Rio Tua

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Há três associações que fazemos ao rio Tua: a transmontana cidade de Mirandela, a encerrada linha férrea do Tua, e a controversa barragem que edificaram na sua foz. Pedaços de um curso fluvial que, nos últimos anos, andou nas capas de vários jornais nacionais.
O outro lado do Douro
Sendo parte da bacia do rio Douro e estando em boa parte integrado na Região Demarcada do Douro, ao Tua colamos a imagem dos socalcos vinhateiros durienses – estradas de enxertos e parra que deslumbraram a UNESCO e quem quer que por lá navegue.
Contudo, o rio Tua é bem mais do que isso. As vinhas, na verdade, são apenas os últimos troços do seu percurso. A montante a história é outra. Uma estrambólica linha de comboio ao abandono, um parque natural que abrange praticamente todo o Baixo Tua, uma zona de vale aberto em terra quente, e, na sua nascente, uma terra de alheiras que fez vida à sua volta.
A antiga província de Trás-os-Montes e Alto Douro tem no Tua uma expressão física de si mesma: o Tua é, na sua primeira metade, uma representação de Trás-os-Montes; e também é, na sua segunda metade, uma representação do Alto Douro.
Iremos a cada um destes lugares individualmente. Para já importa que se compreenda que o Tua não tem uma identidade, mas sim várias, organizadas ao longo de pouco mais de quarenta quilómetros. E, mesmo assim, é sentido da mesma maneira pelas pessoas que dele fizeram quotidiano. A forma como entrou pelos telejornais adentro, com associações e municípios e povoações a exigirem que não se esquecessem dele, mostra bem a veneração de que é alvo, como um Deus, ou um genius loci, sítio tão marcante que se torna sacral.
Veja-se o magnetismo que exerce. Mesmo depois de perder quase por completo a sua função comercial, ligando o norte transmontano ao principal rio nortenho português e, enfim, ao Atlântico; mesmo com os efeitos da polução industrial a invadirem-lhe, várias vezes, o corpo; mesmo matando o seu velho amigo, o comboio que o acompanhava em cada metro; mesmo depois de tudo isto, ainda há quem se faça a ele – a pé, a nado, a remo – por puro hedonismo.

O típico postal mirandelense: Tua e Ponte Velha
Um rio em quatro partes
É quase uma légua a norte de Mirandela que o rio Tua se constrói. Por aí existe um parque de campismo chamado 3 Rios. O nome diz tudo. Os três rios são o Rabaçal e o Tuela, vindos de Espanha, que, juntando-se, formam um novo: o Tua. Este será novamente engordado na própria cidade, quando a ribeira de Carvalhais se lhe junta, próximo da praia fluvial.
Quando o Tua corre pelas três pontes mirandelenses, já tem o tamanho de um rio de excelência. A imagem típica do postal de Mirandela é, a propósito, a do Tua atravessado pela célebre Ponte Velha, actualmente pedonal e imagem de marca da terra.
Daqui para a frente, o rio deixa o ambiente urbano em que nasce e espraia-se por um vale regular e xistoso, quente nos meses de verão e solarengo durante boa parte do ano, sem sobressaltos de maior. Praias fluviais vão surgindo, umas menos oficiais que outras. O campo abre-se ao céu. No meio de pinheiros, há árvores do sul: azinheiras, oliveiras e sobreiros. Assim prossegue, recebendo visita de uma meia dúzia de afluentes de menor importância, até à fronteira sul do concelho de Mirandela.
É só em Cachão, ou sobretudo entre Sobreira e Brunheda, quando o Tua recebe o Tinhela e vira rio-fronteira do distrito de Bragança e de Vila Real, que a natureza lhe dá algum alvoroço. Pode dizer-se que os pontos de interesse mais relevantes se encontram nesta área. O Parque Natural Regional do Vale do Tua cobre esta zona e lá vão os praticantes de birdwatching tirar a sua sorte. Erguem-se escarpas graníticas e o rio afunda-se centenas de metros abaixo do planalto onde se enfiou. Os promontórios dão condições para a criação de miradouros, os percursos pedestres tornam-se a melhor forma de nos aproximarmos do caudal, a fauna encontra recantos suficientes para aumentar a sua diversidade, o carvalho salta para o lugar da frente no campeonato da flora. Aqui estava a etapa mais perigosa do mítico e extinto caminho de ferro do Tua, e aqui também se registaram os seus piores acidentes de comboio, alguns deles mortais.
Quatro quilómetros antes de chegar ao Douro, a ribeira de São Mamede converge com o Tua e marca a passagem para novos terrenos de xisto. A força que ganhou no planalto é estancada pela barragem, obra ainda polémica, geradora de tantos artigos de opinião. Compreendam-se ou não as intenções de quem as faz, e não me cabe a mim, neste espaço, discutir isso, a verdade é que as barragens são imponentes paredes de cimento que alteram significativamente a paisagem – estão longe, pela sua dimensão, de ser indiferentes. A foz do Tua mudou radicalmente com o tampão que lhe puseram à frente. Tornou-se, por um lado, menos indomável, e por outro, mais economicista. Contudo, houve coisas que se mantiveram iguais. Este é o Tua do vinho. O Tua cercado por degraus de terra trabalhada. O Tua do Douro. Isso, pelo menos, a barragem não lhe tirou.