Marmoiral de Sobrado

by | 19 Abr, 2023 | Douro Litoral, Insólito, Lendas, Mitos e Lendas, Províncias

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O Marmoiral de Sobrado – também conhecido por Memorial de Sobrado, Monumento Funerário de Sobrado, ou ainda Marmoiral da Boavista, numa alusão à Quinta da Boavista que ali fica a um passo -, despertou a curiosidade da população de Castelo de Paiva, que a si atribui duas velhas lendas que pouco ou nada têm em comum.

É o Marmoiral de Sobrado realmente um marmoiral?

A melhor forma de responder à pergunta apresentada é citar quem os estuda. Joaquim Luís Costa defende que “podemos caracterizá-lo arquitetonicamente como estruturas de volume médio e alturas diversas, que possuem um espaço elevado do solo, coberto por um arco, podendo existir, sob o arco, uma cavidade sepulcral”. E continua: “De todas estas características, o arco é, sem dúvida, o elemento distintivo destes monumentos. Independentemente da altura, da largura e de ter ou não espaço sepulcral, o arco está sempre presente, excepto num caso”.

Ora, este excepto num caso refere-se precisamente ao Marmoiral de Sobrado que, como se vê, não tem qualquer arco nem mostra sinais de alguma vez ter tido. Da mesma forma, o espaço elevado do solo também é de verificação dúbia – ao contrário dos restantes marmoriais portugueses, a laje inferior do Marmoiral de Sobrado encontra-se praticamente assente em terra. Basta compararmos o nosso exemplo com o de um outro, o Memorial da Ermida, na outra margem do rio Douro, no vizinho concelho de Penafiel, para compreendermos as diferenças.

De facto, a única característica que parece bater certo com a definição descrita por Joaquim Luís Costa é a referência à cavidade sepulcral, conforme é explicado pelo mesmo, que assume que devemos utilizar o termo marmoiral em detrimento de memorial quando “os arcos [são] construídos para fins de sepultamento”.

Porquê então chamar ao caso de Sobrado um marmoiral se o seu elemento principal – o arco – não existe nem há sinais de alguma vez ter existido? A resposta é simples: porque o povo assim o chamou e porque o povo assim o continua a chamar. Alguma coisa, seja de carácter histórico, seja de carácter lendário, fez a tradição oral chegar a tal designação.

As lendas do Marmoiral de Sobrado

O paivenses habituaram-se a olhar várias vezes para o seu marmoiral – está numa via de algum tráfego automóvel -, sem perceberem exactamente o que ali estava. E como acontece em todo o lado, certos objectos de origem não identificada levam com uma explicação lendária que tanto vai buscar à imaginação colectiva como aos livros de história. No presente caso, contam-se duas narrativas que justificam o seu aparecimento.

Lenda do cortejo de D. Mafalda Sanches

Diz a tradição que D. Mafalda Sanches, filha de D. Sancho I, viajou do Convento de Arouca (que lhe teria sido oferecido depois da morte do seu pai) até ao Porto e que terá morrido no regresso, junto a Rio Tinto. Decidiu-se então que o corpo deveria ser transportado de volta para Arouca. Ao longo do trajecto, o cortejo fúnebre foi passando em diversas povoações – e estas, em homenagem a D. Mafalda, foram construindo memoriais à sua passagem. Alguns desses monumentos, sobretudo os que foram levantados com materiais mais resistentes, como a pedra, sobreviveram até hoje. O Marmoiral de Sobrado seria, portanto, um deles.

A este respeito, há ainda quem fale de uma outra lenda, paralela a esta, que defende que o corpo de D. Mafalda foi colocado no dorso de um burro quando morreu em viagem ao Porto, perto de Rio Tinto. Em todo o lugar onde o burro descansou, um memorial foi construído. Assim se fez até à derradeira paragem do asno junto do Mosteiro de Arouca, lugar onde a rainha acabou sepultada.

Lenda do duelo

Jura muita gente de Castelo de Paiva que a razão para tal monumento existir vem de um duelo entre um membro da família Bulhão (que a tradição oral associa a Martim, pai de Santo António de Lisboa) e um outro Senhor chamado D. Fafes. Porquê o duelo? Por causa de uma mulher, claro. Segundo o povo, o pai do bem-aventurado ganhou e o Marmoiral de Sobrado surgiu como forma de assinalar a vitória.

As lendas e a verdade

A simplicidade do Marmoiral de Sobrado descomplica a sua interpretação.

As duas cabeceiras ornadas com cruzes, as duas lajes paralelas, ambas com espada e cruz picada na superfície da pedra, e o tampo que cobre a lápide inferior, apontam para uma conclusão: estamos, tudo indica, perante um túmulo, e, atendendo às armas lá bicadas, um túmulo de um guerreiro com alguma relevância militar, talvez do século XII ou XIII – muito provavelmente de um nobre, sabendo que a nobreza desta época se destacava pelo comportamento belicista (contra o mouro, por um lado, mas também contra os restantes Senhores, e até contra o seu próprio rei). Quanto à pergunta que nobre?, infelizmente, não sabemos responder, já que não se vislumbra qualquer insígnia ou brasão que nos ajude na procura, nem que fosse apenas pelo reconhecimento de uma família senhorial.

Atendendo a isso, a possibilidade deste objecto ter sido construído como homenagem à Rainha Santa Mafalda, conforme relatam os paivenses, é bastante reduzida. No entanto, e dando o benefício da dúvida à lenda acima descrita, não é de afastar a hipótese de D. Mafalda ter aqui passado, fosse em vida, fosse em cortejo fúnebre, e que a partir desse momento a leitura popular se tenha alterado – de um túmulo a um soldado da Idade Média, passou a memorial de uma santa. A verdade é que, nesta zona do Douro Litoral, D. Mafalda Sanches é cultuada de forma singular – um pouco como acontece com a Rainha Santa Isabel nos vastos territórios que vão da bacia do Mondego até terras alentejanas -, e que por isso, com ou sem lenda, a população de Castelo de Paiva resolveu atribuir-lhe este monumento como agradecimento.

Quanto ao duelo de onde saiu vitorioso Martim, suposto pai de Santo António de Lisboa (ou de Pádua, como também é tratado), ainda que seja hipótese rebuscada, tem pelo menos a felicidade de puxar a temática marcial – que é a verdadeira – para a procedência do marmoiral.

Desenho de espada e cruz em círculo no Marmoiral de Sobrado

Espada e cruz na laje inferior

A Quinta da Boavista, junto ao Marmoiral de Sobrado

Portão da Quinta da Boavista

Castelo de Paiva – o que fazer, onde comer, onde dormir

Castelo de Paiva desfruta de duas vantagens duras de bater: a proximidade à cidade do Porto e o encosto ao rio Douro, via fluvial navegável daqui até à sua foz. A história da sua economia, da sua política, do seu turismo, não se consegue desligar destes dois atributos elementares. De cá, à beira do que hoje chamamos o Choupal das Concas, partiam rabões carregados de carvão até às centrais eléctricas próximas da Invicta, fazendo do Douro estrada. Hoje, a indústria exportada é outra, maioritariamente ligada ao calçado e à produção de peças para automóveis. A autoestrada não fica muito longe, permitindo escoamento rápido até à A1. O rio vê-se agora como palco de actividades de desenfado, como os renomados cruzeiros às regiões vinhateiras que por aqui passam a caminho da Régua.

Se repararmos, Castelo de Paiva está todo virado para os seus rios. O Douro, como já falámos, mas também o Paiva, o Arda, o Sardoura, que descem das serras a sul. É à beira-rio, ou perto disso, que descobrimos os melhores destinos paivenses: Sobrado e Castelo de Paiva lado a lado enquanto urbes de referência da concelhia; a aldeia de Midões, a cair no Douro, que dava uma bonita pintura nas mãos certas; a vizinha Gondarém, que só peca por não ter ribeira para aliviar o calor; a Praia do Castelo que está defronte da lendária Ilha dos Amores; o simbólico Entrudo de Pedorido, realizado na foz do Arda, depois de um cortejo que atravessa a Ponte Velha; e o Monte de São Domingos, de onde avistamos quase tudo o que acabámos de referir acima. Até o que é de má memória lá anda, como o Anjo de Portugal, homenagem escultórica à tragédia da ponte de Entre-os-Rios. Uma boa forma de correr a maior parte destes poisos é fazendo o percurso Viver o Douro.

O flanco meridional do município, constituído por pequenas e médias elevações junto a Real e a Paraíso e onde os caudais fluviais são nulos ou insuficientes, está presentemente pouco mais que vazio, com algumas povoações dispersas mas sempre com escassos habitantes. No caso de Paraíso, ficou a recordação dos antigos e desgastantes trabalhos mineiros, estaleiros de extracção dos subsolos onde abundam o cobre, o ferro, o chumbo, o antimónio, o estanho, e o carvão. Mas ainda esconde uma das romarias mais pitorescas do concelho, a de Santa Eufémia, em Setembro no, no lugar de Touris. E a freguesia de Real vive numa indecisão do relevo - de um fértil vale crescem de mansinho os maiores outeiros paivenses, como é o caso do Monte de Santo Adrião.

Onde comer

Para comer, o Raiva, que é também restaurante de serviço de um hotel de luxo de que já falaremos, tem óptima cozinha de autor onde os pratos variam conforme os ciclos das colheitas. No extremo oposto, indo à cozinha popular sem adornos mas feita com muito coração, temos na vila de Castelo de Paiva a Adega do Sporting, que confecciona travessas de acepipes típicos como poucos - os pratos mudam de dia para dia, mas há snacks recorrentes, como os bons bolinhos de bacalhau. Bom cabrito, mas normalmente por encomenda, é na Casa de São Pedro - e por lá temos de sobremesa o célebre Pão de Ló de Folgoso que, com a Sopa Seca, emproam as sobremesas tradicionais municipais.

Onde dormir

Para dormir, se o plafond for alto, o Octant Hotels Douro é maravilhoso, dissimulado em socalcos sobre o rio que lhe dá nome, carregado de serviços de luxo, tendo como complemento o já mencionado restaurante Raiva. Também à beira-rio, mas desta vez no Paiva, há três casas que fornecem dezasseis quartos - dão pelo nome de Rio Moment's e estão bem perto de um par de praias fluviais. A preços mais modestos, temos a simples mas cómoda Casa da Bichaca, ou ainda o Cimo da Vinha - Nature Spot, embuçado numa serra de densa vegetação onde a calmaria do sul do concelho se afirma.

Mapa

Coordenadas de GPS: lat=41.04276 ​; lon=-8.27009