a vários. Contudo, há uma pequena aldeia no concelho de Tomar, de nome Linhaceira, que despertou todos os meus sentidos, e como dizia Wilde, nothing can cure the soul but the senses.

Se considerarmos apenas os Entrudos que se realizam da bacia do Mondego para baixo, o Carnaval da Linhaceira é dos poucos que evita copiar, em modo pechincha, as festas carnavalescas brasileiras. Não querendo, de todo, ofender o que se passa no Brasil, o Carnaval português parte de uma premissa diferente: é um festejo à chegada da Primavera, se considerarmos a perspectiva pagã; ou a queima dos últimos cartuchos de desbunda antes da Quaresma, se considerarmos a a perspectiva cristã.

Linhaceira, felizmente, percebe isso. Se consciente ou inconscientemente, tanto faz, porque o resultado é óptimo: tem maldizer e sarcasmo, criativos carros alegóricos, reis e rainhas nativos, dedicação popular na costura dos fatos. Um surpreendente achado que é hoje tido, justamente, como o mais artesanal de Portugal.

História

O Carnaval, nesta pequena terra situada a poucos minutos da foz do rio Nabão, teve adeptos desde há pelo menos um século, mas vivia um pouco ao gosto de cada um.

No entanto, o Entrudo organizado, vivido de forma conjunta enquanto festa linhaceirense, como actualmente testemunhamos lá indo, só acontece desde 1991. Foi com boa vontade, sentido comunitário, e sem grandes pretensões – graças a Deus -, que se iniciou uma maratona já trintona.

De 1991 para a frente, beneficiando de um ausente carnaval na cidade de Tomar, todos os anos foram uma conquista. De participantes, de visitantes, de promoção mediática. Em 1994 já era falado nos quatro cantos do concelho. Em 1995, num contexto de contestação popular à instalação de um aterro sanitário na aldeia, a população arregaçou mangas e apontou armas, como é comum no Carnaval nacional, à política autárquica. No final da década de 1990, os locais já não arredavam pés da terra que os criou nessa altura do ano – ficavam lá, por vezes semanas antes da festa tomar conta da aldeia, para preparar o certame.

Em 2007, um acontecimento a poucos quilómetros de distância poderia comprometer, de vez, a festa em Linhaceira: Tomar, sede de concelho, iria voltar à carga e ter um Entrudo só seu. Como é que Linhaceira, que contava com pouco mais que mil habitantes, poderia competir com uma cidade com cerca de quarenta mil, ainda por cima abastecida com jovens do Instituto Politécnico? A verdade é que os linhaceirenses não baixaram os braços. Logo no ano seguinte, um novo fenómeno era integrado no Carnaval da Linhaceira: a Porcalhada, no último dia. Depois veio a crise, e depois da crise a Troika, e a Linhaceira voltou a carregar cartuchos na caçadeira – à política vigente, está claro, porque o Entrudo é sempre anti-sistema, nem que seja só por quatro dias.

Linhaceira e o seu Entrudo foram sobrevivendo, e só mesmo a pandemia o parou, como, de resto, parou em tudo em todo o lado. Contra a procura das grandes produções que vemos em povoações vizinhas, continua a dar cartas e a ganhar fãs. Primeiro, porque se auto-sustenta, dispensando dependências de maior. Segundo, porque, ao saber que tem menos meios, acaba por compensar no exercício da criatividade em bruto. É isso que o distancia de outros que, pela preguiça da repetição, valha-se a verdade, parecem todos iguais.

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Programa do Carnaval da Linhaceira

No total, são quatro dias de festa, começando no sábado e terminando na Terça-Feira Gorda. Os bailes acontecem todas os dias, durante a noite, regra geral depois da hora de jantar. É habitual aproveitar-se o baile de cada dia para se fazer a entrega de prémios, seja o de melhor mascarado, seja o de melhor fato de papel, seja até, em casos recentes, o de melhor fotografia.

Não é, ainda assim, nos bailes que reside a alma do Carnaval da Linhaceira. Por isso vamos por partes aos seus três eventos diferenciadores.

Apresentação do rei e da rainha

Ao contrário do que acontece em grande parte dos Entrudos da zona centro e da zona sul do país, o rei e a rainha do Carnaval da Linhaceira são um homem e uma mulher da terra. Gente comum, que trabalha por ali ou nas redondezas, em vez de um actor de telenovela das nove.

É no almoço de reis, realizado em Janeiro, que os anteriores monarcas decidem quem será o par real desse ano. Os novos rei e rainha são depois apresentados no primeiro dia de festa, sábado, por volta da meia-noite.

Corso de Carnaval

O Corso, ou seja, o cortejo de carros alegóricos (que devem totalizar umas duas dezenas) é a principal comemoração. Realiza-se na tarde de Domingo, depois de almoço, e é acompanhado por filarmónicas ou por gaiteiros. Decorre em torno da aldeia e recebe participantes locais ou da vizinhança.

Todos os veículos e vestimentas são produzidos de forma manual, recorrendo ao mais valioso recurso humano: a imaginação. Boa parte deles é uma reciclagem do ano anterior, num teste à resistência dos materiais.

O cortejo transforma-se num desfile de bom humor e afiado escárnio – à política internacional, nacional, ou municipal. Ninguém escapa. O presidente americano. A assembleia da República. O Carnaval de Tomar. Para os linhaceirenses, tudo é fair game, não há vacas sagradas. E lá vão os reis do baile, apresentados na noite anterior, a abençoar a procissão profana.

Porcalhada

No último dia, Terça-Feira Gorda ou de Carnaval, por volta das três da tarde, um leitão é libertado numa lamacenta arena. Os participantes, quase todos homens, entram com a intenção de o apanhar. Não é fácil. O chão escorrega, as mãos também, e o porco idem. Se chove, pior fica. Mas quem o conseguir fazer, sejam um ou vários concorrentes, leva-o para casa.

À volta, uma cerca de zinco separa a pocilga da plateia, mas a barreira é baixa, e ninguém está livre de se sujar também. Valha-nos um Carnaval assim.

Tomar – o que fazer, onde comer, onde dormir

Em Tomar, nada do que parece, é. Produto da simbologia Templária, da imaginação do Infante D. Henrique, e da religiosidade da Ordem de Cristo, a cidade tornou-se palco de investigação dos mais diversos académicos - nacionais e internacionais. Não raras vezes, cada monumento conta com mais de três ou quatro interpretações diferentes. É, portanto, justo que algumas visitas se façam acompanhar de alguém que conheça bem as sinuosidades do monumentos visitados, como é o caso da santíssima trindade que se encontra na margem direita do rio Nabão: o Castelo de Tomar, o Convento de Cristo, e a Mata Nacional dos Sete Montes.

Mas além desses três óbvios destinos, só na cidade, há dezenas de outros pontos a picar: a sinagoga, o Café Paraíso, o jardim que guarda a Roda do Mouchão, o Convento de São Francisco, a Igreja de São João Baptista, os Paços do Concelho. Na outra margem do rio, onde o betão domina, a oferta turística é menor, mas ainda assim temos exemplares como a Igreja de Santa Maria do Olival, com uma belíssima fachada de um gótico obscuro.

Nas festividades, é impossível não mencionar a Festa dos Tabuleiros, realizada de quatro em quatro anos. Mas também a pascal Matança dos Judeus, organizada por rapazes e raparigas de Cem Soldos, deve ser vista, bem como a Feira de Santa Iria, no dia 20 de Outubro, ou o orgulhoso Carnaval da Linhaceira, considerado como o mais artesanal de Portugal. Para um público mais jovem, a música pop e rock nacional tem destaque no Festival Bons Sons, também em Cem Soldos.

Nas sempre importantes comidas, há duas iguarias que têm de ser provadas para quem aprecia doces: uma delas é fácil de adivinhar, as Fatias de Tomar, disponíveis em várias cafetarias e restaurantes da terra; a outra é a mais recente invenção nabantina, um pequeno bolo intitulado Beija-me Depressa, que podemos provar, exclusivamente, no café Estrelas de Tomar. Mais quatro restaurantes juntam-se à pool de sítios a ir para manjar à séria - o famoso Tabuleiro; a medieval Taverna Antiqua; o Chico Elias que nos meses invernais tem direito a lareira, mas que requer algum cuidado porque conta com um horário sui generis; e a Lúria, casa de comidas e bebidas regionais onde se destacam alguns pratos sazonais e as açordas.

Para dormir na cidade de Tomar, a escolha é muita. Reduzimos o leque a um par de hipóteses, ficando o leitor a saber que haverá muitas outras, eventualmente tão boas quanto estas: o Hotel República, que não esquece a herança templária nabantina e acolhe-a na sua decoração, e a Casa dos Ofícios, edifício setecentista que recupera as antigas actividades da labora tomarense. Fora do perímetro urbano aconselham-se várias alternativas nas margens do Zêzere, junto à Barragem de Castelo do Bode, como a Casa RioTempo, com vista e acesso para a albufeira, ou a Quinta do Troviscal, um cuidado espaço que goza de privilegiada geografia.

Mais espaços para dormir no concelho de Tomar podem ser vistos em baixo:

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=39.52048 ; lon=-8.37737

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