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Se descontarmos o internacionalmente conhecido Caminho de Santiago Português e os já icónicos Passadiços do Paiva, podemos dizer com quase certeza que a Grande Rota do Zêzere (em sigla, GRZ) é a referência para os amantes de caminhadas em Portugal. Nela se percorre uma enorme parte do centro interior do país entre várias etapas que poderão funcionar como independentes entre si. E sempre acompanhado por um rio generoso, de feição marcadamente beirã.

O projecto

Não deixa de haver uma certa loucura megalomaníaca em quem quis pôr o plano em marcha, e nisso temos de louvar a iniciativa, que, apesar de contar com o empurrão de muita gente, partiu fundamentalmente das Aldeias do Xisto.

Criar um caminho com o intuito de acompanhar um rio da sua nascente à sua foz já é ousado. Se juntarmos a isso o facto de estarmos na presença do segundo maior rio exclusivamente português (apenas o Mondego o supera), com uma extensão que vai além das duas centenas de quilómetros, apercebemos que a tarefa sobe os pisos na dificuldade da sua aplicação.

Estamos a falar de uma coordenação difícil, que envolve a participação de dezassete municípios, com todas as condições necessárias associadas: setas de indicação, pontes de travessia do rio e de afluentes, abertura de caminhos em terrenos de relevo acidentado, áreas de descanso e convívio, miradouros, e afins.

A verdade é que os munícipes responsáveis se encheram de força e levaram o hercúleo encargo avante. Foi feito e foi bem feito. E se nos lembramos de apupar no mau, é de simétrica obrigação aplaudirmos no bom. A Grande Rota do Zêzere foi concluída com um caminho que, totalizando todas as suas sub-rotas envolvidas, conta com quase o dobro do percurso natural do rio Zêzere.

A rota pode ser percorrida intercalando entre ir a pé, de bicicleta, ou de canoa. Um triatlo como apresentação a uma boa fatia da zona Centro.

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As várias caras da Grande Rota do Zêzere

É impossível que um percurso com tanto para percorrer não tenha muitas caras a apresentar.

Comparando o início dos inícios da rota, o bucólico Covão d’Ametade, com o destino final, a pitoresca e já muito ribatejana vila de Constância, parece que estamos em países distintos. Entre um e outro ponto, assistimos a uma gradual transformação paisagística, da serra para a planura, do abrupto para o sereno. Fazendo todo este caminho conseguimos distinguir o Centro mais nortenho, agreste e de rigorosas temperaturas invernais, do Centro mais sulista, ameno e, pontualmente, com prenúncio do Alto Alentejo.

A diversidade, diríamos, cunha a Grande Rota do Zêzere, e é sobre o espírito do lugar de cada grupo de etapas que escreveremos em seguida.

O Zêzere e a Estrela

A personalidade de qualquer rio ou ribeira começa no seu berço. O Zêzere, como o Mondego, têm uma relação umbilical com a Serra da Estrela, que deu vida a ambos. Aproveite-se, portanto, para conhecermos o Zêzere ainda bebé, no já mencionado Covão d’Ametade, e para o percorrer até Manteigas, numa das pouquíssimas vezes em que o caminho segue para norte.

O deslumbrante Vale Glaciar do Zêzere cava a cordilheira para que o rio desça sem grandes percalços. Até Manteigas e, depois, até Valhelhas, a porta de saída oriental da Serra da Estrela. Daí invertemos sentido e percorremos todo o vale entre cerros: a norte, a ultrapassada Estrela, a sul, a pedregosa Gardunha.

São terras de pecuária, pequeno comércio, artesanato, alguma industria antiga ligada à lanifícia. Nos vales recônditos ainda temos silêncios interrompidos pelas transumâncias dos pastores, entre freixos e carvalhos, amieiros e castanheiros. A restauração prepara comezainas à base carne de cabrito, entregando-se a entradas de enchidos e sobremesas de compotas e de queijo, destacando-se, claro, o Queijo da Serra.

Meandros de xisto e quartzito

Finalmente, a terra vê-se molhada e fértil, livre dos penedos serranos e das encostas abruptas. Deixámos o sopé que se encontra entre a Gardunha e a Estrela. Caminhamos para Oeste, seguindo a corrente do Zêzere.

Há campos de milho e de centeio, de batata e de feijão, nas zonas onde o rio chega ou quase chega. O xisto predomina, o quartzo dá de si. O azeite é explorado. A pesca faz-se com nova paz. Há praias fluviais e parques de campismo que dão aquilo que, até àquelas etapas, era um impossível sossego.

A actividade mineira, em algumas áreas já encerrada, marca a paisagem e a cultura. Era por entre estas voltas e contra-voltas impostas pelo Zêzere – os ditos Meandros do Zêzere – que barcas navegavam, transportando minérios e mineiros.

A partir de Janeiro de Baixo, a calmaria estanca com a precipitação de um Zêzere que volta a ser, de vez em quando, inóspito: a Garganta do Zêzere que o ateste.

Mais serras

Nas imediações de Cambas, voltamos às serras e aos seus pinhais, agora com a introdução de uma certa flora que anuncia alguma coisa do sul: loureiros e medronheiros e oliveiras e mesmo sobreiros vão aparecendo mais do que pontualmente. Carqueja, urze, tojos, esteva, fetos, acácias, rosmaninho e torga perfumam o percurso, parte dele, infelizmente, chamuscado por incêndios recentes.

São montes menos bravos do que aqueles que assistem ao parto do Zêzere, mas ainda assim abundantes. A cabra, o mais emblemático dos animais serranos, volta a encher os cardápios da restauração local. A Aguardente de Medronho também aqui é destilada, embora com menor fama do que a sua prima algarvia.

O declive de certos morros garantem a geometria certa para a construção de barragens, destacando-se a de Cabril, mas não só. São uma espécie de açudes modernos, geradores de energia, paralisadores de correntes. Garantem um Zêzere manso, de praias fluviais. Penalizam um Zêzere selvagem, de trutas sem fim. Entre um e outro, lontras cautelosas arranjam espaço para morar.

A tranquilidade

É na parte final do percurso, a partir de Pedrógão Grande sensivelmente, que a rota – e o rio – amainam. As encostas ficam menos agrestes e há espaço para um turismo mais populoso. Nem sempre foi assim, mas as paredes das barragens alteraram um cenário silvestre.

É por aqui que encontramos o mistério templário de Dornes. E as célebres praias do Trízio e do Penedo Furado, entre muitas outras. Todas elas gozam de posição privilegiada na gigante albufeira criada pela concorrida Barragem de Castelo de Bode. São as últimas rugas beirãs de um longo caminho que, daqui para baixo, é mais ribatejano do que qualquer outra coisa, quando as colinas vão amaciando até à planura que antevê a foz, na vila de Constância.

Daqui para a frente é Tejo. Acaba-se o Zêzere. Acaba-se a Grande Rota.

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