Bênção dos Animais de Mixões da Serra

by | 23 Mar, 2023 | Festas, Junho, Minho, Províncias, Tradições

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Debati-me quanto ao título que deveria dar ao presente texto. No mês de Junho, na aldeia de Mixões da Serra, aquilo que oficialmente se celebra é o Santo António. Trata-se de uma romaria marcadamente rural, onde o santo é passeado em andor doirado junto ao santuário de Mixões. No entanto, a esmagadora maioria das pessoas que lá vão têm outra cerimónia na cabeça. A romaria de Santo António contém no seu calendário um dia dedicado à Bênção dos Animais, e este episódio, que tinha tudo para ser apenas um pequeno acontecimento de um programa maior, acabou por se tornar a própria festa.

Dito de outra forma, já não é bem a Benção dos Animais que faz parte da romaria de Santo António de Mixões da Serra. Pelo contrário. A procissão relegou-se a parceira secundária de um cortejo único que põe minhotos e os seus animais a fazer quilómetros à procura de um borrifo de água benta.

Santo António de Mixões

Tentando ir à origem da festividade que hoje se conhece como Bênção dos Animais de Mixões da Serra…

Mixões é um povoado retirado aos vales verdejantes de Vila Verde. Apesar de ainda fazer parte do concelho vila-verdense, tem uma personalidade agreste, filho de uma lomba da Serra Amarela que vem do Gerês para ocidente já enfraquecida de altitude. Ainda assim, encontra-se acima dos setecentos metros, numa elevação que dá à visão boa amplitude, apanhando parte da bacia do Lima e parte da bacia do Cávado, bem como os picos do Parque Natural da Peneda-Gerês e até do Alvão.

Como tal, as gentes de Mixões, que sempre foram poucas, tinham no seu sustento uma pobre terra para trabalhar, mas algum gado para criar. Porém, a serra guardava predadores e o défice sanitário provocava vagas de peste – vítima de ambos, o gado ia diminuindo.

Homens de fé, como toda a gente da montanha é, pediram a Santo António que os acudisse e protegesse os animais dos lobos e das pragas. Santo António deve ter ouvido, porque em recompensa a população de Mixões levantou uma capela em homenagem ao bem-aventurado, provavelmente no século XVII. Dessa capela já nada se vê, mas em compensação, e com a ajuda das finanças pessoais dos devotos, montou-se um novo santuário com uma igreja acastelada, escadório, e miradouro lá no cimo – uma obra recente, como a arquitectura deixa antever.

Desde a construção da capela primitiva, ou talvez um século depois disso, os crentes nos poderes antoninos começaram a fazer, no mês de Junho, mais concretamente no dia 13 (o dia dedicado ao santo) uma bênção a todos os animais lá levados. Nos últimos anos, e para garantir que o dia de Santo António ficaria dedicado apenas à Grandiosa Procissão, a Bênção dos Animais foi antecipada para o Domingo anterior ao 13 de Junho.

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Bois na Bênção dos Animais de Mixões

Em 1982, o gado bovino dominava- agora são os cavalos aqueles que mais acorrem à bênção

Minhotas em conversa

Minhotas em traje de festa no Domingo da bênção

A bênção

Uma das coisas que mais impressiona na Bênção dos Animais de Mixões da Serra é a reverência com que os animais são tratados. Aqui se vê uma proximidade entre o homem e o animal como raramente encontramos.

A gente e os bichos vão a preceito. As moçoilas e os gaiatos com o traje domingueiro, inconfundivelmente minhoto. Os de quatro patas não ficam atrás, com ornamentos nos chifres no caso do gado bovino e caprino, com pelo e crina penteada no caso dos equídeos, com capas para o frio (mesmo em Junho) no caso dos animais de casa.

Na missa campal que acompanha a bênção, vacas e bois, cabras e bodes, ovelhas e carneiros, cavalos e éguas, cães e cadelas, gatos e gatas, estão lado a lado com os seus donos. Parecem entender todas as palavras da eucaristia. Aguardam pacientemente que o padre termine o sermão e se agarre ao hissope para, um a um, os benzer. Porque essa é outra particularidade da bênção – a água benta não é atirada para uma manada indistinta de animais, mas sim para um de cada vez, com o padre a personalizar cada graça, muitas vezes perguntando às pessoas que os guardam qual o nome do bicho em questão.

Um outro ritual praticado no dia de bênção é a volta (ou as voltas) à igreja. Tenta-se que ela seja dada com os bois, as cabras, as ovelhas, os cavalos. Mas muitas vezes a enchente não o permite. E assim, em vez disso, há imagens de cera, em representação de cada um desses animais, que são compradas pelos homens e mulheres que os detêm, e depois carregados por eles no giro que dão ao templo.

A restante parte da romaria divide-se por mais um ou dois dias, normalmente com um deles dedicado à Missa do Emigrante (no dia 12) e outro à Grandiosa Procissão (no dia 13). Os habituais comes e bebes, juntamente com alguns espectáculos de música tradicional e popular compõem o ramalhete. Tudo o que é mais importante acontece em horário diurno, porque esta é uma festa rural, de quem trabalha de sol a sol. Alguns – raros – prolongam estadia até à hora de jantar.

Santo António e Santo Antão

São várias as localidades portuguesas que chamam Santo António de Pádua sempre que querem abençoar gado. Já falámos nesta casa de um rito semelhante, o Desfile de Rebanhos de Silvares, também em torno do dia 13 de Junho, apenas para lembrar um exemplo. E no entanto, quando investigamos a fundo os santos protectores dos animais, bem antes de Santo António aparecem dois outros: São Francisco e Santo Antão.

O que leva a que António de Pádua seja para aqui chamado, ele que é conhecido acima de tudo pela faceta de casamenteiro das festas juninas de Lisboa? Uma hipótese a considerar é a lenda que se relata sobre Santo António e que se resume a isto: um herege duvidou da palavra do santo e fez com ele uma aposta em que prometia converter-se ao cristianismo caso um burro seu preferisse a hóstia (ou seja, o corpo de Cristo) a um punhado de cereais – o burro escolheu a hóstia, e o herege cumpriu a sua palavra e tornou-se cristão. O burro presente na lenda poderá ter sido o suficiente para que o santo fosse escolhido como protector ou padroeiro dos animais em determinadas regiões que o idolatrassem.

Todavia, e olhando um pouco para o que se passa no país vizinho, há dezenas ou mesmo centenas de ritos relacionados com baptismos ou bênçãos de animais em Janeiro dedicados a Santo Antão do Egipto, e não a Santo António – veja-se a quantidade que existe apenas na Comunidade Valenciana, nas ditas Festas de Sant Antoni del Porquet. Ora, Santo Antão era António também. E Santo Antão, esse sim, é considerado o padroeiro dos animais, sendo muitas vezes representado com um porco aos seus pés. Crê-se que em alguns lugares de Portugal, como consequência de contarem com os mesmos nomes próprios (António de Pádua e António do Egipto), se tenha dado uma certa confusão entre ambos, e os atributos de um venham misturados com os do outro.

É possível, portanto, que os portugueses andem a pedir boa fortuna para o seu gado ao santo errado. Mas ninguém se queixa. Talvez António de Pádua, vai na volta, também saiba do assunto.

Representação de Santo Antão

Representação de Santo Antão, com porco e cão aos seus pés

Vila Verde – o que fazer, onde comer, onde dormir

Vila Verde explica-se a si própria: para onde quer que se mire, é a cor que lhe dá nome que ataca os olhos. Estamos num dos mais longos vales do coração do Minho. Não admira que à nossa volta, debaixo de cada pedra, salte uma romaria. A ter de escolher, a de Santo António de Vila Verde ou a Feira dos Vinte da vila de Prado, são das mais concorridas.

E já que estamos na vila de Prado, terra em lugar prometido, numa das principais passagens do rio Cávado, leia-se um pouco sobre a fascinante história lendária da ponte que serve de papel de parede à Praia Fluvial do Faial. Um pouco a norte do vilarejo, e continuando no encalço do património lendário, temos o Penedo da Moura junto ao antigo castro, hoje popularmente conhecido como Monte do Castelo, ao qual só se acede com esforçada caminhada. E para nascente, uma nova lenda justifica um bizarro costume que deve ser comprovado na Casa das Promessas do Santuário do Alívio - à santa, é costume oferecerem-se cobras como ex-votos.

Mas vila verde não se percorre apenas entre montanhas. Na fronteira norte do concelho, há vila-verdenses serranos, a viverem nas sobras ocidentais do Gerês. Por lá encontramos uma pequena aldeia de nome Borges onde, segunda crença popular, um dente de São Frutuoso ajudava as povoações a curarem-se da raiva. E também na serrania vila-verdense tem lugar, no minúsculo povoado de Mixões da Serra, a famosa Bênção dos Animais, celebrada num livro e numa exposição fotográfica de Alfredo Cunha. Mais para sul, uma outra elevação foi equipada com torreão para defesa de um dos maiores apoiantes de D. Dinis na guerra civil contra D. Afonso IV - a Torre de Penegate.

Na gastronomia, não se pode sair de lá sem ir aos pratos elementares: as Papas de Sarrabulho (que têm uma versão especial na Feira dos Vinte), o Pica-no-Chão (do qual Vila Verde é capital), e o Pudim Abade de Priscos (cujo inventor aqui nasceu). Para ir ao melhor que o o concelho tem para entregar no prato, recomendam-se a Tasquinha do Cerqueira e a Toca do Lobo para as carnes. Com preço um pouco acima dos anteriores, mas famoso pelo bacalhau e pelo arroz de pica-no-chão (vulgo, arroz de cabidela), temos o Torres.

E para dormir, à cabeça, aparece a antiga Torre e Casa de Gomariz, actualmente revivida enquanto hotel de luxo, a Torre de Gomariz Wine & Spa Hotel. Mas há tanta oferta que podemos passar uma tarde inteira no processo de escolha. De portas recentemente abertas está o Recanto Nature, novinho em folha mas já com boa fama. Para casas, uma boa opção é a Casa Tarrio, a norte da sede de concelho, ou a Casa da Assudra, perto do Monte do Castelo.

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.75902​; lon=-8.32334

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