Igreja de São João Baptista (Tomar)
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Encarada como familiar da Igreja de Santa Maria do Olival, embora em lados opostos do rio Nabão, a Igreja de São João Baptista domina a Praça da República e inicia a histórica rua da Corredoura.
Um templo, em cima de outro templo, em cima de outro templo
A história da Igreja de São João Baptista, em Tomar, lembra as matrioscas russas, bonecas conhecidas por terem, no seu interior, várias versões de si mesmas, em tamanho cada vez mais pequeno. A comparação, talvez absurda num primeiro momento, compreende-se quando tentamos aventurar quando é que, neste lugar, começou por existir algum edifício religioso. Abrindo a casca à actual igreja encontramos uma outra, mais antiga, e abrindo depois essa, descortinamos uma última, cuja data de construção é hoje uma incógnita.
O mais provável é que esse monumento primevo tivesse sido construído pelos Templários que aqui se fixaram. Há uma referência, datada de 1178, a uma “rua de São Joannes” que indicia ter estado aqui implantado uma eventual ermida dedicada a São João. Contudo, há quem ponha a hipótese, ainda que muito discutível, digo eu, de a sua origem ser pré Templária.
Do segundo templo, possível projecto do Infante D. Henrique, que morou em Tomar enquanto Mestre da Ordem de Cristo, conhecemos um pouco mais. A igreja, da primeira metade do século XV, seria diferente da que hoje vemos – mais pequena e com outra orientação, como parecem indicar os portais da parede sul, conservados até ao presente momento.
Quanto ao terceiro templo, este está muito próximo do que actualmente vemos, com as obrigatórias obras de requalificação de que foi alvo, algumas delas bem recentes, e certos acrescentos pontuais, como foi o caso dos novos retábulos setecentistas. É obra do início do século XVI, quando D. Manuel I reinava, o que se consegue perceber pela estética do portal principal, virado a poente, e do portal lateral, virado a norte.
Do românico ao gótico ao manuelino
Dando uma volta, pelo exterior, à Igreja de São João Baptista, entendemos a já mencionada existência de três templos, uns sobrepostos aos outros, onde as versões mais recentes vão aproveitando reminiscências dos mais antigos.
Sinais do primeiro templo
Com efeito, na base da torre podemos ver, e até palpar, dois registos que parecem vir do templo original.
O primeiro exemplar, emoldurado por um triângulo vagamente isósceles, registamos no seu centro dois animais (um que distinguimos claramente como um cão, o outro que parece ser um leão), naquilo que podemos considerar um tímpano românico de uma porta que já não existe. Entre ambos, cão e leão, uma flor-de-lis.
No segundo exemplar, junto à esquina sudoeste da torre, observamos uma saliência que se assemelha, mais uma vez, a uma cabeça de leão (Álvaro Barbosa relaciona-o antes com as esfinges egípcias), o que aparentemente representa um antigo pé de um túmulo que também já não existe.
Sinais do segundo templo
Para imaginar como seria a entrada do segundo templo, antes das alterações de fundo produzidas por D. Manuel I, o ideal é deslocarmo-nos à parede virada a sul. Aí encontramos dois portais quebrados, góticos, um deles dando acesso à sacristia.
É interessante compará-los com o portal principal e com o portal norte, ambos manuelinos, para percebermos in situ a evolução do gótico inicial para o gótico tardio que, aqui em Portugal, se fundiu com o estilo característico do reinado de D. Manuel I.
Capelas Imperfeitas da Batalha, a possível inspiração do portal da Igreja de São João Baptista
Poderá ser São Jorge, um guerreiro, tal como os Templários, aquele que se encontra ao centro da platibanda?
O terceiro templo
Os restantes trejeitos que observamos no lado exterior, atribuímos, quase sem pensar, ao manuelino, estilo predominante do reinado de D. Manuel, tornando-se até mensagem propagandística de um monarca que queria provar a sua legitimidade, dado não ter sido rei por linhagem directa.
Na fachada principal, quer o portal, quer a platibanda, recorrem à flor-de-lis já usada no tímpano original que está embutido na torre. No caso da platibanda, há ainda um guerreiro armado com lança e armadura ao centro, imagem que atribuímos presumivelmente a São Jorge – estranha escolha num templo dedicado a São João…
Na fachada norte, a que dá para a rua da Corredoura, um portal trilobado põe a heráldica em destaque e é complementada por um friso que relata uma cena de caça com um estranha imagem de um equídeo a saltar de uma casca de caracol (poderá ser o símbolo de uma iniciação, atendendo ao contraste da lentidão do caracol, que, recolhido em si, se transforma na pujança do cavalo).
Já a torre, no topo do seu tramo inferior, de planta quadrangular, tem dois símbolos fáceis de identificar para o olho luso: o escudo e a coroa do reino português; a esfera armilar de D. Manuel. Mas há um terceiro, acima destes. Trata-se de uma Cruz de Cristo, mas com a perna de baixo esticada, o que nos pode baralhar a percepção – contudo, estamos mesmo a mirar uma Cruz de Cristo, simplesmente está esticada porque assim foi ela representada nos anos Filipinos. No tramo do meio, a torre passa de planta quadrangular para octogonal. Guarda esta parte o relógio que dava horas junto ao castelo. Conseguimos ainda observar que o relógio tem nos dois cantos superiores, a imagem de um homem e de uma mulher, enquanto nos dois cantos inferiores caveiras e ossadas – trata-se de uma alusão, um tanto mórbida, mas nem por isso enganadora, do que o tempo faz ao homem.
O interior
Do lado de dentro, não há surpresas de maior. A igreja confirma o que imaginamos quando a observamos do lado de fora. Três naves, ligadas por arcos quebrados, e uma capela-mor abobadada e com altar barroco seiscentista. No entanto, há três elementos que não devem passar ao lado de nenhum visitante: o baptistério, as pinturas assentes nas paredes da igreja, e o magnífico púlpito.
A parte interior da torre integra o baptistério. Lá podemos ver uma pintura de influência flamenga, mas nem sequer é isso que merece maior atenção. Na pia baptismal descortina-se um sol, uma lua, e uma esfera armilar. Paulo Alexandre Loução sublinha que a esfera armilar aqui esculpida tem, intencionalmente, a forma de ovo, o que favorece a ideia de relação entre os três símbolos: o sol fecundador, a lua reprodutora, e o rebento que é a terra (neste caso, a esfera).
A sequência de pinturas que vemos expostas ao longo da igreja, e cuja autoria é, na grande parte, de Gregório Lopes, à época um dos grandes pintores nacionais, obriga a paragem. Há várias que podia destacar, contudo, as de maior valor são a da Última Ceia (note-se na posição de Maria Madalena, adormecida e agarrada a Jesus Cristo), a de Abraão e Melquisedeque (onde podemos encontrar um judeu, um cristão, e um muçulmano, em pacífico encontro, numa visionária reflexão sobre as três religiões Abraâmicas e a tolerância que deveria existir entre elas), e as duas que aludem ao episódio da morte, por degolação, de São João Baptista.
Quanto ao púlpito, feito em pedra calcária, não há muito por escrever – o melhor é vê-lo, sem ajuda de um explicador. Encher a vista com o preciosismo das suas linhas basta para se perceber por que razão é tido como a pedra-de-toque da Igreja de São João Baptista, como também como um dos mais bonitos artefactos religiosos em Portugal.
“A Última Ceia”, na perspectiva de Gregório Lopes
Em segundo plano, um judeu, um cristão, e um mouro, olham para Abraão
João Baptista e os Templários
A hipótese lançada por Paulo Alexandre Loução é desafiante: para os Templários, seria João Baptista um precursor de Cristo, como defendem os cristãos, ou seria ele mesmo um Messias, com dogma e religião própria, fora do que convencionalmente chamamos de Cristianismo?
O autor lança a possibilidade para cima da mesa, sem dizer que está certo dela. Mas adianta que, “muito provavelmente”, São João terá sido padroeiro dos Cavaleiros do Templo. E recorre a um poema de Fernando Pessoa para estabelecer uma ponte entre São João Baptista e a Maçonaria:
Quando em teu dia, São João de Verão,
Fundaste a Grande Loja de Inglaterra,
Isto agora é que é bom,
se bem que vagamente rocambólico,
Eu a julgar-te até católico,
E tu sais-me maçom.
A Maçonaria não é o mesmo que a Ordem Templária, já sabemos. Mas foi, segundo muitos, inspirada por ela, isto para não ir às teses que defendem ser sua natural herdeira…
Manuel Joaquim Gandra, investigador da Ordem Templária, acaba por dar razão à importância magna que São João tem para a Ordem dos Templários, ao desenhar uma fórmula geométrica onde explica como os principais monumentos de Tomar obedecem a uma geografia sagrada: numa circunferência traçada na cidade, vemos como a sua linha passa por velhas igrejas e ermidas – algumas já desaparecidas. No centro dessa circunferência, no umbigo deste corpo, está a Igreja de São João Baptista. Mais um enigma Templário para decifrar…
Tomar – o que fazer, onde comer, onde dormir
Em Tomar, nada do que parece, é. Produto da simbologia Templária, da imaginação do Infante D. Henrique, e da religiosidade da Ordem de Cristo, a cidade tornou-se palco de investigação dos mais diversos académicos - nacionais e internacionais. Não raras vezes, cada monumento conta com mais de três ou quatro interpretações diferentes. É, portanto, justo que algumas visitas se façam acompanhar de alguém que conheça bem as sinuosidades do monumentos visitados, como é o caso da santíssima trindade que se encontra na margem direita do rio Nabão: o Castelo de Tomar, o Convento de Cristo, e a Mata Nacional dos Sete Montes.
Mas além desses três óbvios destinos, só na cidade, há dezenas de outros pontos a picar: a sinagoga, o Café Paraíso, o jardim que guarda a Roda do Mouchão, o Convento de São Francisco, a Igreja de São João Baptista, os Paços do Concelho. Na outra margem do rio, onde o betão domina, a oferta turística é menor, mas ainda assim temos exemplares como a Igreja de Santa Maria do Olival, com uma belíssima fachada de um gótico obscuro.
Nas festividades, é impossível não mencionar a Festa dos Tabuleiros, realizada de quatro em quatro anos. Mas também a pascal Matança dos Judeus, organizada por rapazes e raparigas de Cem Soldos, deve ser vista, bem como a Feira de Santa Iria, no dia 20 de Outubro, ou o orgulhoso Carnaval da Linhaceira, considerado como o mais artesanal de Portugal. Para um público mais jovem, a música pop e rock nacional tem destaque no Festival Bons Sons, também em Cem Soldos.
Nas sempre importantes comidas, há duas iguarias que têm de ser provadas para quem aprecia doces: uma delas é fácil de adivinhar, as Fatias de Tomar, disponíveis em várias cafetarias e restaurantes da terra; a outra é a mais recente invenção nabantina, um pequeno bolo intitulado Beija-me Depressa, que podemos provar, exclusivamente, no café Estrelas de Tomar. Mais quatro restaurantes juntam-se à pool de sítios a ir para manjar à séria - o famoso Tabuleiro; a medieval Taverna Antiqua; o Chico Elias que nos meses invernais tem direito a lareira, mas que requer algum cuidado porque conta com um horário sui generis; e a Lúria, casa de comidas e bebidas regionais onde se destacam alguns pratos sazonais e as açordas.
Para dormir na cidade de Tomar, a escolha é muita. Reduzimos o leque a um par de hipóteses, ficando o leitor a saber que haverá muitas outras, eventualmente tão boas quanto estas: o Hotel República, que não esquece a herança templária nabantina e acolhe-a na sua decoração, e a Casa dos Ofícios, edifício setecentista que recupera as antigas actividades da labora tomarense. Fora do perímetro urbano aconselham-se várias alternativas nas margens do Zêzere, junto à Barragem de Castelo do Bode, como a Casa RioTempo, com vista e acesso para a albufeira, ou a Quinta do Troviscal, um cuidado espaço que goza de privilegiada geografia.
Mais espaços para dormir no concelho de Tomar podem ser vistos em baixo:
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=39.60365 ; lon=-8.41456