Castelo de Ansiães

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Um antigo burgo medieval, ainda reconhecível nas ruínas do gigante Castelo de Ansiães, conta-nos uma crónica que recua até à pré-história. Esteve povoado durante cinco milénios. Hoje, a descendência das suas gentes encontra-se nas aldeias e vilas em volta, em especial em Carrazeda de Ansiães, situada uma légua a norte e actual sede de concelho.
Um castelo e uma vila
No planalto de Carrazeda de Ansiães são várias as colinas que sobressaem. Mas uma delas, nem sequer a mais alta, tornou-se especial. Nela se desdobram duas cinturas de muralhas: uma pequena, ovalada, assente na elevação; e outra comprida e com a altura de três ou quatro homens, que engole a primeira e domina o outeiro.
À longa muralha exterior corresponderia a vila – ou seja, a zona residencial, organizada por duas estradas principais em cruz e outras secundárias que saíam como nervuras dessas. As ruínas das casas ainda podem ser agora reconhecidas, ainda que em avançado estado de destruição. Ao perímetro amuralhado interior corresponderia o castelo propriamente dito, ou a alcáçova, se preferirmos, apetrechado pela torre de menagem e outros aparelhos militares, reduto último para onde a vila recuava em caso de ocupação da cerca exterior.
O majestoso conjunto é ainda reforçado pelas duas igrejas que cá encontramos – uma intramuros, a de São Salvador, e outra, bastante arruinada, extramuros, do lado oeste, a Igreja de São João Baptista. Sobre a segunda, infelizmente, pouco há a observar. Foi adaptada a curral e hoje resta-lhe a côdea e pouco mais. A cobertura voou e mesmo os panos de granito não resistiram aos elementos. Mas na Igreja de São Salvador, levantada no século XII ou XIII, temos um belo exemplo de arte românica, sobretudo pelo tímpano do portal onde se esculpiu, com rudes linhas, um Cristo em Majestade, sentado no trono do mundo e acompanhado dos evangelistas.
Função militar na alcáçova e torre de menagem, vida civil nas residências da cerca exterior, religião nos templos dentro e fora da muralha – assim se garantia a plenitude de uma comunidade que, como veremos, tinha a particularidade de ser dona de si própria.

Igreja de São Salvador
Cinco mil anos de história
É interessante ver como um sítio que, aparentemente, contou sempre com gente desde o Calcolítico, talvez com interregnos de curta duração, se vê agora deserto. A causa é fácil de explicar: os tempos mudaram, e deixou de existir necessidade da população indefesa procurar um castelo onde se possa recolher em caso de ameaça.
Hoje o que se quer é trabalho, e o trabalho existe nos grandes centros urbanos, providos de rio ou mar ou ambos, livres de climas austeros e fornecidos por bons acessos viários e por toda a gama de serviços. Ora, o Castelo de Ansiães não é nada disso. Pelo contrário, é o testemunho de várias épocas em que a constante atemorização obrigava os povos a fixarem-se junto de bastiões defensivos.
A fundação de um município
De facto, a arqueologia mostra-nos que entre o terceiro milénio antes de Cristo e a actualidade, o antigo Castelo de Ansiães viu-se povoado pelo homem proto-histórico, por tribos pré indo-europeias, por romanos, eventualmente suevos ou visigodos, e mouros. Tudo isto antes sequer de haver um começo de Portugal.
Nos tempos da Reconquista, D. Fernando I, o Magno rei de Leão, atribuiu-lhe foral e estabeleceu-lhe limites muito próximos dos agora estabelecidos para o concelho de Carrazeda de Ansiães. O objectivo era repovoar espaços cristãos e garantir uma linha de defesa que acompanhasse o curso do rio Douro. Os forais repetem-se com os três primeiros reis portugueses: D. Afonso Henriques (bisneto de Fernando I), D. Sancho I, e D. Afonso II. Quando D. Afonso III chega ao trono, depois de vencer a guerra civil contra o seu pai D. Sancho II, dá-lhe uma promoção – uma Carta de Feira, que assinalava e regulava uma feira mensal.
Esta sequência de atribuição de novos forais a cada reinado só sublinha a importância que a fortaleza teve na primeira metade da dinastia de Borgonha. A complementar, note-se que o Castelo de Ansiães fugiu à norma da época. Apesar de poder ter um Senhor, no sentido de este ser o senhorio do território, o alcaide da vila, ou seja, o seu administrador, era o povo. As decisões dependiam de um debate e consequente consenso popular, numa abordagem muito próxima das concelhias modernas.
Ansiães leal ao reino de Portugal
Chegado o final da I dinastia, D. Fernando entrega o forte e a vila a uma família da sua confiança – os Porto Carreiro, encarregues da sua governação. O povo da vila, de início, aceita a decisão régia e não tem qualquer reacção. Contudo, pouco tempo depois, D. Fernando morre, deixando apenas uma filha – para nosso mal, casada com D. João I de Castela. O reino vizinho assume que fica, por herança, com o reino português.
João, meio-irmão de D. Fernando, conhecido por cá como Mestre de Avis, reclama o trono e afronta a vontade castelhana. As massas estão com ele. A alta nobreza, em geral, não. Em Ansiães, a mesma realidade é vivida: a vila põe-se do lado do Mestre de Avis, a família Porto Carreiro pisca o olho a Castela. O povo de Ansiães acaba por se revoltar e expulsar os Porto Carreiro da vila. A contenda, num plano nacional, acaba resolvida com a célebre batalha de Aljubarrota que confirma o Mestre de Avis como primeiro rei da segunda dinastia portuguesa.
D. João I de Portugal não esquece a lealdade do Castelo de Ansiães à sua causa e entrega vários privilégios a quem lá vive. Obras são feitas, sobretudo ao nível das muralhas, ampliando-as. Contudo, mais de três décadas depois, resolve colocar uma nova família como detentora dos direitos e rendas da vila: a família Sampaio. A decisão é tomada no contexto da reestruturação da nobreza portuguesa, quando D. João I percebeu que a legitimidade da dinastia de Avis só seria possível se se premiassem os fidalgos que lhe eram mais leais.
O castelo do povo
Os Sampaio ficaram senhorios da vila até que um deles, Rui Dias de Sampaio, tentou apegar-se da alcaidaria para fazer valer os direitos que lhe foram transmitidos. A vila de Ansiães, mais uma vez, virou-se contra o seu Senhor. Os Sampaio, tal como antes aconteceu com os Porto Carreiro, acabam escorraçados.
D. Manuel I, então rei de Portugal, declara que o castelo e a alcaidaria seriam, a partir dali, sempre governados pela concelhia, e não mais seriam entregues a um novo fidalgo estranho às suas gentes. Ansiães regressava à sua primeva organização: uma terra vivida, trabalhada e gerida por homens livres.
Todavia, o espaço do castelo e da vila perdiam competitividade face às vantagens de outros povoados circundantes. As guerras eram cada vez menos. O território, felizmente, encontrava-se pacificado. Por ironia, foi a paz que desertificou Ansiães. Não havia uma necessidade básica de estar perto de recintos amuralhados. Ainda para mais, ficando no topo de um outeiro, a fortaleza tinha escassez de água, levava com intensas cargas de vento e frio, e, como resultado, contava com solos frequentemente estéreis.
As migrações começaram, em vários sentidos, mas sobretudo para Carrazeda, uma povoação a cerca de cinco quilómetros, ainda a grande altitude, mas virada para o sol, guarnecida por um ribeiro, munida de melhores acessos e de bom escoamento de produtos pelo Douro, e protegida das aragens nortenhas pelo monte do Alto da Pranheira.
Em 1734 a sede de concelho passa definitivamente para Carrazeda, muito por iniciativa do juiz Araújo e Costa. Conta-se que houve resistentes que se recusaram a deixar um sítio onde todas as suas anteriores gerações tinham vivido. Talvez sim, talvez não. A verdade é que a vila fortificada de Ansiães estava já quase ao abandono e ficou definitivamente às moscas com a destruição do seu maior símbolo de poder local, o pelourinho da vila, a mando de Araújo e Costa. Ao fim de praticamente cinco milénios, o ciclo da vila e do Castelo de Ansiães chegava ao fim.
As lendas
Ao Castelo de Ansiães estão relacionadas diversas lendas.
José Viale Moutinho refere que sensivelmente a meio da vila se encontra uma cisterna guardadora de um túnel que passa por baixo do rio Douro e termina no antigo castelo de Freixo de Numão. Uma variante da mesma lenda refere que uma serpente que caiu na cisterna saiu do outro lado pelada. Uma outra conta que a cisterna não esconde um túnel mas sim um reservatório onde está um livro com todos os ensinamentos mágicos do castelo.
Estas versões dão a entender que a cisterna poderia eventualmente ser um poço iniciático. A referência à serpente sublinha isso mesmo – a serpente, pela mudança da pele, está associada ao rito do novo eu, isto é, a alguém que, vencendo um obstáculo (neste caso, o poço), entraria num estado mais avançado de consciência. A segunda versão que referencia um livro com os saberes ocultos da fortaleza também aponta para aí.
Alexandra Parafita, no seu livro Património Imaterial do Douro (Volume II), relata o testemunho de Maria do Amparo Martins, uma senhora de 75 anos que nos conta acerca de uma moura que, ao fugir do seu pai por um túnel do castelo, acabou vítima de um feitiço que ninguém conseguiu derribar. A mesma moura pode ser ouvida a chorar a quem lhe passe perto.
Estamos, neste caso, perante uma evidente moura encantada, ser fantástico que habita as águas ribeirinhas e forjadora de destinos.
Carrazeda de Ansiães – o que fazer, onde comer, onde dormir
De uma vila medieval - hoje o abandonado Castelo de Ansiães que guarda, entre outras coisas, a bela Igreja de São Salvador -, o povo fez as malas e assentou em terriolas cercanas. Uma delas, a mais povoada das redondezas, foi a de Carrazeda, agora conhecida como Carrazeda de Ansiães, sede de um concelho vigilante do Douro e do Tua.
Em Carrazeda, aproveite-se a Taberna da Helena para quem gosta de boa carne. Num registo mais castiço, o restaurante Convívio também se recomenda. Os produtos da região têm na Feira da Maçã, do Vinho e do Azeite a altura ideal para serem provados - está marcada para final de Agosto, em Carrazeda. Fora da gastronomia, os carrazedenses que me perdoem mas, na minha opinião, o que há mais para oferecer no município está na natureza e não na actual vila: as belas anta de Vilarinho da Castanheira e anta de Zedes, bem como o imponente planalto granítico sobranceiro ao Douro e que pode ser percorrido através da Rota dos Miradouros, tal como vários lugares lendários como a Fraga da Ôla e a vizinha Fraga das Bruxas.
Para dormir, há uma bonita morada em Vilarinho da Castanheira, a Casa Dona Urraca. Na fronteira sul do concelho, os socalcos vinhateiros dão-nos dois óptimos poisos de xisto: o Hotel Casa do Tua e o Terraços de Baco, ambos excelentes para entrarmos no mundo dos vinhos do Douro.
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.20274 ; lon=-7.3055