Capelas de São Cristóvão e de Santa Águeda

by | 9 Jan, 2025 | Douro Litoral, Lugares, Monumentos, Províncias, Religiosos

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Lousada viu muito do seu território comprado para os usos e abusos do mercado imobiliário. Ainda assim, junto à linha de fronteira que o concelho marca a noroeste e a nordeste, guarda algumas manchas de maior ruralidade, ainda relativamente inatacadas por andaimes e betoneiras. Ora, num desses espaços, a norte da sede de concelho, largando o vale de Sousela e subindo em direcção à nascente do rio Mezio, damos com um duo de capelas a meia encosta ensanduichadas entre um rio (a poente) e um ribeiro (a nascente).

A primeira ermida a ser construída foi a de São Cristóvão, e é a que se encontra mais abaixo, de maior tamanho, e dotada de estatuária com representação de São Tiago (a cavalo), São Brás, e Santo Ovídio. Data de 1650 e inicialmente era composta apenas pela nave. Mais tarde acrescentou-se a capela-mor, nas traseiras, e o alpendre, na dianteira. A segunda ermida está uns passos a montante da primeira e mais depressa se classifica como uma alminha de avultada dimensão. O povo cunhou-lhe o nome de Capela de Santa Águeda, embora a designação possa resultar de uma embrulhada histórica.

A Capela de São Cristóvão

Diz-nos Cristiano Cardoso que a Capela de São Cristóvão se levantou à conta de um milagre testemunhado por uma mulher – um milagre da água, pode dizer-se, porque de fraga seca soltou-se um repuxo que não mais parou. Um trecho de 1706 escrito por um padre aqui residente parece confirmar a afirmação: “aqui está a fonte santa de São Cristóvão a qual se deu a ver a uma mulher”, e a seguir a isso acrescenta que o furo de água rebentou “em tanta quantidade” que dele se fizeram três bicas.

Escusado será dizer que o fenómeno gerou boca a boca. Em pouco tempo, a água que dali jorrava foi vista como uma manifestação sobrenatural, uma dádiva celeste, e, consequentemente, material terapêutico para determinadas doenças ou feridas. As crescentes visitas à fonte milagrosa passaram a ritual regional. Quem não gostou muito destes ritos de compleição pagã foi o abade que administrava o lote, que em pouco tempo lhe assentou uma capela em cima, com dinheiro do seu bolso, de maneira a que, se realmente um milagre tivesse acontecido por cá, antes fosse o milagreiro um bem-aventurado da religião oficial – a católica.

À nova capela escolheu-se São Cristóvão como orago, e passou o templo a cumprir duas missões: a primeira de supervisionar (e, até certo ponto, substituir) o culto naturalista que o povo prestava à fonte curativa e profilática; a segunda como portagem para recolha de donativos como forma de financiar o centro paroquial. O fluxo de gente não deverá ter abrandado porque cerca de oitenta anos depois acrescentou-se a capela-mor. Nessa altura, juntou-se à imagem de São Cristóvão colocada no interior uma segunda, esta feminina e dedicada a Santa Águeda.

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A Capela de Santa Águeda

Quanto à Capela de Santa Águeda, há mais incertezas do que certezas. Para começar, podemos considerar este edificado realmente uma capela? Não existe nave nem qualquer espaço de celebração litúrgica. A nível histórico, o pouco que sabemos sobre o presente monumento é que guardou um cristo crucificado, entretanto trasladado para a Igreja Matriz de Sousela, mais ao fundo do vale, e como tal estarei mais inclinado para reduzi-lo à condição de alminha ou de nicho – um nicho imponente, é certo, mas um nicho.

O que me leva à pergunta: não poderá o povo ter dado o nome de Capela de Santa Águeda a este objecto como forma de reorganizar o espaço sagrado? Nem dez passos ao lado havia uma capela que desde o século XVIII contava com dois cultos – como vimos acima, um a São Cristóvão, outro a Santa Águeda. A chegada de uma nova construção de cariz religioso pode ter sido aproveitada para atribuir uma casa diferente a cada um dos santos cá cultuados.

Há, porém, duas lendas relatadas sobre esta Capela (ou Alminha) de Santa Águeda que poderão ajudar a compreender melhor a sua razão de ser.

Numa temos a habitual teimosia de uma imagem que quer regressar à sua casa-mãe sempre que é retirada do sítio. Conta-se que houve locais que quiseram trazer a imagem de Santa Águeda de lá do topo do monte onde morava, numa capela levantada para sua devoção, para junto da imagem de São Cristóvão. Mas logo que o faziam, no dia seguinte despertava de novo no topo do monte. A ocorrência repetiu-se por dias, talvez semanas, quem sabe anos. E a santa só aceitou o novo refúgio como sua definitiva morada quando destruíram a ermida primitiva lá no cimo.

Noutra a história é ligeiramente diferente. Havia sim uma capela que protegia a imagem de uma Santa Águeda, mas numa tempestade a capela foi arrastada pela terra lamacenta colina abaixo até se fixar mesmo em cima da fonte de três bicas de onde brotava a água miraculosa.

Ambas as narrativas, descontando os exageros lendários, dão conta de uma fé que pode ter sido real. A Santa Águeda (que até é um dos nomes atribuídos a esta serra) e a sua devoção migraram de montante para jusante, seguindo o destino do rio Mezio. Inicialmente, misturaram a sua veneração à que se praticava também a São Cristóvão. Depois, com a edificação de uma alminha que veio complementar a bica, a adoração passou a ser distribuída por dois espaços, isto apesar de as imagens adoradas se encontrarem dentro da capela que consideramos ser de São Cristóvão.

As festas a Santa Águeda

O dia 5 de Fevereiro, data celebrativa de Santa Águeda, é de festa nestas paragens. Saem os crentes das suas casas e, com marmita preparada, passam cá o dia. As pessoas que mais votos fazem à bem-aventurada são as mães recentes ou as futuras mães. Pedem as fiéis que a santa preserve o leite do seu seio para que os seus filhos cresçam saudáveis. Santa Águeda foi martirizada, tendo os seus seios sido cortados e colocados numa bandeja, e é por isso chamada a intervir nas causas da amamentação. Que por vezes o vulgo se lembre de Santa Águeda em zonas montanhosas, como é este o caso, pode ser explicado pelo facto de um cerro se assemelhar à forma de um seio feminino.

Assim, podemos ver que o culto principal aqui praticado é focado em Santa Águeda e não tanto em São Cristóvão. De onde virá, então, a escolha de São Cristóvão?

O sobredito santo é considerado personagem lendária. O seu nome advém do grego, e completa christos com pherein, o que traduzido à letra significa qualquer coisa como o que carrega Cristo ou transportador de Cristo. Conta-se que Cristóvão era homem grande, talvez mesmo um gigante, e que, por isso, foi encarregado de ajudar peregrinos na travessia de rios, levando cada um às suas costas. Num dia, uma criança empoleirou-se no seu dorso para cruzar um ribeiro. Cristóvão levou-a consigo mas apercebeu-se que, à medida que andava, a criança ia ficando mais pesada. No fim, repara que quem transportava era o próprio Cristo, ainda menino.

Que se tenha invocado São Cristóvão para este lugar não me parece estranho. Afinal, trata-se de uma ladeira de alguma inclinação (o que remete para o peso que Cristóvão carrega às suas costas) e com um rio em correria até ao vale (o que remete para o trabalho de Cristóvão como transportador de quem quisesse atravessar cursos de água). Poderiam eventuais caminhantes (até potenciais peregrinos à primitiva capela de Santa Águeda quando esta se encontrava no cocuruto desta colina) clamar pelo auxílio de São Cristóvão quando por aqui passavam? É possível. A verdade é que a afamada abundância da fonte das três bicas ressequiu, e hoje quase nunca a vemos a expelir água – foi-se o culto da água, ao qual São Cristóvão era colado, e sobrou o outro, o da serra (ou do seio), festejado anualmente a 5 de Fevereiro.

Fachada e estatuária da Capela de São Cristóvão

São Tiago, ao centro, montado em cavalo, acompanhado por Santo Ovídio e, ao fundo, São Brás

Capela junto à fonte das três bicas

A capela que hoje se atribui a Santa Águeda sobreposta à fonte milagrosa

Estátuas de Santa Marta, Santo Amaro, e Santa Apolónia

Estátuas posteriores da Capela de Santa Águeda – Santo Amaro ladeado por Santa Marta e Santa Apolónia

Um dos muitos portões de acesso às Honras feudais

Lousada

Um curto roteiro histórico com o melhor de Lousada. Surpreendentes destinos, saborosos repastos, sossegadas dormidas.

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Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.31079 ; lon=-8.31258

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