Lenda da Serpente de Serpa
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À palavra Serpa estão ligadas três lendas onde ofídios tomam o lugar de destaque – ora usando o termo serpente, ora usando o termo cobra.
A Lenda da Serpente do rio Anas
Corre a crença de que o território que é hoje Serpa, quando não passava de terras de tojo e silvado, tinha uma vigilante singular: uma enorme serpente voadora, que socorria aquele território de ninguém sempre que alguma alma humana a ameaçasse de alguma forma.
Vivia acoplada às rochas do rio Anas, actual rio Guadiana, o grande rio do sul. Os testemunhos populares falam do fogo que mandava das ventas para fora, dizimando qualquer pessoa que ousasse malfazer a natureza áspera e seca da região.
E daí o nome – Serpa, da serpínia alada que a protegia, e protege, até hoje. E digo até hoje porque ainda se acredita que este quase dragão esteja adormecido debaixo do solo, preparado para despontar mal haja algum sinal de provocação às gentes serpenses.
Lenda da Cobra da Quinta do Fidalgo
A noroeste da cidade de Serpa, perto de onde agora se encontra a manuelina ermida São Sebastião, havia um feudo ao qual se chamou a Quinta do Fidalgo. Na quinta vivia uma bela fidalga chamada Ana, infelizmente vítima de um encantamento que a transformou em cobra.
Não era uma cobra vulgar. Apresentava cabelo, provavelmente o cabelo que herdou da sua forma humana, e deambulava sempre em torno de uma grande figueira que ali se fixou.
Segundo se conta, a fidalga Ana, agora transformada em cobra, aparecia nas noites de São João, e ao seu lado também se via um tesouro, ostensivo e sedutor, que ficaria para qualquer caminhante que tivesse coragem para lhe tirar o feitiço de cima.
Lenda da Cobra da Horta de Cima
Em Vila Verde de Ficalho falava-se ainda de uma outra cobra, desta vez com uma trança em vez de uma cabeleira, e que aparecia, também, no dia de São João, mas neste caso durante a manhã.
Guardava um tesouro, escondido junto a uma nascente de água, num sítio a que chamavam Horta de Cima.
Para desencantar a cobra, devíamos confrontá-la, sem medos, durante a noite, com a ajuda de duas imagens da Virgem Maria.
Os protectores de Serpa: o castelo e a serpente alada
As cobras e serpentes de Serpa
Serpa adoptou a serpente, nomeadamente a serpente alada, ou seja, a enunciada na Lenda da Serpente do rio Anas, como o seu símbolo maior. O brasão de Serpa não engana – na zona inferior do escudo, lá se encontra a serpente portadora de magníficas asas, em tom prateado.
Mas não está sozinha. No Baixo Alentejo, para não irmos mais longe, há substanciais relatos lendários com serpentes ou cobras como heroínas ou vilãs. Veja-se a do Castelo de Noudar, que saía do seu recanto durante a noite, e tinha uma trança de cabelo na cabeça, tal e qual como a cobra da Horta de Cima. Em Beja, distrito do qual Serpa faz parte, uma serpente maligna ameaçava a população, que teve de a alimentar com um touro envenenado para a matar
Tudo isto parece reforçar a ideia remota da península ibérica ser uma terra de serpentes, a Ophiussa que os gregos proclamavam. A carga que tal designação carrega é misteriosa. A serpente sempre foi um animal de contrastes.
Um paralelismo pode ainda ser feito com o Egipto, sobretudo nas duas últimas lendas. Com efeito, no Egipto, o sol vibrante e aterrador era divinizado através da imagem de uma cobra – podemos estabelecer uma ligação com Serpa, onde o sol, como sabemos, tem uma força avassaladora? Ademais, uma imagem de uma cobra com cabeça de mulher foi também encontrada no túmulo de Tuthankamon, o que remete para as cobras de fartas cabeleiras ou com tranças que os serpenses e outros alentejanos mencionam.
Acrescente-se que, por vezes, estas serpentes parecem desvios semânticos de um outro ser mitológico muito famoso em Portugal e na Galiza: a Moira Encantada, já descrita aqui e aqui. De facto, estes seres estão muito associados à água, e em todos os relatos esta parece ser coincidente: na primeira, a serpente alada residia à beira do Guadiana; na segunda, não havendo referência directa à água, temos uma mulher-cobra com o nome Ana, mais uma vez associando-a ao rio Guadiana (Ana seria o termo ibérico para a palavra rio, que mais tarde originou a palavra Guadiana com ajuda do árabe) – nesta segunda lenda, não deixa de ser curioso que a fidalga enfeitiçada se resguardava junto a uma figueira, sendo o figo um dos frutos que as moiras encantadas transformavam em ouro depois do desencanto; por fim, na última lenda aqui descrita, menciona-se uma nascente de água junto a um lugar chamado Horta de Cima.
Serpa – o que fazer, onde comer, onde dormir
Serpa, terra quente e fundada por uma lendária serpente alada, guarda uma das melhores gastronomias do Alentejo - passando à frente do Queijo de Serpa, que esse é tão bom que se torna óbvio demais, temos os magníficos azeites, os requeijões e queijadas, o pão e os seus ensopados, as carnes de caça, e o vinho, claro, sobretudo o tinto. Aproveite-se a Feira do Queijo do Alentejo, em Serpa, e a Feira do Enchido e do Presunto, em Vila Nova de São Bento, para experimentar tudo isto.
Mantendo-nos no tópico gastronómico, recomenda-se uma ida (ou mais) ao restaurante O Alentejano (o ensopado de borrego ou as sopas de cação com coentros são muito boas), à adega Molha o Bico (várias especialidades orientadas para o trato do borrego), à cervejaria Lebrinha (um ícone para moradores e visitantes), ou ao restaurante Pedra de Sal (a comida é menos alentejana do que nos prévios, mas nem por isso pior).
Na cidade, os sítios de visita axiomática são o Castelo, e é quase impossível não o ver estando lá, a Torre do Relógio, o Palácio dos Condes de Ficalho, e o Museu do Relógio, entretanto agora com um irmão mais novo instalado na cidade de Évora.
É também por estes lados que o Cante Alentejano mais se faz ouvir nas tabernas - e aqui temos de realçar a taberna do Xico Engrola, onde se dirigem os homens dos grupos de coral para improvisarem canções alimentadas pelo copito de tintol.
No que toca a natureza, a Serra de Serpa e a sua curiosa história de divisão de território, num longínquo conflito entre a facção comunal e a facção privada, vale a pena. Mas estamos perto do Guadiana, e por isso vivê-lo, seja lá de que forma for, é fundamental, mesmo numa visita curta - há canoagem a acompanhar o sentido da corrente em direcção ao concelho de Mértola, há festividades como a que acontece em Junho na povoação de Brinches, há percursos que picam os antigos moinhos movidos a águas fluviais.
Para dormir, é favor passar a noite na beleza singela da Casa do Xão, um sítio que sublinha o conceito de tempo lento, tão vincado no Baixo Alentejo. O Monte da Morena, uma velha casa agrícola recuperada com piscina e largo terraço para pequenos-almoços.
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