Entrudo do Pai Velho

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Em Lindoso, no eixo do concelho de Ponte da Barca integrado no Parque Nacional da Peneda-Gerês, há um entrudo que toma uma das muitas caras que Portugal enverga para celebrar a passagem para o novo ano agrícola. Tem o nome de Enterro do Pai Velho, e a terminologia remete de imediato para tantas outras festas, algumas delas por aqui já discutidas, como as Serradas da Velha e demais Queimas do Judas, o Enterro do Ano Velho, ou o Enterro do Entrudo de Pedorido. Também na Galiza, para não variar, há episódios de grande afinidade simbólica, como o Entroido Ribeirao, o Entroido de Viana do Bolo, ou a Vontade do Burro.
Em Lindoso, porém, há novidades que a tornam um caso de excepção, o que justifica que se faça um texto autónomo que explique as suas particularidades.
Desfile do Pai Velho e das Ervas
O programa de festas é preparado com maior afinco a partir de Janeiro, com os rendimentos da ronda das Janeiras e respectiva ceia como arranque para o planeamento do que virá a acontecer cerca de mês e meio depois.
O evento dura três dias, mas só em dois existe o desfile do Pai Velho – no Domingo-Gordo e na Terça-Feira de Carnaval. A intercalar está a Segunda-Feira que é uma espécie de descanso mas com direito a festa popular, com algumas surpresas gastronómicas e um bailarico mais para a noite. Na Quarta-Feira de Cinzas tudo acaba, claro, aqui e em qualquer lado do país, começando então o período da Quaresma.
É sempre bom vir a Lindoso pela altura do Entrudo porque há acepipes tradicionais das terras de montanha, normalmente associados aos cozidos de Inverno, quando o chão estéril pouco tem para oferecer e os enchidos conservados a fumo entram na dieta do povo; porque há uma fotografia obrigatória de tirar a enquadrar a enorme eira dos espigueiros (a maior da Península) e o castelo vigilante da fronteira lá atrás; e porque há a eternamente bela e austera paisagem serrana, agora colorida por tojo e giesta, vincando o nome da Serra Amarela.
Mas vou ser claro: a principal razão para a visita são os dois carros dos desfiles de Domingo e de Terça-Feira que correm as delgadas ruelas da aldeia, cada um com a sua história, e que reflectem pela flora envergada a natureza do seu significado. É isso, mais do que qualquer outro elemento, que diferencia o Entrudo do Pai Velho – o facto de termos duas peças alegóricas, ao contrário de apenas uma (a do Velho), como é norma na maioria dos Entrudos nortenhos.
Assim, na frente segue o carro com o Pai Velho, figura enchida a palha de centeio e rematada por um madeiro onde está pintado o rosto de um homem sorridente, de bigode e chapéu de abas. O carro é engalanado com centeio e bucho, cores invernais, e puxado por dois bois emparelhados por cangas, também elas ornamentadas com flores de papel. O rolamento das rodas, feitas em madeira de nogueira, traz consigo uma chiada que se confunde com um lamento. A intenção é evidente: o Pai Velho, quando anda, tem de parecer velho. Porque é isso mesmo que simboliza, a estação morta, decrépita, que está a chegar ao fim. O que nos leva ao segundo carro, forrado com bucho e junco e japoneiras e mimosas e cedro, uma festa verdejante que reconhecemos como um avanço da Primavera. O Carro das Ervas, como é por cá apelidado, representa a estação nova, a floração, a fertilização.
No Domingo, depois da missa, o desfile é realizado sem queima – isto é, sem enterro. É, de igual modo, um desfile mais curto. Há, contudo, paragens (aqui conhecidas como partes), que correspondem a certas encenações de maldizer levadas a cabo pela população local em pontos marcantes do cortejo, além do habitual acompanhamento das rusgas, com concertina e castanholas e percussões, mais os tradicionais cantares ao desafio. Na Terça-Feira, além do desfile, que por si só já integra um percurso maior, com tudo o que a ele diz respeito e mais uns quantos figurantes que em agonia se despedem da figura hibernal, conclui-se a marcha na queima do Pai Velho – queimam-lhe apenas o corpo feito a colmo, porque o busto é guardado, em lugar secreto, pela organização, afim de ser reutilizado no ano seguinte.
Na queima, o chamado Velório do Pai Velho, é lido o testamento, episódio comum aos Entrudos nacionais, onde o orador aproveita para cuspir sátira, acusações e insinuações relativos ao último ano, com dedo acusatório à vizinhança e ao poder local. Se não dá para o fazer nesta altura, não dá em nenhuma outra. Depois de ouvir o testamento, intermediado por gargalhadas de desforra e culpados sorrisos amarelos, dá vontade de responder sem sátira, sem acusações, sem insinuações: viva o Entrudo português!

Segue è frente o Pai Velho que, depois de queimado, abre portas à Primavera do Carro das Ervas

Rusgas de concertinas e castanholas acompanham o Pai Velho

O Pai Velho: corpo de colmo, busto de pau

O Carro das Ervas, símbolo da Primavera
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.86678 ; lon=-8.19946