Criptojudaísmo de Belmonte

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O criptojudaísmo, isto é, o praticar da religião judaica de forma oculta, muitas vezes disfarçando-a com procedimentos cristãos (ou islâmicos, dependendo da geografia), existiu em vários pontos do mundo – praticamente em todos onde o judaísmo foi perseguido, e foram vários. Ganhou peculiaridades na Península Ibérica, pela mistura que sofreu com os cultos locais.
Em Portugal, nenhuma terra manteve ritos tão fortes durante tanto tempo como aqueles que, no início de século XX, se encontraram em Belmonte.
Em 2020, tornou-se uma das 7 Maravilhas da Cultura Popular portuguesa.
O criptojudaísmo
O criptojudaísmo deverá ser tão velho quanto o é a perseguição às comunidades judaicas. Trata-se, muito resumidamente, de um culto à mais antiga das religiões abraâmicas, mas, como o cripto sugere, feito em segredo, invisível aos olhares mais próximos.
Além dos casos óbvios de Espanha e Portugal, fruto da Inquisição promovida pelos dois países, são famosas outras agremiações criptojudaicas na Sicília, em Marrocos, na Índia, no Brasil, e em diversos países que foram colónias espanholas sul-americanas como a Costa Rica ou a Bolívia ou a Colômbia. Recentemente, tivemos casos de criptojudaísmo na Rússia e noutros países eslavos nas décadas soviéticas.
Costumava ser feito entreportas, em família, ou mais raramente em improvisadas sinagogas. No exterior, os sinais dados eram outros – fingindo-se fiéis seguidores da religião maioritária, fosse ela o cristianismo ou o islamismo, os velhos judeus passaram a chamar-se de Cristãos Novos. Na Península Ibérica, a mudança chegava até ao nome da pessoa: teriam de ser libertar do nome ou apelido hebraico e passar a usar um nome autóctone.
Em Portugal, conhecem-se casos de criptojudaísmo em várias povoações do interior português, sobretudo em Trás os Montes (Bragança), na Beira Alta (Guarda), na Beira Baixa (Fundão, Penamacor, Monsanto, Idanha-a-Nova, Castelo Branco), ou no Alto Alentejo (Castelo de Vide). Em muitos destes sítios ainda se podem encontrar as judiarias, bairros judaicos habitualmente localizados nas zonas menos férteis e menos solarengas dos vilarejos.
O exemplo de Belmonte
Não desvalorizando os vários modelos de criptojudaísmo que se encontram pelo país, o caso de Belmonte é especial, não só pela forma como a comunidade judaica conseguiu sobreviver até aos dias de hoje, mas principalmente pelo quadro histórico da vila e dos judeus belmontenses (a este propósito, sugere-se uma visita ao Museu Judaico para vermos em primeira mão alguns testemunhos entretanto desvendados).
Com efeito, o passado judaico de Belmonte remonta pelo menos ao século XIII, sendo muito provavelmente anterior a isso, como comprova a existência de uma sinagoga finalizada em 1296. A Inquisição Espanhola, estabelecida em 1478, terá certamente levado muitos dos sefarditas espanhóis que passaram para o lado de cá da fronteira a estabelecerem-se em Belmonte. Era rei D. João II, e os sefarditas tiveram alguma esperança na tolerância religiosa portuguesa.
Em 1495, D. João II morre e dá lugar ao seu primo D. Manuel. Inicialmente, D. Manuel I prossegue com a liberdade de culto oferecida no reinado anterior. Mas, pressionado pela diplomacia castelhana – a sua filha, D. Isabel, casou com D. Fernando de Aragão -, o rei português instala um clima de pré-Inquisição que vai em crescendo até ser mesmo formalizada em 1515.
Judeus são forçados a renunciar à sua fé e os primeiros sinais de criptojudaísmo dão de si. Com a chegada de D. João III ao poder, as perseguições intensificam-se. Os autos-de-fé aparecem sem misericórdia, julgando e punindo (várias vezes com a morte) todo e qualquer judeu que não aceitasse a fé Católica.
Para os judeus que ainda não tinham procurado outras terras, a resposta é simples: ou me converto, ou fujo. Muitos converteram-se e muitos fugiram. No entanto, alguns escolheram uma terceira via – converterem-se lá fora, mantendo-se judeus cá dentro. A vila de Belmonte foi paradigmática no que toca a esta escolha. Uma pequena comunidade, fechada, virada para si, endogâmica, manteve rituais judaicos ancestrais, quer na celebração de determinadas datas sagradas (como o Shabbat semanal), quer no uso de certos objectos de culto (como o acender da vela no crepúsculo de Sexta-Feira), quer no seguir de antigas tradições culturais (como a exclusão do porco da sua dieta).
Os ritos foram passados de boca em boca, de geração em geração, sem recurso a manuais. Dificilmente se encontrava uma Torá para seguir os textos sagrados. Criou-se, portanto, um novo judaísmo, baseado na tradição oral, claramente menos ortodoxo. A envolvência cristã também teve a sua influência e assim se gerou um híbrido entre liturgia judaica e gestos católicos.
Muitos destes costumes foram apenas exibidos ao público no princípio do século XX, empurrados pelos estudos de Samuel Schwarz, e protegidos por uma I República que se mostrou aberta à liberdade religiosa. Contudo, durante o Estado Novo, mormente nos anos da II Guerra Mundial, os judeus de Belmonte voltaram a ter razões para esconder as suas crenças. Foi apenas depois de 1974 que gozaram de nova abertura por parte do poder político para exteriorizarem a sua religião.
Defende-se que uma boa parte dos belmontenses cristãos conhecia esta vivência judaica na sua vizinhança e que até certo ponto a protegia, o que será parcialmente verdade. No entanto, também havia desconfiança e denúncia. A Igreja, que durante muito tempo foi vista pelo povo como a verdade, apelava a que os velhos cristãos relatassem qualquer indício de heresia – para bom entendedor, qualquer indício de judaísmo.
Da mesma forma, o poder municipal não foi sempre conivente com as práticas desviantes do concelho, sobretudo, como já se disse, nas décadas de governação salazarista. E menos ainda o poder eclesiástico. Basta ler Franco de Matos, Pároco de Belmonte, para percebermos a animosidade que havia: “têm prazer especial em enganar um cristão velho”, relata ele.
A actual Comunidade Judaica
Depois da democracia estar definitivamente cimentada em território português, a comunidade judaica de Belmonte começou finalmente a assumir o que sempre teve de esconder. Seguiu-se a afirmação física e cultural dessa tomada de posição: uma sinagoga foi levantada, uma parte do cemitério oferecida para funerais hebraicos, e um rabino eleito para a vila. Actualmente as festas de Natal belmontenses encarregam-se de incluir o Hanukkah, como se pode ver indo à Festa das Luzes, em Dezembro.
Desde a década de 1970 que os judeus de Belmonte estabeleceram pontes com Israel. Houve uma aproximação ao judaísmo ortodoxo, uma tentativa de regresso à matriz original do culto que ficou perdida com tantos anos de isolamento (nos piores tempos, havia famílias que viviam lado a lado sem saberem que partilhavam o mesmo segredo, impedindo a passagem de conhecimento).
Em 1989 foi reconhecida a Comunidade Judaica de Belmonte, uma das poucas do país – as restantes estão nas duas principais cidades portuguesas, Lisboa e Porto.
Belmonte – o que fazer, onde comer, onde dormir
Situado na raia mágica beirã, Belmonte é o concelho mais a norte do distrito de Castelo Branco. Famoso pela sua cultura criptojudaica, resultado da perseguição de que os seus judeus sefarditas foram alvo, a vila tem hoje uma das mais activas comunidades judias do país. As suas festas, como a Festa das Luzes ou a Festa de Nossa Senhora da Esperança, em Dezembro e Abril, respectivamente, e os seus monumentos e museus, como a menorá, a sinagoga ou o Museu Judaico de Belmonte, reflectem essa ligação a um passado real mas escondido.
Ainda na vila, não podemos perder o castelo e a Igreja de Santiago, a judiaria circundante, bem como os restantes espaços museológicos (que são muitos e bons, tendo em conta a dimensão de Belmonte): o Museu dos Descobrimentos, o Museu do Azeite, e o Ecomuseu do Zêzere.
Fora da sede de concelho e de visita imperativa é o enigmático Centum Cellas, monumento que não encontra paralelo no país, nem na península, e que mais facilmente associamos a civilizações sul americanas, de origem pré-colombiana, transportando-nos para os mitos da Atlântida.
Para dormir, sugere-se a Pousada Convento de Belmonte, cuja piscina nos dá uma das melhores fotografias sobre a Estrela, ou a Casa Marias, bem situada e muito aconchegante. Na restauração, recomendam-se vivamente a Casa do Castelo (o borrego e o cabrito são demasiado bons para os dispensarmos) e, para quem está disposto a gastar um pouco mais, e o Convento de Belmonte Gourmet (cozinha de chef, na companhia de lareira e de uma bela vista de montanha).
Para mais dormidas no concelho de Belmonte, ver caixa de promoções em baixo: