Lenda do Dente Santo
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Se um dia passear por Vila Verde, explore um pouco a freguesia de Aboim da Nóbrega. Não só pelo milagre de que aqui falo, mas porque é bonita – muito verde, como já indica o nome do concelho, e muito nobre, como sugere o nome da freguesia. É por lá, mais concretamente na aldeia de Borges, seguindo uma estreita estrada paralela ao rio Vade e à qual se deu o nome rua do Dente Santo ou rua da Fonte do Dente Santo, que veremos uma pequena alminha no caminho, a lateralizar uma casa que pertencia à família Martins.
Sob a alminha escorre um pequeno fio de água. É minúsculo. Inexistente até, em meses de seca. Mas o suficiente para o tratarmos como fonte. E esta apertada corrente de água herdou as propriedades de um dente sagrado, que a crença popular atribui a São Frutuoso, e que era posse de Manuel António Martins.
A fonte e a lenda do Dente Santo
O que a crença popular alega é que o dito dente foi arrancado de São Frutuoso e que este se revelava milagreiro, curando grandes males, em especial a doença da raiva, fatal noutras épocas.
Teria sido São Frutuoso, ele mesmo de sangue azul, a dar o seu próprio dente a um outro homem da fidalguia, alegando que as suas propriedades eram de tal forma curativas que qualquer pessoa que o possuísse estaria aliviado de maleitas. Da nobreza, o amuleto passaria para um rapaz do povo, logo que o fidalgo o cedeu a um criado seu.
E rapidamente se percebeu que, de facto, o objecto tinha virtudes mágicas. Sempre que um homem ou um animal se via mordido por um cão raivoso, ficava recuperado assim que era benzido pelo dente (ou comia pão igualmente abençoado por ele). A família Martins teve nele o seu rendimento principal. Manuel António Martins, o seu último dono, era recrutado por todo o Norte, até por terras da Galiza, para responder à aflição de muita gente abocanhada por cães danados.
Ainda segundo a tradição oral, São Frutuoso teria mesmo feito a exigência de que o dente apenas poderia passar de geração através do filho varão, nunca por um segundo filho ou por uma filha mulher. Terá sido esta última condição que levou a que o trisavô de Manuel António Martins, que nunca tinha tido descendência masculina, ousasse encetar relações com mulheres mais novas a fim de ter um varão a quem passar o dente santo. Segundo o povo, conseguiu-o.
Há vários pormenores na Lenda do Dente Santo que se afiguram como reais. Um deles é o próprio dente, que existiu, na posse da família Martins, que também existiu. Também é sabido que Manuel António Martins fazia vida de curandeiro, usando o dente para tratar doentes, principalmente os que sofriam de raiva, e que chegou a ser preso e levado a sentença, de onde acabou por sair ilibado. O dente, contudo, foi-lhe retirado e ficou a cargo da Faculdade de Medicina do Porto, já na segunda década do século XX. Tendo a povoação de Borges ficado sem o seu principal objecto curandeiro, as gentes da aldeia resolveram substitui-lo pela fonte que estava junto da casa dos Martins, outrora proprietários do talismã. Desde aí que o Dente Santo se converteu numa Fonte do Dente Santo.
Quanto ao dente, passaram-se anos sem sabermos do seu paradeiro. Em 2016, foi reencontrado no Museu de História da Medicina, parte da Faculdade de Medicina do Porto, e apresentado em exposição para júbilo da população de Aboim da Nóbrega.
A alminha da Fonte do Dente Santo
São Frutuoso
E aqui começam as dúvidas. O dente santo é atribuído, segundo a lenda, a São Frutuoso. Mas qual? Temos São Frutuoso de Braga, nascido na diocese de Astorga mas depois elevado a arcebispo da diocese bracarense durante o século VII, quando os visigodos reinavam na península, considerado um dos mais profícuos clérigos que a península viu nascer. E temos São Frutuoso de Constantim, crescido num povoado bem próximo de Vila Real, onde terá feito carreira enquanto abade.
Se olharmos para a geografia e para a história, somos levados a crer que a lenda se refere ao primeiro, São Frutuoso arcebispo de Braga, dada a sua relevância e, tendo em consideração que Braga fica bem perto de Aboim da Nóbrega, fará sentido que o culto a Frutuoso que encontramos na cidade minhota – em particular na Capela de São Frutuoso onde se encontram parte dos seus restos mortais -, se tenha propagado para os concelhos vizinhos.
No entanto, o outro São Frutuoso, ou seja, o de Constantim, se bem que muito menos relevante na história religiosa ibérica, goza de atributos em tudo semelhantes aos que lemos na Lenda do Dente Santo. Também ele tem um relicário, mas em vez de um dente, trata-se do seu crânio. Da mesma forma, tem propriedades curativas a si associadas, e muito em particular como antídoto à raiva – quem toca ou beija o crânio, está livre de doenças hidrófobas, o mesmo acontecendo com quem comer o pão que nele se esfrega. Mais: escreveu J. A. Pires de Lima, em 1921, que perto da igreja de Constantim havia uma fonte onde “vão os romeiros lavar as suas feridas, crentes de que ficam assim radicalmente livres da hidrofobia” – exactamente o mesmo que acontece em Aboim da Nóbrega.
As semelhanças são tão evidentes que havia quem acreditasse que a cabeça de São Frutuoso, antes de ficar reduzida a crânio, tinha na sua maxila um dente molar a menos, e que este seria o afamado dente santo da aldeia de Borges.
É bom lembrar que os santos podem ter sido confundidos dada a coincidência dos nomes. Os devotos de Constantim poderiam ir buscar características, crenças e atributos de São Frutuoso de Braga para o seu Frutuoso de Constantim. E vice-versa. Uma outra lenda parece dar razão a esta tese: acredita-se, em Constantim, que os restos mortais de São Frutuoso de Constatim foram roubados, mas que eles voltaram, por milagre, à porta do templo onde era homenageado, ao som de sinos dobrados por ninguém. Ora, aconteceu de facto um roubo de restos mortais, mas de São Frutuoso de Braga e no princípio do século XII, por parte do arcebispo de Compostela, que o quis ter na sua catedral – o corpo foi depois devolvido à Sé da cidade bracarense em 1966, e finalmente trasladado para a sua capela de origem em 1967, como aqui se regista. Assim, parece que as gentes de Constantim ouviram a história real do roubo das ossadas de São Frutuoso de Braga e a adoptaram (e adaptaram) para o seu santo, em formato lendário, como a referência aos sinos que tocam sem ninguém os repicar mostra.
Tal como em Constantim, também as crenças no dente e, posteriormente, na fonte de Aboim da Nóbrega podem sofrer de uma misturada de referências, muitas delas como consequência de eventuais equívocos entre os dois santos homónimos.
Vila Verde – o que fazer, onde comer, onde dormir
Vila Verde explica-se a si própria: para onde quer que se mire, é a cor que lhe dá nome que ataca os olhos. Estamos num dos mais longos vales do coração do Minho. Não admira que à nossa volta, debaixo de cada pedra, salte uma romaria. A ter de escolher, a de Santo António de Vila Verde ou a Feira dos Vinte da vila de Prado, são das mais concorridas.
E já que estamos na vila de Prado, terra em lugar prometido, numa das principais passagens do rio Cávado, leia-se um pouco sobre a fascinante história lendária da ponte que serve de papel de parede à Praia Fluvial do Faial. Um pouco a norte do vilarejo, e continuando no encalço do património lendário, temos o Penedo da Moura junto ao antigo castro, hoje popularmente conhecido como Monte do Castelo, ao qual só se acede com esforçada caminhada. E para nascente, uma nova lenda justifica um bizarro costume que deve ser comprovado na Casa das Promessas do Santuário do Alívio - à santa, é costume oferecerem-se cobras como ex-votos.
Mas vila verde não se percorre apenas entre montanhas. Na fronteira norte do concelho, há vila-verdenses serranos, a viverem nas sobras ocidentais do Gerês. Por lá encontramos uma pequena aldeia de nome Borges onde, segunda crença popular, um dente de São Frutuoso ajudava as povoações a curarem-se da raiva. E também na serrania vila-verdense tem lugar, no minúsculo povoado de Mixões da Serra, a famosa Bênção dos Animais, celebrada num livro e numa exposição fotográfica de Alfredo Cunha. Mais para sul, uma outra elevação foi equipada com torreão para defesa de um dos maiores apoiantes de D. Dinis na guerra civil contra D. Afonso IV - a Torre de Penegate.
Na gastronomia, não se pode sair de lá sem ir aos pratos elementares: as Papas de Sarrabulho (que têm uma versão especial na Feira dos Vinte), o Pica-no-Chão (do qual Vila Verde é capital), e o Pudim Abade de Priscos (cujo inventor aqui nasceu). Para ir ao melhor que o o concelho tem para entregar no prato, recomendam-se a Tasquinha do Cerqueira e a Toca do Lobo para as carnes. Com preço um pouco acima dos anteriores, mas famoso pelo bacalhau e pelo arroz de pica-no-chão (vulgo, arroz de cabidela), temos o Torres.
E para dormir, à cabeça, aparece a antiga Torre e Casa de Gomariz, actualmente revivida enquanto hotel de luxo, a Torre de Gomariz Wine & Spa Hotel. Mas há tanta oferta que podemos passar uma tarde inteira no processo de escolha. De portas recentemente abertas está o Recanto Nature, novinho em folha mas já com boa fama. Para casas, uma boa opção é a Casa Tarrio, a norte da sede de concelho, ou a Casa da Assudra, perto do Monte do Castelo.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.74925; lon=-8.38577