Lousada – o que fazer, onde comer, onde dormir

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Se calhar a melhor forma de começar isto é citando outra pessoa, ainda para mais estrangeira, que tem sempre uma predisposição maior para a neutralidade quando é para falar do país. Cruzei-me com um artigo de Fitch O’Connell sobre Lousada e não resisto a extrair um pedaço dele por decalcar exactamente o que me anda na cabeça sempre que deambulo pelo concelho: “Sempre me orgulhei de ter um sentido apurado de direcção e de lugar. […] Não é assim em Lousada.”.
Senti algum alívio ao ler o rotundo statement de Fitch O’Connell. Não o conhecendo, relacionei-me com a confissão. Com efeito, em Lousada, ando constantemente perdido. Se não for o sol, raramente sei para onde estou virado. Pela noite, ora estou de frente para a Polar como no segundo seguinte uma curva em cotovelo atira a estrela para as minhas costas, e sem que eu dê conta. Todos os caminhos e vias e veredas são sinuosos. Cada destino conta com dez formas diferentes para lá chegar.
E porquê? Não andamos, no fim de contas, num vale de pequena irregularidade orográfica, de “brando pendor”, como escreveu Sant’Anna Dionísio, onde o rio Sousa nem sequer é gordo o suficiente para ser obstáculo? De onde vem tanto meandro se não há acidente natural que o justifique? Para quê dar dez alternativas de percurso se duas ou três chegavam?
Sem certezas, porque em Lousada nem tudo é certo, aventuro uma resposta: o território lousadense foi, desde tenra idade, uma manta retalhada de feudos com relativa independência da coroa. Reflectiam o poder da alta e baixa nobreza que se fechava nos seus pequenos reinos, cada um com sua sentença. A juntar à complexidade de ser lugar de muitas fronteiras havia a incerteza de muitas delas serem discutidas ou disputadas por dúzia e meia de famílias que se apoderaram do cantão.
Este aspecto veio a definir o município desde a fundação do país – na verdade, até antes disso. Hoje como ontem, a comunidade lousadense habituou-se a ser uma amálgama de povoados e de casario. E o asfalto, como linha de água no meio de penedia, foi e vai-se adaptando ao ímpeto de construção.
Mesmo a vila de Lousada, que deveria ser de óbvia identificação, é difícil de limitar. Não fosse o bonito Pelourinho, que acaba por fixar o coração da comunidade, e mal sabíamos qual o centro geográfico do burgo. Sem darmos conta há uma nacional que do centro lousadense nos põe em Lodares, ou Novelas, ou Caíde. De uma para a outra, poucos minutos passaram e nunca se deixou de ver gente, casa, loja, escritório. Isto é outra terra, pergunto-me? Por um lado sim, por outro não.
A melhor forma de o explicar é que em Lousada quase tudo é outra terra, e por alguma indecifrável lógica todas elas fazem parte da mesma. Um amontoado de velhos casais rebuscados à época senhorial, entretanto misturados com uma invasão imobiliária que procura tirar vantagens dos excelentes acessos de que o município actualmente goza, centrado na confluência da A4, com a A42, com o IP9, mais a linha ferroviária que, vinda do Porto, atravessa Meinedo e Caíde.
É verdade que Lousada nunca gozou da industrialização de alguns dos municípios vizinhos, como Penafiel, como Vizela, como Paços de Ferreira. Mesmo assim, continua confusa e difusa. Até as insinuações de ruralidade, como os prolíficos campos de vinha e cereal, enganam – afinal esta videira toda é de quem?, daquele solar ali escondido por trás do condomínio?, da moradia recém requalificada no sopé da colina?, do armazém abeirado da estrada municipal?.
Roteiro histórico
É, por isso, difícil estabelecer um método para visitarmos o concelho. Se calhar o melhor é começar pelos monumentos fundadores da nacionalidade, a maioria deles já reconstruída ou requalificada, mas que nos atiram quase sempre para o passado românico do Norte português – um românico que veio do centro da Europa e ganhou nova cara aquando da criação dos novos reinos cristãos europeus.
Os monumentos românicos lousadenses são muitos, e compensam a relativa falta de património megalítico ou castrejo: a Igreja do Salvador de Aveleda, de belos painéis interiores; a Igreja de Santa Maria de Meinedo que desvela a história de uma provisória sede do Bispado do Porto; a isolada Igreja de São Miguel, com lendários cachorros cuja origem o povo atribui aos mouros. Há outros exemplares de digna visita, alguns fora da religiosidade, como as pontes de Espindo e de Vilela. E temos o Centro de Interpretação do Românico, um maravilhoso edifício num dos principais largos da vila que sumariza o estilo românico com clareza e fluidez. Mais recentes, mas mantendo os tons pardos dos monumentos sobreditos, são as Capelas de São Cristóvão e de Santa Águeda situadas a meia encosta junto a Sousela, associadas a profanos cultos à água.
O património religioso pode e deve ser intercalado com a ida a alguns dos solares mais importantes do município – afinal, estes Coutos (domínios clericais) e estas Honras (domínios senhoriais) remetem para a inauguração de uma nova pátria, a portuguesa, ainda que muito heterógenea, nos costumes, no trabalho, na organização do poder. É nesse contexto que aparece nestes termos D. Gonçalo Mendes, mordomo-mor de D. Afonso Henriques, popularmente conhecido como o Sousão, nome aumentativo que roubou ao rio. A par com os Sousões, também os de Riba Vizela prolongaram a sua descendência nestas terras. Os Sousas e os Riba Vizela apresentam-se como duas das mais antigas famílias portuguesas (eu sei, todas as famílias são antigas, mas aqui falo das que conseguimos rastrear até muitas gerações atrás), e assim podemos concluir o quão importante foi o território de Lousada nos pesos e medidas que, ora facilitavam, ora dificultavam, a vida ao rei.

Nos caminhos do rio Mezio

Ponte de Espindo, engenharia românica
Em relação a este último ponto, é justo dizer que, apesar das grandes Casas funcionarem como contraponto ao absolutismo real, veio deste território do vale do Sousa boa parte da casta que serviu D. Afonso Henriques na Batalha de São Mamede, numa luta pela autonomia do Condado face às vontades unionistas galegas de D. Teresa e dos Travas. Como tal, se o país pode hoje conjugar o verbo ser, deve-o em larga parte aos brasonados de Lousada.
E por isso, no que toca a quintas e herdades da velha nobreza lousadense, não se hesite. Há dezenas de opções a explorar, mas atenção que apenas algumas casas senhoriais são visitáveis – outras poderão ser fisgadas do lado de fora, o que já não é nada mau, e outras que nem isso, tapadas por altos muros graníticos. A Casa de Vila Verde e a Casa de Juste são das favoritas deste escriba, a primeira de uma elegância inaudita, a segunda engolida por admirável floresta. A Casa de Vilar é hoje um museu dedicado à sétima arte. Quanto à Torre de Vilar, que já não é exactamente um solar, perfila-se como um dos poucos exemplos nacionais de uma arquitectura vertical, ao jeito militar, cujo propósito era sobretudo de exibição da força do seu dono. Mas há tantas mais, a julgar pela contagem de portões férreos de brasão estampado. Se realmente se quiser picar o ponto da maioria do património senhorial de Lousada, aproveite-se o Festival Internacional de Camélias, realizado na Praça das Pocinhas em pleno Inverno, porque muitas das casas que estão fechadas a público podem abrir portas nesta altura, ao abrigo do programa “Jardins com História”.
E já que se fala de festivais, tem o município dois de nível nacional: a do Senhor dos Aflitos, realizadas em Julho, que na verdade são as festas do concelho por excelência, com procissão diurna e nocturna e os excessos típicos das Grandiosas, como era (e tornou a ser) o caso das Vacas de Fogo; e a Romaria da Senhora Aparecida, um mês depois, em Agosto, de grande afluência, em particular pela invulgar desproporção dos seus andores.
Não muito longe do santuário da Senhora Aparecida que dá palco à romagem acima mencionada fica a Mata de Vilar, uma malha de floresta que privilegia a sustentabilidade gerida por gente entendida. Mistura árvores autóctones e exóticas e condensa a fauna e a flora comum ao vale sousão. Está, por regra, fechada ao público, mas com uma chamada pode ser planeada visita, e com sorte, como aconteceu comigo, a turnê poderá vir acompanhada de guia. Do lado oposto do concelho, isto é, na banda poente, há igualmente património natural disposto a ser desvendável, sobretudo na serra que o povo colou a Santa Águeda, recortada por um rio Mezio de fino traço acabadinho de nascer.

Uma obra marcante: o Centro de Interpretação do Românico

A Casa de Vilar, hoje museu

O rio Sousa quando cruza a Ponte de Vilela

Lousada não desistiu do seu Verde
Onde comer
Lousada é famosa por alguns pratos típicos – não só da concelhia mas também da vizinhança – como o Bazulaque, um sortido de vísceras de cordeiro que vão a guisar; a Sopa Seca, doce à base de pão saído das cozinhas de baixo rendimento; ou o Sarrabulho Doce, uma sobremesa que aproveita o sangue das matanças do porco. Ambos contam com confrarias lousadenses que visam a sua divulgação.
Famoso é também o queijo que lá se produz, em especial o flamengo, da marca Trevo, cujas instalações aproveitam um antigo solar na Quinta da Tapada. Infelizmente, quando lá fui, a casa encontrava-se em obras de recuperação. Uma voto de regresso fica feito, porque o pouco que se consegue ver da entrada promete. A fábrica, entretanto, é filha de uma longa tradição de produção de lácteos caseiros, sobretudo de manteiga, criada por várias famílias que dispunham de gado.
Depois temos os vinhos. Os Verdes de Lousada, representados por vinhas das velhas famílias do concelho (como os da Casa de Vila Verde, os da Casa de Juste, os da Quinta de Lourosa), resultam em parte das tradicionais vinhas de enforcado, uva trepadeira que se alça aos três ou quatro metros de altura. Em Meinedo, por outro lado, há um interessantíssimo projecto alquimista de nome Sem Igual (ou 100 Igual) que oferece modernos Verdes entre o clássico e o experimental, ora brancos, ora tintos, ora rosados.
Quanto a restaurantes, começando pelos de preços mais convidativos, temos a muito escondida Casa da Azenha, perto da nascente do Mezio, uma tasca típica parca em pratos – mas os que faz, faz bem. A Taberna Tentação da Vila serve comida simples e sem maquilhagem, mas saborosa como poucas, com destaque para o javali estufado. E no extremo nordeste há o Caçador Troca a Nota – de onde virá tal nome? -, conhecido pela posta de vitela mas com bom domínio de outro tipo de grelhados.
Um pouco acima em termos de orçamento, temos o Foral, no centro da vila: com look contemporâneo e gerência competente, facilmente cabia nos centros históricos de Lisboa ou do Porto. Mesmo assim, não esquece as raízes da comida tradicional portuguesa. Essencial. Neste registo, e continuando na vila de Lousada, também é lembrar o Assembleia, com garrafeira farta em vinhos, e o Visconde, a uns cem metros de distância do primeiro, com esmero no preparo dos sobrepastos. Finalizo com o meu restaurante favorito do concelho, a Quinta de Cenovezas, que além de bonito serve doses generosas muito apuradas.
Onde dormir
Depois do que já se disse acerca da disseminação de gente e de comércio um pouco por todo o concelho, é natural que a hotelaria também obedeça à regra e se espalhe com alguma aleatoriedade pelo município lousadense.
Aliás, a vila de Lousada propriamente dita, se está bem servida de comidas e bebidas, por outro lado mal tem sítios onde dormir. Para procurar bons cómodos o melhor é ir para as franjas: a Casa do Douro & Porto em Caíde de Rei, hodierna e com o extra da piscina; a hospitaleira Casa Ponte de Espindo, num dos lados da ponte homónima, com o Sousa a molhar-nos os pés; ou a simpática My Portugal for All, em pedra, já encostada ao limite oriental da concelhia.
O já gabado projecto 100 Igual, conhecido pelo trabalho de aprofundamento dos Verdes de Lousada, também disponibiliza camas com a sua Casa da Portela. E, por fim, a excelente Casa de Juste, uma quinta-casa-loja que se mantém na mesma família por gerações e que, sem grande esforço, me conquistou à primeira visita.
Promoções para dormidas em Lousada
Mapa dos lugares a visitar em Lousada
Coordenadas de GPS: lat=37.94448 ; lon=-7.59763