Vizela – o que fazer, onde comer, onde dormir

Monumentos
Natureza
Povoações
Festas
Tradições
Lendas
Insólito
Roteiros
Se quiserem saber o que é ter orgulho na terra natal, então guardem um dia das vossas vidas para falar com um vizelense como eu falei. Vem de trás. Alguns dirão que poderá ter origem na primeira vez que foi elevada a concelho, à altura chamado Caldas de Riba de Vizela, durante parte do século XIV e apanhando uns pózinhos do século XV, primeiro tendo como doação ao Infante D. João, filho de D. Pedro I e D. Inês de Castro, depois ficando donatários alguns rostos da fidalguia que se mostrou fiel a D. João I e à causa portuguesa contra os desejos unionistas de Castela. No total, foram 47 anos de concelhia medieva – poucos, sentenciarão alguns, mas suficientes para honrar o seu povo com “justa ufania”, como colocou o Abade de Tagilde.
E todavia, na realidade, a aspiração de Vizela pela sua independência tem, muito provavelmente, digo eu, raízes anteriores à sua primeira autonomia. Precede até a própria nacionalidade, e funda-se na ideia romana de civitas termal, ou seja, de um povoado de perfil bastante singular dada a existência das suas águas terapêuticas e da importância que os romanos davam a estas. A sua Bica Quente, a popular fonte na actual Praça da República dedicada ao Deus Bormânico instalada no lugar das primitivas caldas, é uma lembrança desse doirado pretérito. O mesmo se pode dizer da Ponte Romana que, apesar de quase toda reconstruída, carrega no seu nome um legado que Vizela nunca fez questão de esquecer.
Alicerces fortes mas incapazes de impedir a perda de independência, que veio com a entrega dos seus termos à administração vimaranense no início do século XV. Contudo, isso não amoleceu o seu povo, que não descansou até voltar a ter o seu quinhão de chão elevado à condição de município, o que chegou mesmo a acontecer, embora só depois de mais de uma mão cheia de pedidos rejeitados.
Houve pelo menos dois contextos em que a subida à condição de concelhia se impunha: nos últimos anos da monarquia, depois de uma moderna fábrica de papel começar a operar e com as águas termais a registarem um crescimento contínuo na procura, dando ambos um impulso económico à então aldeia (depois vila e agora cidade); e nos primeiros anos da República, mormente a partir da década de 1920, quando à actividade termal se somou um longo período de industrialização, sobretudo de fábricas têxteis que viriam a substituir a produção caseira de lã e linho. Na transição de um período para o outro houve até direito à construção de um Castelo – assim chamado por causa da sua estética (quem para ele olhar, percebe) – com o objectivo de hospedar os Paços do Concelho, alentando tal edifício esperanças nunca cumpridas.
Tardou, mas o espírito de combate e a perseverança dos vizelenses lá deram frutos. Em 1998, este povo pôde finalmente dizer-se cidadão português do concelho de Vizela. A indústria vinha a cair há duas décadas mas assim, com o poder municipal do seu lado, a cidade conseguiu voltar a dar a mão ao seu passado romano. As Termas de Vizela seriam requalificadas, mais tarde o quase abandonado Parque das Termas idem, e agora até um passadiço existe, a encaminhar-nos pela ribeira de Sá, com final feliz nas Cascatas de Rompecias. Os banhos de cura estão no ADN da terra, não há volta a dar, como aliás sugere a sua crença fundadora, a Lenda dos Cravos.

O vale de Vizela visto do São Bentinho

O lado mais bucólico de Vizela, a caminho das Cascata de Rompecias
Sabendo que o concelho é dos mais pequenos e dos mais recentes do país, certo é que Vizela tem particularidades que vão além da sua história. É capaz de ser essa consciência colectiva, de que aqui é diferente, que leva os habitantes de Vizela a pendurarem as bandeiras do município nos varandins. A geografia vizelense é idiossincrática, ficando praticamente todo o concelho num vale que embala o rio homónimo, protegido pelo monte de São Bento a norte, o monte da Senhora dos Perdidos a nascente, e os montes do Maninho e dos Besteiros a sul. Apenas para ocidente a visão é desamparada de serra, embora constantemente povoada pela compacta malha urbana e industrial que caracteriza não só Vizela, como também Guimarães e outras povoações coladas ao médio curso do rio Ave. Uma das melhores formas de fotografar esta disposição natural de Vizela é subindo ao Santuário de São Bento. Aí rimam as palavras de D. António da Costa quando escreveu que “o que nos encanta é a fantasiosa desarmonia […] de que brota uma das mais formosas harmonias”.
E por falar em santuários, do lado oposto ao Monte de São Bento onde repousa o santuário homónimo, um outro cerro guarda a lendária Capela de Nossa Senhora da Tocha, um enigmático monumento adorado por gente que está prestes a ser mãe ou que acabou de dar à luz. Bem pertinho, no sopé da colina, uma outra igreja, desta vez tendo Santo Adrião como orago, parece comunicar com a sobredita – é a Igreja de Santo Adrião, com um belo cruzeiro onde figura São Sebastião. E por fim, continuando pela periferia oriental de Vizela, uma terceira capela merece inspecção, não exactamente pela sua forma – que de resto não faz mal algum visitar -, mas por exibir justo de si um padrão que sinaliza a assinatura do Tratado de Tagilde, para muitos o embrião da velhíssima (e nem sempre pacífica) aliança luso-britânica.
Onde comer
A maioria da restauração concentra-se no epicentro urbano vizelense, como seria de esperar. E é também lá que estão os melhores exemplares da nobre arte de bem servir.
Na rua da Rainha contamos logo dois. Primeiro, a Adega Avelino, um terno restaurante de família há mais de cinquenta anos no mesmo sítio. Vivia dos preparados de Maria Dolores e agora dos de Rosa Neto – é bom e é barato – que raio se pode querer mais? -, e de bónus sabemos as histórias da guerra pela autonomia vindas da boca (e do dossiê de recortes de jornal) de Albano Ribeiro. E em segundo, temos o restaurante Rainha, com um preço por cabeça acima do anterior mas de boas entradas e cuidada apresentação.
Ali por perto, já em formato de cervejaria, o Museu do Presunto e do Vinho cumpre com o que é pedido: refeições rápidas com fininhos bem tirados. O mesmo de aplica à Casa das Francesinhas Pingarelho para quem é fã do acepipe portuense. Ficando-nos por lugares de bebida, mais do que de comida, e continuando pelo lado norte da Praça da República, o café Relógio conquista-nos pelo conforto das madeiras e dos coleccionáveis. E do outro lado do largo, numa rua traseira, temos o Águia D’Ouro, para mim a referência da comida popular de Vizela, que cumpre com os três bês das grandes casas – brioso, bonito, bom.
Para o afamado Bolinhol, há duas montras incontornáveis, uma ao lado da outra e descendentes da mesma família: a Pão de Ló Delícia e a Kibom. Recentemente, também a Pastelaria Fina e a Pastelaria Ponto de Pérola o comercializam.
Por fim, quem conhece este espaço sabe que quase nunca falo de restaurantes fora da tradição regional. No entanto, por ser de bom preparo e por se ter instalado no antigo e bonito chalet que atendia o Parque das Termas, o Miyuki goza de digna gastronomia japonesa, e não falo apenas de sushi.
Onde dormir
Se comer não é problema em Vizela, o mesmo não se pode dizer das dormidas. Noutros tempos a coisa não era assim, quando mais de uma dezena de hotéis serviam os abastados visitantes que, além de termas, procuram os torneios de ténis, o tiro aos pratos, os passeios de barca pelo lago. Com o automóvel, infelizmente, os aquistas das termas entram e saem da cidade sem terem de passar a noite. A experiência é, agora, de curta duração. E na verdade, ao contrário do que acontece com a restauração, a hotelaria que mais se recomenda fica na orla do concelho e não no seu centro, bem como nalgumas casas soalheiras próximas mas já parte dos municípios vizinhos, como Guimarães ou Felgueiras, e por isso excluídas desta selecção.
Com a temática das lavandeiras em destaque, temos a Quinta das Lavandeiras, um solar na ponta sul da concelhia. Ainda por este canto meridional da geografia vizelense há a Casa das Carpas – um registo mais moderno e com exuberâncias como a do Jardim Japonês. No flanco oposto, ou seja, a norte da urbe, a Quinta de Santa Ana mostra-se bom partido para quer ficar entre Vizela e Guimarães.
Merece menção o central Hotel Bienestar, outrora o mítico Hotel Sul Americano, pelo passado que ainda transporta na memória dos vizelenses e pela relação que tem com as termas actualmente em actividade.