Olaria de Gândara
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A história da Olaria de Gândara traz na bagagem uma má notícia cuja revelação guardarei para o fim. Para já, importa explicar como as superfícies argilosas de Mortágua serviram de matéria prima para alguns dos mais graciosos barros do país, tão competentes quanto os expoentes de São Pedro do Corval, da Bajouca, de Bisalhães ou de Barcelos.
A argila no vale de Mortágua
O início da Olaria de Gândara pertence a um tempo em que ainda nem gente existia – há milhões de anos, quando a geografia actual começou a ser desenhada. Em torno deste pequeníssimo território, bruscas colisões foram levantando colinas, deixando aquilo que é agora o centro do concelho de Mortágua como um enorme vale para onde a água das serras escorria e estagnava. Esta mistura de terra e água produziu um chão gordo e plástico, fácil de moldar por mão humana.
Fenómeno semelhante pode ser presenciado bem perto daqui – por exemplo, na zona de Tábua ou de Côja, onde os vales cederam terrenos argilosos às suas populações. E no entanto, foi em Gândara, mais do que em qualquer outro arredor, que o homem decidiu ir de picareta nos braços retirar postas barrentas para delas fazer peças cerâmicas de excelência.
O vale de Mortágua, a azul
Jarra típica da Olaria de Gândara
O barro de Gândara
O processo de transformação de argila naquilo que hoje chamamos de barro vermelho é longo e paciente. Um método exclusivamente artesanal, que recorre à engenharia doméstica para amassar a matéria prima ao ponto de esta se tornar facilmente manuseável. As peças executadas são tratadas com a ajuda mecânica de um torno e esculpidas conforme a fluidez das mãos, num movimento simétrico, de ambos os lados, a incidir sobre a orla do bloco argiloso ainda em bruto. Executam-se essencialmente assuntos de cozinha – assadeiras, malgas, pratos, jarras, e até as caçarolas onde o ex-líbris gastronómico de Mortágua, a famosa Lampantana, é apresentado.
A diferenciação da Olaria de Gândara faz-se, como é costume, na fase seguinte – a da ornamentação. Além das habituais fissuras que, no seu conjunto, gravam figuras de motivos vários, há a coloração, que, neste caso, recorre ao verde ou ao castanho claro, quase creme. Os passos seguintes são relativamente usuais – a vidragem, com recurso a verniz; e a secagem, pelo fogo, através do calor de uma fornalha.
Os oleiros
Voltando ao princípio, há uma má notícia a dar: já não há quem pratique a Olaria de Gândara. Não os vi, e fiz por perguntar. Mesmo o posto de turismo de Mortágua não me soube indicar algum. É possível que haja alguma casa com uma oficina a produzir peças – mas se há, eu desconheço, e aproveito para perguntar ao leitor destas palavras se conhece algum. O que sobra são algumas fábricas que agora aproveitam os solos circundantes para a indústria da construção, sobretudo para a tijolaria.
Não vem como grande surpresa a falta de mão de obra. Os trabalhos artesanais foram chutados para um canto depois das linhas de montagem entregarem produtos em maior quantidade e menor custo. Só recentemente se começa a ver o ressurgimento de alguns artesãos, quando descobrimos que é preferível ter uma peça única, feita com gosto, do que uma reprodução martelada pela máquina. No entanto, em Gândara, quem trabalhava o barro foi procurar sustento a outro lado, e a descendência já pouco interesse tem em retornar às origens.
Ainda há peças, claro. Nas salas de estar, como elemento decorativo, e nas cozinhas, como louça de refeição. É estar atento. Porque daqui para a frente será cada vez mais difícil conseguir uma.
Mortágua – o que fazer, onde comer, onde dormir
Portugal ficará sempre em dívida com Mortágua depois de esta ter desgastado o exército napoleónico quando a Terceira Invasão Francesa chegou para tomar definitivamente o país - conhecessem os francos a Lenda do Juiz de Fora e saberiam que, neste terra, não se brinca. O confronto ocorreu na franja sul do actual concelho, comummente conhecida como Batalha do Bussaco, e ainda hoje podem ser vistos os moinhos onde Wellington, do lado inglês, e Masséna, do lado francês, descansaram e prepararam o plano de ataque. Na sede de município, um Centro de Interpretação da batalha pode também ser visitado.
Deixando o passado, outros pontos de interesse do concelho recomendáveis são o Santuário do Senhor do Mundo (o monsanto mortaguense, numa colina a sul da vila), o Santuário de Chão de Calvos (cenário onde acontece a Feira dos Calvos, em Outubro) e o belo Percurso das Quedas de Água das Paredes (um dos poucos redutos que não foi engolido pelo negócio do eucalipto).
O que não pode falhar é um faustoso almoço de Lampantana, o prato tradicional cá do burgo, a lembrar a Chanfana mas, de acordo com os mortaguenses, com ovelha em vez de cabra, e idealmente cozinhada no quase extinto barro vermelho de Gândara. A Adega dos Sabores e o restaurante A Roda servem-na com distinção. Também restaurante mas já encostado à confecção de lambarice, está o magnífico Porta 22, responsável pela saborosa Delícia de Mortágua.
Para dormir, as casinhas de madeira da Mimosa Village, afundadas entre serras, são apetecíveis. Mais impessoal, mas com piscina, temos a Casa de Santo António, bem perto da albufeira da Barragem da Aguieira, um dos melhores destinos balneares de todo o distrito de Viseu.