Cabeça da Velha da Senhora do Desterro

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Sempre que a aleatoriedade dos elementos desenha qualquer coisa que a mente reconhece, o povo atribui nome à obra. Assim acontece com variados penedos das serras portuguesas, sobretudo os graníticos, da Gardunha, da Estrela, do Marão, do Gerês…
Neste caso abordaremos um que é bem conhecido do povo de Seia e Gouveia, um que muito me diz por o conhecer desde criança: a Cabeça da Velha.
Uma cara de granito
Imediatamente a leste de São Romão, e um pouco a norte da compilação de capelas que designámos como Santuário da Senhora do Desterro, numa estrada que nos conduz até à ermida do Senhor do Calvário, achamos um rochedo arredondado com uma saliência notória – que atribuímos ao nariz – e uma fissura vincada – que associamos à boca ou aos lábios. A estátua em causa, desenhada exclusivamente pelas vicissitudes do vento e do tempo, rapidamente ganhou o nome de Cabeça da Velha. Calhou que assim ficasse, com uma forma que, de quase todo o lado, percepcionamos como um rosto.
Fenómenos semelhantes podem ser vistos não muito longe dali: bem perto, no vizinho concelho de Gouveia, encontramos o penedo que os locais apelidaram de Cabeça do Velho, e do outro lado da Estrela, há uma outra fraga intitulada, também, Cabeça da Velha, esta situada em Sortelha que é muitas vezes confundida com a que aqui falamos.
As cabeças que encontramos em Gouveia e em Sortelha são, na minha singela opinião, mais bonitas, a primeira pela escultura, a segunda pela envolvência. Contudo, a Cabeça da Velha de São Romão tem a si atribuída uma lenda que lhe dá uma aura ímpar, distinguindo-a das restantes. Lá chegaremos.
A Senhora do Desterro e o Senhor do Calvário
Nas proximidades da Cabeça da Velha temos o já mencionado conjunto de capelas a que chamamos o Santuário da Senhora do Desterro.
A Senhora do Desterro é um dos múltiplos nomes que Maria toma, neste caso aplicado a pontos geográficos inóspitos, ermos de difícil alcance, ou desterros, no fundo. A Senhora do Desterro diz também respeito ao episódio da fuga de Maria, José, e Jesus, para o Egipto. O Egipto, à época, era pagão, e segundo o relato do Milagre do Ídolo (registo apócrifo), uma estátua de um Deus local cai quando a sagrada família passa por ele.
Quem sabe se algo de muito semelhante não se passou por aqui. Quem sabe se um rochedo de forma estranha, aludindo a um rosto humano, não foi antes cultuado, como muitos outros penedos foram. E quem sabe se essa fraga, popularmente conhecida como Cabeça da Velha, não caiu aos pés do cristianismo quando o culto Mariano chegou a Portugal, tal e qual como a estatuária dos Deuses egípcios se quebraram à passagem de uma nova fé.
Certo é que a Igreja fez questão de colocar uma capela bem encostada à Cabeça. Essa mesma ermida, a do Senhor do Calvário, é relatada na lenda de Afonso e Leonor. E a ela, à lenda, dedicaremos finalmente as próximas linhas – até porque é de aproveitar o seu final a modos que feliz, fenómeno raro no lendário português.
Lenda da Cabeça da Velha
São muitas as lendas que nos contam episódios de amores proibidos. Também aqui tal sucede.
Tudo começou com uma orfã beirã, sobrinha de um fidalgo de grandes posses. Ela de nome Leonor, ele de nome Bernardo. Como era habitual, o proteccionismo do tio com a sobrinha deixava-a com pouco espaço para conhecer outra gente. E assim vivia Leonor, de estação em estação, sem dias marcantes.
A sua vida virou quando conheceu Afonso, jovem nobre mas sem dinheiro. Apaixonou-se por ele. Ele por ela. E como a ruína de Afonso era demasiado óbvia, nunca teve coragem de revelar o seu novo amor ao tio.
Namoravam às escondidas com a ajuda de uma aia chamada Marta que sempre se mostrou amiga de Leonor. Marta acordava com Afonso o melhor sítio para o casal se encontrar e gostava desse papel. Tanto que chegou a prometer a Leonor que, caso alguma vez traísse o segredo daquela relação, ela própria se transformaria numa pedra. Leonor e Afonso confiavam, assim, todos os seus encontros nas mãos da companheira.
Mas há sempre um dia em que tudo corre mal. Esse dia chegou quando Bernardo, o tio de Leonor, se deparou com Marta enquanto esta levava correspondência na mão. Tratava-se de uma carta de Afonso destinada a Leonor e por isso a aia tentou de tudo para que o fidalgo não a abrisse. Mas não conseguiu, e perante a insistência coerciva de Bernardo, viu-se obrigada a contar toda a paixão da sobrinha com o jovem fidalgo de parca fortuna. Bernardo revirou-se de revolta e obrigou a aia a combinar um novo encontro entre ambos para que os pudesse apanhar em flagrante.
Assim aconteceu. Marta, a aia, não conseguia disfarçar a culpa e desilusão consigo mesma. Tinha dito nunca falhar – ao ponto de prometer transformar-se numa pedra se isso acontecesse. Mas não teve alternativa, e no dia do encontro deixou Afonso e Leonor juntarem-se no sítio do costume. Como sempre, avisou-os de que ficaria a vigiar a área, garantindo que ninguém apareceria. Passados poucos instantes, o casal ouviu vozes na encosta – seriam os homens do fidalgo? Resolveram perguntar à aia, mas da pergunta só receberam silêncio. Dobraram então o afloramento e viram que Marta se tinha tornado uma pedra.
Apercebendo-se da traição da aia, tiveram apenas tempo de fugir. Fugiram para norte, até à Galiza, e aí permaneceram, juntos, até morrer. Contudo, antes da morte, não se esqueceram de todos os favores da aia que, muitas vezes arriscando a sua profissão, garantiu que ambos passassem tanto tempo juntos, e decidiram ir uma última vez ao lugar daquela noite fatídica. Marta lá estava, ainda em pedra. Como agradecimento resolveram construir uma capela a si dedicada.
A capela, tal como a aia de pedra, mantiveram-se nas vozes da terra e nos penedos da Estrela até hoje.

Capela do Senhor do Calvário, próxima da Cabeça da Velha
Seia – o que fazer, onde comer, onde dormir
No concelho de Seia, antes de pensar onde quer dormir, deverá perguntar a si primeiro o que quer fazer.
Para visitar a estância de esqui, o ideal é aproximar-se da Torre, não esquecendo que, ainda assim, as dormidas mais práticas até ficam no concelho de Manteigas. A Casa da Carvalha e o Loriga Hostel, ambos situados na vila de Loriga, são bastante recomendáveis, tal como a Casa do Forno, em Valezim.
Para experienciar turismo rural em aldeias de montanha, além dos supracitados, sugerimos o Abrigo do Outeiro em Cabeça (em Dezembro Cabeça cria a sua Aldeia Natal, altura em que convém marcar com alguma antecedência) ou as Casas do Soito na pitoresca vila de Lapa dos Dinheiros. Nesta vertente de turismo de natureza, torna-se uma quase obrigação visitar a mão cheia de cascatas que podemos ver nos vários Poços da Broca.
Caso a intenção seja ficar mesmo junto a Seia e ir à busca de bons repastos de cabrito com os inevitáveis Queijo da Serra e Bolo Negro a terminar refeições, lembrem-se da Quinta de Vodra. E já agora, aproveite-se para explorar o Museu do Pão e as capelinhas do Santuário de Nossa Senhora do Desterro bem como a famosa Cabeça da Velha.
Promoções para dormidas em Seia podem ser vistas em baixo:
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=40.398; lon=-7.69887