Festas Grandes do Senhor dos Aflitos

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A homenagem ao Senhor dos Aflitos, templo instalado desde o século XIX no Monte das Pedrinhas, bem no centro da vila, transformou-se gradualmente nas Festas Grandes (assim mesmo, no plural) do concelho de Lousada. São seis dias divididos entre farra e oração concentrados no final do mês de Julho. Muita fé, muita música, e muita luz.
As promessas ao Senhor dos Aflitos
O Senhor dos Aflitos é habitualmente representado por Cristo a carregar a cruz ou por Cristo já crucificado. O nome que lhe é dado não podia ser mais gráfico: um Cristo protector dos aflitos estando ele mesmo a passar por inimaginável aflição. É, desta forma, normal quando lemos acerca das promessas a si feitas, regra geral relacionadas com situações de agonia (ou física, ou financeira, ou moral) da parte do devoto ou de um terceiro que o devoto estima por amizade ou familiaridade.
O culto ao Senhor dos Aflitos neste torrão do Vale do Sousa é secular. Uma capela foi-lhe dedicada no ano de 1840, empreendimento de um comerciante lousadense, o que leva a crer que a devoção fosse anterior ao referido ano ou que, em alternativa, a capela tenha sido levantada como cumprimento de uma promessa. Inclino-me mais para a primeira hipótese dado saber-se que a peregrinação ao pequeníssimo templo rapidamente ganhou fiéis, o que me faz considerar que a adoração ao Senhor do Monte das Pedrinhas vinha de trás. Soares de Moura descreve o edifício original como uma “pobre, desprezada ermida” complementada com um sino “pendurado numa árvore”. Tudo se afigurava meio tosco, mas ainda assim indicativo de que, neste exacto lugar, num pequeno cabeço no âmago do burgo lousadense, havia uma dimensão sagrada. Esses caminhantes que procuravam na imagem do Cristo na cruz uma salvação para os seus desassossegos são provavelmente a génese daquilo que viriam a ser as Festas Grandes.
Em 1860, vinte anos depois do levantamento da humilde ermida primitiva, e no seguimento do aumento da devoção ao Senhor dos Aflitos, em boa parte decorrente do aumento da população de Lousada, chegou à mesa a ideia de uma nova igreja mais em linha com a importância do culto. Demorou cerca de trinta e cinco anos a concluir-se. No final do século XIX, estava pronta a receber pessoas e preparada para receber as festas. E foi aí que o filantropo Manuel Peixoto de Sousa Freire, Presidente da Mesa da recém-fundada Santa Casa da Misericórdia de Lousada, empurrou a festa para outra dimensão.
O crescendo, subtraindo pequenos períodos de hibernação, nunca mais cessou. Os bombeiros passaram a estar cada vez mais envolvidos nas celebrações, até ao ponto da romagem parar defronte do quartel, com todo o corpo em sentido perante a abençoada imagem e a sirene a tocar em agradecimento – uma tradição que se manteve até ao presente e que, para muitos, significa o ponto alto doa dia. Ao mesmo tempo, à romaria foram-se juntando profanidades de toda a espécie. A segunda-feira seguinte ao Domingo da Majestosa Procissão tornou-se feriado na concelhia, em substituição do antigo, celebrativo da subida da povoação à condição de vila. Grão a grão, um evento que era maioritariamente religioso transformou-se na maior festividade do concelho – aquela que congrega todo o município, que magnetiza gentes das terras circundantes (em particular de Penafiel), e que faz retornar a diáspora à terra natal.

Baldes prontos para a tradição das velas

Concurso Pecuário no Senhor dos Aflitos
As Grandiosas de Lousada
Além da procissão do Senhor dos Aflitos acima descrita, que como se viu é o embrião das actuais festas, o programa estende-se por diversas temáticas, algumas delas convencionais quando comparadas com as restantes Grandes Festas nortenhas, outras de inequívoca singularidade.
Começando pelas actividades de chapa cinco.
Na música, os concertos de fim de noite são já da praxe, entre os repetidos nomes da pop e da canção ligeira, até aos madrugadores DJs que captam o público jovem, de um modo geral mais afeito à agenda nocturna do que diurna. Numa componente mais regional, os tradicionais grupos de Zés Pereiras, as filarmónicas e as tunas marcam o calendário nas horas do sol.
Da mesma forma, o concurso de pecuária que ocorre na manhã de Sábado é fenómeno constante de outras vilas e aldeias portuguesas, ora mais direccionado para o gado suíno ou ovino, ora para o bovino ou caprino, conforme a região em causa. Igual sentença dou à Vaca de Fogo que cá se realizava, tradição comum nas festividades no eixo meridional da nação, mas que desde o meio da década de 2010 foi abolida (ou quase, porque há uns benditos oposicionistas à parvoíce desta proibição, mas sobre isso falarei noutro texto).
Mesmo a Marcha Luminosa guardada para o dia do feriado municipal, ou seja, para segunda-feira, encontra paralelo em outras terras de Portugal, com maior intensidade na zona Norte. Aqui, ao passo do som marcial de bombos minhotos, ela é feita com um pelotão de carros alegóricos, semelhantes àqueles que parodiam a vida das comunidades locais e da política da nação por altura do Carnaval, mas desta vez com uma componente de promoção cultural ou etnográfica ao concelho.
A diferenciação em relação a demais festas do concelho chega com dois eventos marcantes: o passeio de pasteleiras e a tradição das tigelinhas. O desfile de pasteleiras (falo de bibicletas pasteleiras, não de mulheres pasteleiras) na Avenida do Senhor dos Aflitos, evento fixado no início da tarde de Sábado, é precisamente aquilo que o nome indica, um giro de velhas biclas feito por gente trajada para o efeito. As tigelinhas são um acontecimento extraordinário que consiste na colocação de tigelas (ou objectos semelhantes, como baldes) com velas no monte do Senhor dos Aflitos e no seu sopé para serem posteriormente alumiadas – à noite, com as luzes públicas desligadas, o painel da Igreja do Senhor dos Aflitos vira deslumbrante.
Esta tradição das tigelinhas leva-me a perguntar se não haverá alguma relação com as comemorações de São João que acontecem um mês antes em determinados pontos do país. O São João é uma festa solsticial. Celebra-se na altura em que o solstício de Verão ocorre. Daí a sua obsessão com o fogo ou com a luz – desenvolve-se como uma ovação à nossa estrela, o sol, nas fogueiras e nos balões sanjoaninos. Poderão estas luzes que se acendem dentro das tigelinhas dispostas em torno do Senhor dos Aflitos ser remanescentes de velhas festas realizadas no mês de Junho e não de Julho? Há notícias de periódicos do século XIX, em concreto do Penafidelense, que confirmam o cumprimento das festas no dia 24 de Junho, dia de São João… É bem possível, por conseguinte, que as Festas Grandes de Lousada sejam um São João com um atraso de trinta dias. O que não tem mal nenhum. Antes tarde que nunca.

A procissão pelo centro da vila

A actual Igreja dos Senhor dos Aflitos iluminada em dias de festa
Lousada
Um curto roteiro histórico com o melhor de Lousada. Surpreendentes destinos, saborosos repastos, sossegadas dormidas.
Promoções para dormidas em Lousada
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.27744 ; lon=-8.28326