Barro Preto de Bisalhães
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Foi de mais sítios, mas apenas uma pequena aldeia nos termos de Vila Real conseguiu, a pulso, mantê-lo. O Barro Preto de Bisalhães já é UNESCO. Mas o selo internacional não é, por si só, milagroso. É preciso mais para que os nossos filhos o possam um dia comprar sem ser em feiras de antiguidade.
História
A concepção de vermos Vila Real como um concelho de oleiros vem de época medieval, para dizer o mínimo. Em documento do século XIII, são mencionadas as barreiras existentes no Mosteiro do Pombeiro e a ida de artesãos lá, para recolher matéria prima a troco de algum tipo de pagamento. Mais tarde, o próprio foral de Vila Real menciona a olaria como uma das actividades a ser regulada.
Destacavam-se, à altura, as zonas de Lordelo e de Mondrões como as mais propensas às esculturas barrentas. O barro e os ofícios a si ligados, nos séculos XVI e XVII, cresciam de década para década. Até que, na esteira deste crescimento, sensivelmente a meio do século XVIII, caiu a boa nova: a demarcação dos vinhos do Douro pensada pelo Marquês de Pombal, com tudo aquilo que daí advinha. Necessidades que, até ali, nunca tinham aparecido, despertaram. Eram precisos muros que separassem terrenos e socalcos que aplanassem encostas, por quilómetros e quilómetros, numa alteração de paisagem nunca antes vista em Portugal. A argila ajudava à construção. A procura pelo barro aumentou. E o mercado da olaria navegou à bolina por uns bons anos.
Mas tudo tende a ter um fim. E se o século XIX já registou um abrandamento, o século XX foi um decurso parco em rentabilidade. A um decréscimo natural da procura juntaram-se contingências que só empurraram as actividades da olaria mais para o fundo. A estrada nacional que liga o Porto a Vila Real, onde se concentravam muitos oleiros a vender as suas peças, viu o seu papel secundarizado com a conclusão do IP4. Desviaram-se as lojas para o eixo norte da cidade, mas a solução não chegou para compensar a quebra nas vendas. Certas freguesias viram os seus oleiros morrer sem passar a chama a gerações vindouras, habitualmente menos interessadas num ofício que é, dizem, demasiado sujo. Chegou, entretanto, o plástico, acessível a todos, e barato. A lógica dos produtos substitutos entrou no mercado, acabando com quase todos os artesãos do concelho. Quase. E quase porque Bisalhães resistiu. São poucos, muito poucos, provavelmente contam-se com uma ou duas mãos. Mas ainda os há. No tal eixo norte de Vila Real, onde dispõem a sua louça para quem a quer comprar. Ou na indiscreta Feira dos Pucarinhos, uma festa junina, de São Pedro, mas adaptada à cultura vila-realense.
A segunda década do século XXI trouxe, vá lá, duas boas notícias: num ano o Barro Preto de Bisalhães foi considerado Património Nacional, e logo no seguinte foi reconhecido como Património Mundial, pela UNESCO. Chega? Claro que não. É melhor do que nada, ainda assim, e um boa âncora para a recuperação.
Processo
O barro que é trabalhado vem, normalmente, do concelho de Chaves. Antes, contudo, o fornecimento chegava das barreiras de Parada de Cunhos, terrenos argilosos bem perto de Vila Real, onde os oleiros de Bisalhães se deslocavam para dar início ao processo criativo.
O material é escolhido, colocado num pio (recipiente largo e alto) e batido com a ajuda de um pico, uma espécie de martelo amadeirado. Depois de se transformar em pó, é passado pela peneira e despejado para um alguidar onde se irá misturar com água. Deste combo resulta o que os oleiros chamam de péis, massas ainda molhadas que deverão ser espalmadas e esmurradas, usando-se apenas a força das mãos. Daí nasce o embolado, e só aí estamos prontos para o momento alto de todo o processamento: a criação.
A peça, ainda em bruto mas humedecida, entra na roda. O barro, volúvel, vai ganhando a forma que o mestre lhe quer dar. Pequenos toques produzem mudanças significativas na louça. Por vezes, usam-se pequenas hastes de madeira para ir onde os dedos não chegam. Começa então a aparecer uma figura. Com o passar dos segundos, é cada vez mais reconhecível – uma jarra, um pote, uma caçoila… tudo tão rápido e subtil, como se fosse um exercício de prestidigitação.
Depois, vem a decoração. E é neste momento que nos apercebemos da rigorosa separação do trabalho. Se até aqui tudo foi preparado e executado pelo homem, o ornamento é, quase sempre, tarefa da mulher. Com pedras lisas vai-se alisando a superfície da peça. O objectivo é aplanar o mais possível aquele relevo irregular do barro. Depois segue-se o traço que reproduz motivos vegetalistas ou apenas linhas geométricas. Eventualmente, dependendo do objecto, o homem poderá colar pequenos pedaços de barro à obra, também eles decorativos.
Por fim, entramos no passo mais iconográfico de todo o processo: a cozedura. Os típicos fornos que podem ser vistos em Bisalhães, alguns deles em estado crítico, testemunham uma arte distinta de enegrecer a argila. São montados em zonas com declive suficiente para que haja uma separação natural entre o sítio onde se deposita a louça – mais acima – e o sítio de entrada do carvão – mais abaixo. O cozer do barro começa devagar, em baixo lume. É durante o pequeno aquecimento do forno que se vão colocando as peças, uma por uma, em pirâmide, começando das maiores para as mais pequenas. Só depois de toda a louça estar ordenadamente encavalitada é que se dá gás ao fogo. Assim é deixado por uns tempos até que vem o abafamento, termo dado à parte em que todos os objectos são tapados – por cima das peças colocam-se ramos retirados ao mato (de giestas e de carqueja) intensificando o fumo, e conclui-se com o despejar de terra e de cinza no topo e na boca do forno, tapando-o por completo. É assim, com esta falta de respiração, que o castanho vira preto. Por duas ou três horas o trabalho reduz-se a uma só tarefa: rolhar qualquer buraco que apareça e que sirva de ponto de fuga do oxigénio.
Findo este último capítulo, destapa-se o forno e recolhem-se as peças. É normal que haja alguns perdidos em combate, sobretudo nas louças mais pequenas, que poderão partir quando levaram com a terra em cima. A maioria, no entanto, sobreviveu, e estará pronta para ir para a montra.
Vila Real – o que fazer, onde comer, onde dormir
Vila Real vive da sua posição à beira do Douro. É a sua personalidade vinhateira que, misturada com os ares da serra (o Marão está logo ali à espreita), a tornam idiossincrática.
É imperativa uma visita ao relaxante Parque do Corgo, à Casa de Mateus e ao Santuário de Panóias. Conhecer os dois lados da Festa do Pito, que acontecem em dois momentos diferentes do ano, serve de introdução aos curiosos costumes vila-realenses, bem como assistir à criação do ímpar Barro Preto de Bisalhães, vendido posteriormente na parte norte da cidade ou na secular Feira dos Pucarinhos, no dia de São Pedro.
Para dormir, as quintas são um regalo. Há muita escolha. Ficamo-nos por fazer notar a Quinta da Corujeira (que nos integra em tarefas comunitárias da região - seja a vindima, o varejar da azeitona, a desfolhada ou a matança do porco) e a Casa da Quinta de São Martinho (moradia em pedra, seiscentista - contempla ainda, caso não exista a hipótese de ficar na casa principal, a hipótese de estadia em duas outras casas). Não se assumindo no título como uma quinta, embora o seja, é para nós um dever mencionar a Casa Agrícola da Levada Eco Village, já famosa e com todo o mérito.
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