Igreja de Santo Adrião (Vizela)

by | 6 Mar, 2024 | Lugares, Minho, Monumentos, Províncias, Religiosos

Monumentos

Natureza

Povoações

Festas

Tradições

Lendas

Insólito

Roteiros

Entre o rio Vizela e o velho castro hoje sacralizado com a Capela da Senhora da Tocha, um templo robusto, engrossado a granito, vive com o sossego de quem tem de trabalhar uma só vez por semana, no dia da eucaristia. É a Igreja de Santo Adrião, um vestígio românico do século XI entrementes reconstruído e recentemente requalificado.

Uma igreja, uma torre, um claustro

Parece impossível num espaço tão pequeno, mas a verdade é que a Igreja de Santo Adrião tem quase tudo aquilo que associamos a um mosteiro – adro, templo, torre, claustro, fonte.

A igreja em si é o espaço mais antigo, e o lugar onde conseguimos reconhecer a sua origem românica, pela brutal simplicidade, pela primitividade da pia baptismal, pela ausência de ornamento. Da mesma forma, reconhecemos os acrescentos da reconstituição posterior, como acontece com o arco sobreposto à entrada principal, cunhado com uma cruz templária – escolha estranha, esta cruz, de resto repetida do lado de dentro.

Consta que uma ara votiva dedicada aos Manes romanos foi reaproveitada na parte traseira da igreja. Eu não a consegui identificar. Mas o facto de aqui se ter destapado uma inscrição aos Manes, Deuses dos antepassados e Génios dos lugares, é sugestiva por si só, e sublinha a romanização que é ponto assente ter aqui acontecido, tal como aconteceu no monte da Senhora da Tocha, subtilmente ligado ao presente templo de Santo Adrião como adiante irei falar. Já agora, a este propósito, a serra imediatamente a sul daqui é por vezes denominada Serra do Maninho, poderá este nome estar relacionado foneticamente com os Manes romanos referidos na ara?

No interior, reforça-se a ideia que passou do lado de fora. Uma mistura de românico com um estilo tardo-medieval, onde se destaca a capela-mor, com um belo retábulo e tecto em abóbada de berço, tal como as desgastadas pinturas de traço leigo e ingénuo dedicadas às almas no Purgatório.

Em posições autónomas estão a torre e a nova volumetria que recebe a sacristia, ambas de feições bem mais modernas. Entre a primeira e a segunda fica o tal claustro, muito pequenino, como é evidente, dada a escala do monumento, mas onde houve espaço para fixar um espelho de água. Defronte do lago, exposta em montra de vidro, observa-se uma imagem de Santo Adrião, o bem-aventurado que deu nome à igreja – a figura lembra a sua função guerreira, com armadura e um pequeno orifício onde se escreveu o seu nome, se dúvida houvesse quanto a quem era.

Siga-nos nas Redes Sociais

O diálogo da Igreja de Santo Adrião com a Capela da Senhora da Tocha

Porém, nada do que foi descrito acima me diz mais do que aquele cruzeiro que está no adro. Nomeadamente a parte que está a meia altura, entre a base e a cruz, uma saliência onde os relevos, toscos, são definitivamente românicos, e, atendendo aos arqueiros e à posição de da vítima, parecem aludir ao castigo de São Sebastião, que foi coberto de setas pela sua clemência para com os prisioneiros cristãos.

E aqui é que está a possível subtileza da Igreja de Santo Adrião, que talvez comunique com a Capela da Senhora da Tocha, sua vizinha do lado, não só por proximidade geográfica mas sobretudo por sabedoria oculta, um pouco como os Túmulos de Pedro e Inês, em Alcobaça, dialogam entre si.

Tábua pintada com imagens alusivas ao Purgatório

As ingénuas pinturas das almas no Purgatório

São Sebastião era, também ele, soldado. Tal como Santo Adrião. O cruzeiro e a igreja convergem nisso. Cada um presta devoção a um santo diferente – no caso do cruzeiro, a São Sebastião, no caso da igreja, a Santo Adrião, embora qualquer um deles goze da condição de santo guerreiro, aliás, ambos são considerados padroeiros dos soldados. É de pôr a hipótese de, antes de Santo Adrião, a igreja românica aqui presente idolatrasse São Sebastião, e só depois se tenha procedido à substituição do culto. Poderemos até estar na presença de um sincretismo com um eventual Deus da Guerra anterior, de cariz pagão. A existência de um castro aqui à beira, ou seja, de um edifício de defesa no monte da Senhora da Tocha parece transmitir isso.

Mais. Segundo a tradição, a segunda execução de São Sebastião – porque a primeira, quando foi alvejado por setas, não lhe trouxe a morte – aconteceu por espancamento. Esta sim, matou-o. E quem recolheu o seu corpo e depois o sepultou foi Santa Luciana. A Santa Luciana cristã remete de imediato para a Deusa Lucina romana, e ambas estão associadas à luz. Ora, Martins Sarmento referiu que a Senhora da Tocha cultuada na capela aqui ao lado é uma derivação da Lucina romana. Portanto temos dois templos, à distância de cinco minutos, que dão a sensação de estar a comunicar por símbolos um com o outro: a Senhora da Tocha, enquanto avatar da Santa Luciana (ou de Lucina), presta devoção à mulher que sepultou São Sebastião, o mesmo santo que identificamos no cruzeiro da Igreja de Santo Adrião.

Mais curioso ainda é que a Capela da Senhora da Tocha (ou de Santa Luciana, ou da Deusa Lucina) é conhecida por receber mulheres que estão à espera de bebé ou que acabaram de ser mães – mais uma vez, numa alusão à luz, luz enquanto sinónimo de vida. E que na Igreja de Santo Adrião haja uma ara votiva aos Deuses Manes, ou seja, uma idolatria aos antepassados, isto é, aos mortos. Estaremos numa dicotomia vida-morte, sendo o primeiro templo, dedicado à Senhora da Tocha, símbolo da vida, e o segundo, dedicado a Santo Adrião (ou a São Sebastião), símbolo da morte? O facto de um estar situado no topo de um monte, e o outro na profundidade de um vale pode indicar isso – o monte como ventre, o vale como sepultura.

A bela cobertura da capela-mor da Igreja de Santo Adrião, em Vizela

A bonita abóbada de berço, com o retábulo ao fundo

São Sebastião na sua primeira tentativa de execução

São Sebastião, ao centro, atado a uma árvore, com os arqueiros em cada um dos seus lados

Promoções para dormidas em Vizela

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.36584 ​; lon=-8.28414

Siga-nos nas Redes Sociais