Igreja de Santiago e Panteão dos Cabrais

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Primeiro veio a igreja dedicada a São Tiago e só depois a capela conhecida como Panteão dos Cabrais. Apesar de serem dois monumentos, quem olha para eles não consegue fazer outra coisa que não tomá-los como um só – e foi assim, em parelha, que se lhes atribuiu a distinção de Monumento Nacional.
Falar deles é, tal como acontece com o Castelo de Belmonte que está logo ao lado, uma longa viagem às longínquas gerações da família Cabral, alcaides tão leais que estavam livres de juramento real.
História de um duplo monumento
Sobre a fundação da Igreja de Santiago, a única coisa que conseguimos aventurar é uma possível data, a de 1240, mas com vários pontos de interrogação pelo meio. Confia-se que terá sido por aí que a mulher de Gil Álvares Cabral, Maria Gil Cabral, decidiu erigir aqui um templo, aproveitando possíveis sobras de uma antiga igreja de fundação visigótica. Daqui conseguimos já ganhar uma ideia da antiguidade do laço físico e emocional que a família Cabral tem com a vila, ainda antes da sua nomeação para Alcaides de Belmonte.
O que sabemos com certeza, porque assim foi escrito em testamento, é que em 1362 o Bispo da Guarda D. Gil Cabral, administrador destes domínios, terá deixado a igreja a D. Maria Gil, pedindo-lhe que fosse construída uma segunda capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade. Os desejos foram atendidos e a capela foi levantada dentro da igreja já existente, sendo assim um templo intramuros, no final do século XIV ou mesmo no início do século XV. Ora, D. Maria Gil não deixou descendência, e deixou o legado ao seu sobrinho, Luís Álvares Cabral (que viria a ser bisavô de Pedro Álvares Cabral) e que acumula, por decisão régia, o título de primeiro Alcaide do Castelo de Belmonte. Significou isso que a igreja passaria a ser responsabilidade dele e da sua descendência daí para a frente. Assim foi.
Quando a gestão do monumento passou para as mãos de Fernão Cabral I, filho de Luís Álvares Cabral, decidiu-se, em 1433, construir um novo templo, imediatamente ao lado, a que se convencionou chamar Panteão dos Cabrais (ou Capela dos Cabrais) já que o seu propósito era esse: acolher os túmulos da família Cabral no futuro.
Em pleno século XV, os Cabrais de Belmonte faziam a sua vida no curto espaço entre a sua casa senhorial, integrada no castelo, e a sua igreja, poucos passos mais abaixo. O filho varão herdaria o título de alcaide-mor e ficaria encarregue da administração da vila, e os restantes filhos eram destacados para outras actividades próprias da fidalguia – um deles, Pedro Álvares Cabral, sabemos todos a que se dedicou.
Mudanças de fundo posteriores aconteceram apenas com Francisco Cabral, isto é, saltando já várias gerações, por volta de 1630, quando se procedeu a importantes alterações na fachada e no interior. Nestes anos e nas décadas seguintes, a Igreja de Santiago era tida como a Igreja Matriz da vila de Belmonte – por cá se celebravam casamentos e baptizados -, recebendo também peregrinos que se dirigiam até Santiago de Compostela. Só perdeu essa função paroquial quando uma nova foi construída, em 1960.

Pietá, a Senhora da Piedade, numa capela interior
O conjunto
A entrada para qualquer um dos templos é feita pelo lado oeste. É por lá que também entendemos a similitude entre a Igreja de Santiago (à direita) e o Panteão dos Cabrais (à esquerda). De facto, pouca coisa os distingue – alguns detalhes da fachada são diferenciadores (na igreja há um nicho com uma imagem do apóstolo São Tiago), e o panteão é ligeiramente mais pequeno do que a igreja -, mas de resto parece que estamos a olhar para dois irmãos de idades muito próximas, onde o mais velho sobressai porque se chega um pouco mais à frente.
Com efeito, e apesar de haver uma distância de talvez duzentos anos entre a edificação de um para o outro, a verdade é que, ao levantar o mais recente Panteão dos Cabrais, houve um especial cuidado com a harmonia do espaço, evitando escusadas dissonâncias. No exterior, lado a lado, entendemos o par como um equilibrado edifício românico quebrado em dois. Isto apesar de, no caso do Panteão dos Cabrais, a construção se situar numa fase marcadamente gótica – ou seja, o estilo da época acabou por não ser totalmente abraçado para favorecer a compatibilidade entre as duas casas.
Mesmo a torre sineira, de meio do século XIX, situada uns dois ou três metros a norte do conjunto e, essa sim, assumidamente diferente, não destoa por completo.
A Igreja de Santiago
Dentro da igreja dedicada a São Tiago, onde os peregrinos antes recolhiam, há pelo menos três coisas a ver com olhar demorado: os frescos, a Capela de Nossa Senhora da Piedade, o púlpito e o coro-alto.
A Capela de Nossa Senhora da Piedade, uma capela interior, ou seja, dentro da própria igreja, guardao túmulo que muito provavelmente contém os ossos de D. Maria Gil – tem no tampo as duas cabras do brasão de armas da família Cabral. Foi este espaço que mais chamou a atenção de José Saramago quando ele por aqui passou, a propósito do seu livro “Viagem a Portugal“, agora reeditado. Não exactamente pela capela mas pela imagem de Nossa Senhora com Cristo morto nos seus braços, uma Pietá, esculpida à escala natural na resistente pedra granítica, e que o escritor confessou ser uma obra de grau supremo: “o viajante tem em Belmonte um dos mais profundos abalos estéticos da sua vida”, escreveu ele sobre a Senhora.
No púlpito, de estilo renascentista, vemos dois símbolos que aludem à história da igreja: a vieira, que nos remete para o Caminho de Santiago e cuja origem já aqui explicámos; e a prensa, à altura associada à vila de Belmonte, numa bizarra lenda que versa a decisão de um Senhor da vila preferir ver a sua filha triturada por uma prensa a entregar o castelo ao inimigo. No púlpito existia também uma imagem de São Caetano, bem-aventurado dos judeus convertidos ao cristianismo, e por isso talvez alvo de um culto (fingido?) por parte do criptojudaísmo belmontense.
Dos frescos, e são vários, sobressai o que vemos ao fundo da capela-mor, um tríptico descoberto atrás dos retábulos e cuja origem deve remontar aos inícios de 1500. No meio está São Tiago, orago do templo, à esquerda a Virgem com o menino ao colo (será a pintura da Senhora da Esperança que acompanhou Álvares Cabral ao Brasil?), e à direita São Pedro que, segundo algumas opiniões populares e mesmo eruditas, representa Pedro Álvares Cabral e não o apóstolo Pedro, já que este último nunca foi verdadeiramente cultuado nestas terras – a dar razão a esta tese, sabemos que naquele tempo era relativamente comum pintar-se uma personalidade histórica recorrendo à imagem de um santo que tivesse o mesmo nome, ou seja, comprovando poder existir um paralelismo entre Pedro, o descobridor, e Pedro, o santo. Podemos, assim, estar na presença de uma pintura alegórica com o seu quê de enigmática, e que pretende homenagear ou cumprir uma promessa referente à descoberta da Terra de Vera Cruz.
O coro-alto amadeirado é, com o púlpito, a mais recente construção das que aqui falámos e surgiu por iniciativa de Francisco Cabral, em meados do século XVII.

Nossa Senhora, São Tiago, São Pedro. Será assim ou esconde-se aqui algo mais?
O Panteão dos Cabrais
O panteão, que por fora parece um duplicado em tamanho mais reduzido da igreja, mostra-se no entanto consideravelmente diferente desta no seu interior, sobretudo pelo seu minimalismo. Não sendo um espaço de eucaristia mas sim de memória, tem nos nomes que se gravam nos objectos tumulares a sua riqueza principal.
Do lado direito de quem entra, está o túmulo de Fernão Cabral I, e Isabel de Gouveia, sua mulher. Do lado oposto, estão os pais de Isabel de Gouveia, João Gouveia e Leonor Gonçalves, bem como o seu irmão, Vasco Fernandes Gouveia.
Outros Cabrais têm aqui a sua morada eterna, como Fernão Cabral III e Nuno Fernandes Cabral. Eventualmente também Francisco Cabral e o Cabral conhecido como o Gigante das Beiras, filho de Nuno Fernandes Cabral, e conhecido por lutar com uma pesada maça em ferro, param cá.
No centro do templo, um túmulo mais pequeno do que os outros não se acanha pelo seu tamanho e ganha proeminência em relação aos restantes. É dedicado àquele de quem desconfiamos sempre no concelho de Belmonte: Pedro Álvares Cabral, filho e orgulho da vila. Lá dentro encontram-se cinzas do descobridor que foram retiradas ao túmulo que se encontra em Santarém, esse sim, guardando o corpo do primeiro português a pisar solo brasileiro.
Belmonte – o que fazer, onde comer, onde dormir
Situado na raia mágica beirã, Belmonte é o concelho mais a norte do distrito de Castelo Branco. Famoso pela sua cultura criptojudaica, resultado da perseguição de que os seus judeus sefarditas foram alvo, a vila tem hoje uma das mais activas comunidades judias do país. As suas festas, como a Festa das Luzes ou a Festa de Nossa Senhora da Esperança, em Dezembro e Abril, respectivamente, e os seus monumentos e museus, como a menorá, a sinagoga ou o Museu Judaico de Belmonte, reflectem essa ligação a um passado real mas escondido.
Ainda na vila, não podemos perder o castelo e a Igreja de Santiago, a judiaria circundante, bem como os restantes espaços museológicos (que são muitos e bons, tendo em conta a dimensão de Belmonte): o Museu dos Descobrimentos, o Museu do Azeite, e o Ecomuseu do Zêzere.
Fora da sede de concelho e de visita imperativa é o enigmático Centum Cellas, monumento que não encontra paralelo no país, nem na península, e que mais facilmente associamos a civilizações sul americanas, de origem pré-colombiana, transportando-nos para os mitos da Atlântida.
Para dormir, sugere-se a Pousada Convento de Belmonte, cuja piscina nos dá uma das melhores fotografias sobre a Estrela, ou a Casa Marias, bem situada e muito aconchegante. Na restauração, recomendam-se vivamente a Casa do Castelo (o borrego e o cabrito são demasiado bons para os dispensarmos) e, para quem está disposto a gastar um pouco mais, e o Convento de Belmonte Gourmet (cozinha de chef, na companhia de lareira e de uma bela vista de montanha).
Para mais dormidas no concelho de Belmonte, ver caixa de promoções em baixo:
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=40.35924; lon=-7.34907