Mata de Vilar

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Como muitos outros perto de si, o concelho de Lousada sofre das vantagens que tem. Lacerado pela convergência de várias autoestradas, tocado por linha férrea com partida na cidade Invicta, entalado entre concelhos de secular industrialização, e pressionado pela fuga demográfica às rendas altas do centro urbano portuense, o município cresceu sem critério e, em muitas das vezes, sem gosto. É justo dizer que não está sozinho, e que o destino de Lousada das últimas décadas é aplicável a qualquer concelhia vizinha integrada no outrora chamado Douro Litoral, antiga província agora confundida com a área metropolitana do Grande Porto.
Sempre foi assim. O que é bom nem sempre faz bem. Às vezes, cada passo na direcção do progresso tira-nos um pé da civilização. Por isso, que no meio de apartamentos recém-construídos e de vigas e argamassas de apartamentos que estão por construir haja um refrigério chamado Mata do Vilar, não só se aplaude, como me incita a perguntar de onde veio o milagre?
Uma das respostas obtive-a na visita. A equipa que o município contratou é tecnicamente competente, esforçada, disponível, sabe do que fala e ainda mais do que gosta. Conheci um dos elementos, o Luís, que, para surpresa deste escriba, acabou por ser guia informado numa floresta que, até ver, precisa de uma chamada telefónica para a Câmara ou de um evento em programa para abrir portas. Ao Luís, um agradecimento, extensível aos seus sagrados colegas, não só pelo tempo dedicado a mim, mas pela década que prestaram ao concelho. O mesmo louvor se aplica aos voluntários que entregaram os braços ao presente resultado. Lousada está melhor assim, com eles em campo. E não apenas pela Mata de Vilar, que afinal é a razão de ser da escrita de hoje, mas também pela expansão florestal praticada por toda a extensão municipal, patrocinada pelo projecto Plantar Lousada que, com razão, emproa os lousadenses.
A Honra dos Feijó e a Mata de Vilar
Como praticamente todo o centímetro de terra em Lousada, a Mata de Vilar era antes perímetro senhorial. É fácil verificá-lo pelo novo solar (substituto de um antigo, com origem no século XIX, segundo o Coronel Soares de Moura), que se encontra defronte de uma das suas actuais entradas, de nome Casa de Vilar, propriedade da família Feijó, e actualmente transformada em casa-museu dedicada à sétima arte.
A recorrência ao apelido Feijó sempre que vem à conversa a Quinta de Vilar dura desde os idos oitocentistas, quando Júlio Augusto de Castro Feijó casou com Camila Meneses. Que as armas de outra fidalguia como a dos Castro, a dos Correias, e a dos poderosos Sousas, tenham sido esculpidas numa pedra num frontão que se exibia na velha Honra dá a entender que certos casamentos tornaram a Casa de Vilar um cómodo de diversas famílias nobres, algumas nem sequer ligadas à tradição heráldica lousadense.
A quinta de antes era bem maior. Além do terreno actual, que da Casa de Vilar desce, para norte, abeirando-se a dois outros torrões senhoriais – o da Casa de Juste, a nascente, e o da Casa dos Pereiras, a poente -, abrangia de igual modo toda a encosta sul da colina, agora ocupada por carreiros de vinha apenas interrompidos no desregulado casario de Vilar do Torno e Alentém. Na prática, tratava-se de uma evolução de um feudo de origem medieva, um de muitos que Lousada tem, mas quase todos eles com história repetida: surgiram como decorrência da ocupação do norte peninsular por uma nobreza guerreira necessária à fábrica da Reconquista.
Já a Mata de Vilar, como floresta, ou seja, como paisagem muito próxima àquilo que neste momento se vê, poderá ser um produto do século XVIII ou XIX. No século XX, sendo certo que estava ao serviço dos interesses e do ócio dos seus proprietários (como fornecedora de madeira, como campo agrícola, como passeio recreativo), era também usufruída pelo povo, e com expressa autorização da família Feijó. A solidariedade dos Feijó viu-se, aliás, reconhecida por vários portugueses críticos do Salazarismo e procurados pela PIDE que encontraram na Casa de Vilar exílio sem terem de sair do país – Manuel Alegre, por exemplo, confidenciou que uma parte dele ficou para sempre aqui.
Talvez por ver pelos próprios olhos a dramática consequência da expansão urbana que tem vindo a cavalgar o território que vai da faixa costeira do Entre-Douro-e-Minho até às serras do Marão, a sul, e do Gerês, a norte, a família Feijó decidiu vender a fracção setentrional da sua quinta ao concelho e não a privados. De facto, e com um curto roteiro de meia hora em torno do município lousadense, percebe-se o receio: acaso a floresta trespassasse para particulares, para mais se fosse vendida a gente alheia ao município, provavelmente se veria invadida de cimento alçado.
O poder autárquico ficou, assim, com a responsabilidade de ter uma das únicas matas selvagens do Vale do Sousa em mãos. Seguia o ano de 2008. Depois de algumas incertezas sobre o que fazer de um activo desta ordem, lançou-se finalmente um plano de intervenção a vários níveis (e a vários anos), no qual se planeou o acondicionamento e requalificação das estruturas já montadas, o levantamento das espécies cá residentes (não só da flora como igualmente da fauna), a remoção gradual das invasoras, a replantação das nativas, o consequente espessamento da mata, o decalque de caminhos, o reaproveitamento da água, a criação de programas pedagógicos que sirvam todas as idades.

A vitória da floresta autóctone

Um manto de folhas de Carvalho-Americano
Fauna e flora
Há um manual que compila tudo o que se pode ver na Mata de Vilar que, para dizer a verdade, é tão exaustivo que seria melhor chamá-lo de livro e não de guia. Salvaguarde-se que há várias maneiras de encontrar os ovinhos da Páscoa da fauna e da flora aqui expostos e explicados no guia – uns pelo olhar, outros pelo cheiro, ainda outros pelo som.
Os caminhos foram desenvolvidos para o visitante conhecer uma parte ou a totalidade do parque: o mais curto vai até a um miradouro de vista meio empatada pela altura do arvoredo, construído enquanto foi propriedade dos Feijós, regressando à casa partida pelo mesmo troço; o Trilho do Medronheiro estica um pouco mais a corda e leva-nos até à ponta ocidental onde se encontra um foco de medronheiros; o Trilho das Alamedas soma ao percurso anterior um encontro com a pedreira agora convertida em charco; e, por fim, como caminhada mais longa, há o Trilho Histórico, que essencialmente dá volta completa à floresta, para que nada fique por mirar.
Em passeio, como esperado, o verde é soberano. Sobretudo o do musgo – sendo este um bosque duriense e virado para norte, ele é omnipresente. Os carvalhos, desde os autóctones aos exóticos, do galego ao americano, dominam a folhagem. Mas também há faias a guardar os seus melhores vestidos para o Outono. E castanheiros a expelir espinhos para o chão. E urze de sininhos purpurizados a despontar do solo. E cedros de outros mundos a dar um arranjo cosmopolita. E azevinhos emparelhados com gilbardeiras, envaidecidos do seu fruto.
Aqui e ali contamos alguns apontamentos históricos relacionados com a época em que a mata era um prolongamento da Casa de Vilar. Além dos muros e do sobredito miradouro, temos o curioso exemplo da sala de chá a céu aberto: uma curiosa adaptação de um afloramento granítico onde se picaram bancos para conforto dos Feijós.
Menos simples é registar a bicharada, ora esquiva, ora oculta. Tendo um guia como ajuda, a apontar para as pistas deixadas na terra, na madeira, nas folhas, tive trabalho facilitado. Aos cantos da avifauna, o Luís lá me ia dizendo: “este é um pica-pau-verde a rir-se de nós”. Aos vestígios de movimento na água de um charco: “acabou de mergulhar uma rã”. Ao negrume de uma folha verdejante: “aí está um dragão, ainda não deu foi com ele”.
Depois do périplo, fiquei a pensar num regresso. As florestas são corpos orgânicos. Como nós, mudam de roupa consoante as estações. Prometi-me voltar com as flores da Primavera.

Um dos vários charcos da nova Mata de Vilar

Efeitos das tempestades

A ressurreição da madeira morta

O salão de chá dos Feijós
Lousada
Um curto roteiro histórico com o melhor de Lousada. Surpreendentes destinos, saborosos repastos, sossegadas dormidas.
Promoções para dormidas em Lousada
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.2857; lon=-8.21871