Anjo de Portugal

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Lembro-me de uma vez, num passeio que fiz numa lancha em torno da Ilha dos Amores, olhar para o Anjo de Portugal repetidamente e, só por isso, reprimir um pouco o meu contentamento. A verticalidade da estátua impõe-se, ainda que diminuida pela magnitude das actuais pontes, e serve de contraponto fúnebre às maravilhas que o Douro, o Tâmega, e o Paiva trazem no momento em que se encontram.
A tragédia de Entre-os-Rios foi, pelas piores razões, dos acontecimentos mais mediáticos da história recente do país. A esta escala, só os incêndios de Outubro de 2017 se podem equiparar. Mesmo assim, sabemos como a memória é frágil. Daqui a décadas, novas gerações olharão para esta figura doirada sem lhe conhecer a razão da existência. Muito provavelmente, os visitantes mais jovens já encaixam nesse perfil. Mas para quem tem acima de trinca e cinco anos de idade na altura em que estas palavras são escritas, a efígie está lá para garantir que as recordações, mesmo que más, são para ficar.
A calamidade
Foi numa noite de Inverno nortenho, daqueles em que o Douro corre castanho, feito navio de carga de lodo e cascalho, que se deu a tempestade perfeita. Mau tempo, corpulenta corrente fluvial, exctracções indevidas de agregados, fracos e desgastados alicerces: tudo funcionou ao mesmo tempo.
A falta de luz escondeu o que se estava a passar, e um autocarro que retornava de uma excursão em Foz Coa, acompanhado de mais três viaturas, avançou pelo tabuleiro no momento em que este vergou. Cinquenta e nove pessoas caíram nas revoltosas águas durienses. Cinquenta e nove pessoas morreram. Pouco mais de um terço delas foi depois reencontrado – alguns na Galiza, bem longe daqui.
A comunidade assistiu a tudo sem querer acreditar. Uma negação que durou pouco tempo, até ao dia seguinte, quando as buscas começaram. Os familiares das vítimas ficaram profundamente traumatizados. Até hoje. O rio é uma ferida aberta para esta gente. Lembra-lhes o que se passou. Ainda há quem evite fazer a travessia, ainda há quem reze quando a faz.
As visitas das figuras mais altas da República aconteceram, não havia outra hipótese. O Presidente. O Primeiro Ministro. E o que se seguiu foi uma série de obras públicas no exacto sítio onde a catástrofe tinha acontecido, em jeito de compensação. Novas pontes, agora duas, em paralelo. Uma biblioteca nova. Uma escola nova. Uma modesta indemnização às famílias que tinham perdido uma parte de si. E uma escultura a que é impossível fazer descaso, à beira rio, de grave sobriedade.

A base onde cada nome é lembrado
Doze toneladas de luto
Na margem esquerda, numa homenagem aos que perderam a vida, um arquitecto (Henrique Coelho) e um escultor (Laureano Ribatua) trabalharam em conjunto num monumento que destaca um anjo de bronze doirado. Tem uma óbvia direcção vertical – como é também a orientação dos anjos no imaginário cristão, intermediários entre a terra e os céus -, e as mãos parecem delimitar um espaço abençoado.
Na totalidade, contando com escultura e plataforma, são vinte metros de altura. Doze deles dizem respeito ao anjo, que pesa outro tanto em toneladas. Chamaram-no Anjo de Portugal. Há quem o trate por Anjo da Guarda, provavelmente por quererem que ele cumpra esse papel – ser um guardião das almas, daqui até aos estágios celestes.
A sua base funciona como uma capela. Acede-se por uma escada que convida à reflexão. Lá em baixo estão colocados os nomes das cinquenta e nove vítimas. Um novo corredor daí parte e prolonga-se até à margem do Douro. É lá que, anualmente, no dia 4 de Março, a data fatídica, se reza por quem morreu. A cerimónia vem acompanhada pelo lançamento de flores ao rio.
À nossa frente é possível vermos alguns barcos em passeios lúdicos, alugados na Fluvina de Entre-os-Rios, no Cais do Torrão ou no Cais do Castelo. E mesmo assim, o Anjo de Portugal está feito de maneira a que não consigamos largar o pesar. Percorrê-lo é uma oração. Não podia ser de outra maneira.

A verticalidade de um anjo de cobre e ouro
Castelo de Paiva – o que fazer, onde comer, onde dormir
Castelo de Paiva desfruta de duas vantagens duras de bater: a proximidade à cidade do Porto e o encosto ao rio Douro, via fluvial navegável daqui até à sua foz. A história da sua economia, da sua política, do seu turismo, não se consegue desligar destes dois atributos elementares. De cá, à beira do que hoje chamamos o Choupal das Concas, partiam rabões carregados de carvão até às centrais eléctricas próximas da Invicta, fazendo do Douro estrada. Hoje, a indústria exportada é outra, maioritariamente ligada ao calçado e à produção de peças para automóveis. A autoestrada não fica muito longe, permitindo escoamento rápido até à A1. O rio vê-se agora como palco de actividades de desenfado, como os renomados cruzeiros às regiões vinhateiras que por aqui passam a caminho da Régua.
Se repararmos, Castelo de Paiva está todo virado para os seus rios. O Douro, como já falámos, mas também o Paiva, o Arda, o Sardoura, que descem das serras a sul. É à beira-rio, ou perto disso, que descobrimos os melhores destinos paivenses: Sobrado e Castelo de Paiva lado a lado enquanto urbes de referência da concelhia; a aldeia de Midões, a cair no Douro, que dava uma bonita pintura nas mãos certas; a vizinha Gondarém, que só peca por não ter ribeira para aliviar o calor; a Praia do Castelo que está defronte da lendária Ilha dos Amores; o simbólico Entrudo de Pedorido, realizado na foz do Arda, depois de um cortejo que atravessa a Ponte Velha; e o Monte de São Domingos, de onde avistamos quase tudo o que acabámos de referir acima. Até o que é de má memória lá anda, como o Anjo de Portugal, homenagem escultórica à tragédia da ponte de Entre-os-Rios. Uma boa forma de correr a maior parte destes poisos é fazendo o percurso Viver o Douro.
O flanco meridional do município, constituído por pequenas e médias elevações junto a Real e a Paraíso e onde os caudais fluviais são nulos ou insuficientes, está presentemente pouco mais que vazio, com algumas povoações dispersas mas sempre com escassos habitantes. No caso de Paraíso, ficou a recordação dos antigos e desgastantes trabalhos mineiros, estaleiros de extracção dos subsolos onde abundam o cobre, o ferro, o chumbo, o antimónio, o estanho, e o carvão. Mas ainda esconde uma das romarias mais pitorescas do concelho, a de Santa Eufémia, em Setembro no, no lugar de Touris. E a freguesia de Real vive numa indecisão do relevo - de um fértil vale crescem de mansinho os maiores outeiros paivenses, como é o caso do Monte de Santo Adrião.
Onde comer
Para comer, o Raiva, que é também restaurante de serviço de um hotel de luxo de que já falaremos, tem óptima cozinha de autor onde os pratos variam conforme os ciclos das colheitas. No extremo oposto, indo à cozinha popular sem adornos mas feita com muito coração, temos na vila de Castelo de Paiva a Adega do Sporting, que confecciona travessas de acepipes típicos como poucos - os pratos mudam de dia para dia, mas há snacks recorrentes, como os bons bolinhos de bacalhau. Bom cabrito, mas normalmente por encomenda, é na Casa de São Pedro - e por lá temos de sobremesa o célebre Pão de Ló de Folgoso que, com a Sopa Seca, emproam as sobremesas tradicionais municipais.
Onde dormir
Para dormir, se o plafond for alto, o Octant Hotels Douro é maravilhoso, dissimulado em socalcos sobre o rio que lhe dá nome, carregado de serviços de luxo, tendo como complemento o já mencionado restaurante Raiva. Também à beira-rio, mas desta vez no Paiva, há três casas que fornecem dezasseis quartos - dão pelo nome de Rio Moment's e estão bem perto de um par de praias fluviais. A preços mais modestos, temos a simples mas cómoda Casa da Bichaca, ou ainda o Cimo da Vinha - Nature Spot, embuçado numa serra de densa vegetação onde a calmaria do sul do concelho se afirma.
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.07734 ; lon=-8.29502