Procissão dos Sete Passos
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Um rito como mais nenhum se conhece neste país acontece em Freixo de Espada à Cinta, todas as sete Sextas-Feiras que se contam entre o Carnaval e a Páscoa. É a Procissão dos Sete Passos. Um conspecto sombrio e fúnebre, de quem quer mostrar que há muito de oculto por aqui, marca todo o evento. Mais uma pérola etnográfica vinda de Trás-os-Montes.
Contando sete passos de cada vez, dois homens arrastam ferro, seguidos por um terceiro que anda com a lentidão de uma velha em fim de vida. O fim do Inverno está à porta.
A Procissão dos Sete Passos
A belíssima torre de Freixo de Espada à Cinta dá o sinal. À meia-noite de Sexta-Feira, qualquer Sexta-Feira que aconteça desde o Carnaval até ao Domingo de Páscoa (embora a última, dita Sexta-Feira Santa, seja a mais afamada), tocam as doze badaladas e as luzes da vila vão abaixo. Sem uma lua visível, então, fica tudo tão negro quanto a noite de Lua Nova consegue ser.
Depois segue-se o que todos esperam. Uma tradição pascal que se alimenta de raízes pagãs, numa cerimónia que parece vinda de uma sociedade secreta. Pessoas reúnem-se em volta da Igreja Matriz, deixando uma pequena clareira com espaço suficiente para que três homens, envergando roupões pretos, semelhantes aos dos frades, comecem o rito.
Dois deles caminham na frente, com a particularidade de terem os seus pés acorrentados a objectos feitos em ferro. O terceiro vai imediatamente atrás. Segura uma vela alimentada a óleo e caminha curvado sobre si mesmo, ajudado por um cajado. A sua pose não engana o povo, que lhe dá o nome de Velhinha. Guarda consigo uma bota com vinho dentro, e alguns freixienses, um a um, com a reverência e humildade que se exige, vêm pedir-lhe uma porção – cabe à Velhinha, dependendo se a pessoa se mostrou verdadeiramente arrependida dos seus pecados, dar o vinho ou não (ver início do vídeo em baixo).
Em cada capelinha e em cada cruzeiro, outros intervenientes, podendo estar também vestidos com hábitos, páram para entoar cânticos, não só em português mas também em latim. O propósito desse coro é fazer uma pequena e melódica Encomendação das Almas: as letras pedem a Deus que perdoe os pecados dos seus familiares recentemente falecidos.
A cadência é hipnótica. O barulho que o ferro faz no chão, arrastado pelos dois penitentes dianteiros, arrepia, porque só isso se ouve, nada mais. O compasso é elaborado à volta do número sete, feito em conjunto pelos dois homens da frente, com largos passos dados de forma lateral. Esta espécie de calvário dura cerca de duas horas, terminando onde começou, à porta da Igreja Matriz.
Significado da Procissão dos Sete Passos
A Procissão dos Sete Passos revela uma complexidade tamanha, difícil de trocar em miúdos.
Que funde dois mundos, o pagão e o cristão, não restam dúvidas. Além da presunção da existência de um Purgatório, que parece óbvio nos cantos de Encomendação das Almas, há aqui toda a sobriedade do período da Quaresma, revelado pela execução do rito nas sete Sextas-Feiras, tão caro ao cristianismo.
Mas se isso é verdade, não é menos uma outra evidência, a de que o cristianismo foi buscar estes rituais a tempos anteriores.
Em tempos pagãos, celebrava-se na altura do Carnaval uma primeira faísca do que viria a ser a Primavera, e festejava-se mais de um mês depois a sua chegada definitiva, naquilo que hoje se traduz como Ressurreição de Cristo (uma substituição de outra ressurreição, a da fecundidade terrena, quando as plantas tornam a florir e a dar frutos).
Entre um e outro, havia algo que se assemelhava a uma fase de luto, período em que se deixava o Inverno cair de vez, fase em que assistimos ao Equinócio da Primavera. É neste calendário que surge a Procissão dos Sete Passos e a sua Velhinha, marreca e quase moribunda. A Velha do passo lento que vemos caminhar em dificuldade é a representação desse Inverno que vai definhando até à última Sexta-Feira antes do Domingo da Ressurreição. Depois da vitória da natureza, que explode a partir da Páscoa, a Velhinha não vem mais à rua – só no ano seguinte, quando o ciclo se repete. Estes retratos de raíz pagã podem ser vistos noutros sítios (nas Serradas da Velha, por exemplo, ou nas já aqui mencionadas Queimas dos Judas), embora nunca com esta defunta liturgia.
A Velhinha, entregando o seu vinho, está a exibir o gesto do perdão, num gesto de patente católica. Mas mesmo o vinho, igualmente caro à causa cristã, tem um símbolismo anterior a ela, como elixir da eternidade, depois visto da mesma forma aos olhos da Igreja, mas aí como representação do sangue de Cristo e que, tomado, tem o dom da purificação ou expiação dos pecados.
E depois há o número sete, aqui em versão dupla: nas sete Sextas-Feiras, e nos sete compassos. Não pode vir do nada. Até porque tal número, comummente tido como o reflexo numérico da perfeição, foi sempre uma ponte entre o visível e o invisível, ou de outra forma, entre os céus e a terra. Uma comunhão seriamente retratada aqui, nos Sete Passos de Freixo de Espada à Cinta.
Entre um e outro, havia algo que se assemelhava a uma fase de luto, período em que se deixava o Inverno cair de vez, fase em que assistimos ao Equinócio da Primavera. É neste calendário que surge a Procissão dos Sete Passos e a sua Velhinha, marreca e quase moribunda. A Velha do passo lento que vemos caminhar em dificuldade é a representação desse Inverno que vai definhando até à última Sexta-Feira antes do Domingo da Ressurreição. Depois da vitória da natureza, que explode a partir da Páscoa, a Velhinha não vem mais à rua – só no ano seguinte, quando o ciclo se repete. Estes retratos de raíz pagã podem ser vistos noutros sítios (nas Serradas da Velha, por exemplo, ou nas já aqui mencionadas Queimas dos Judas), embora nunca com esta defunta liturgia.
A Velhinha, entregando o seu vinho, está a exibir o gesto do perdão, num gesto de patente católica. Mas mesmo o vinho, igualmente caro à causa cristã, tem um símbolismo anterior a ela, como elixir da eternidade, depois visto da mesma forma aos olhos da Igreja, mas aí como representação do sangue de Cristo e que, tomado, tem o dom da purificação ou expiação dos pecados.
E depois há o número sete, aqui em versão dupla: nas sete Sextas-Feiras, e nos sete compassos. Não pode vir do nada. Até porque tal número, comummente tido como o reflexo numérico da perfeição, foi sempre uma ponte entre o visível e o invisível, ou de outra forma, entre os céus e a terra. Uma comunhão seriamente retratada aqui, nos Sete Passos de Freixo de Espada à Cinta.
Homens reúnem-se à porta da Igreja Matriz na Procissão dos Sete Passos
Freixo de Espada à Cinta – o que fazer, onde comer, onde dormir
Vila histórica desde a primeira metade do século XIII, os seus habitantes beneficiaram de vários forais e de carta de feira, embora a sua posição geográfica, de terra-fronteira, a tenha posto ao dispor de algumas guerras contra o poderoso vizinho ibérico.
Na vila, é obrigatória a visita ao interior da Igreja Matriz, mas também à Igreja da Misericórdia, e ao castelo, claro. E pela altura da Páscoa, é imperativo conhecer a Procissão dos Sete Passos. Nas redondezas, vigiado pelo Abutre do Egipto, é a natureza que domina: as arribas que cercam o rio Douro, que aqui é fronteira, os registos pré-históricos como o Cavalo de Mazouco, a Ribeira do Mosteiro, a Calçada de Alpajares, a Praia Fluvial da Congida, a magnífica vista do Miradouro de Penedo Durão e da sua estátua à Senhora do Douro.
Para comer bem, é favor ir ao Cinta d'Ouro para as alheiras da casa, e as dormidas fazem-se na aconchegante Casa da Caroline ou no poiso de férias Terra d'Alva, ambos com piscina.
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.08987 ; lon=6.80793