Pauliteiros de Miranda
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Foi uma longa espera até ver os Pauliteiros de Miranda extravasarem as fronteiras do Nordeste. São hoje, mais do que um ícone mirandês, um ícone do país, muitas vezes, até, mal interpretado.
Pauliteiros de onde?
O nome Pauliteiros de Miranda veio como generalização. A verdade é que Miranda do Douro não é, enquanto cidade, a origem destes grupos de dançadores. Mas podemos esquematizar, e para simplificar colámos Miranda ao seu nome por ser maioritariamente neste concelho que se concentra a maior parte da actividade pauliteira – mas há outros circundantes que também a têm ou tiveram, como Mogadouro, Vinhais, Vimioso, Bragança, chegando até a Macedo de Cavaleiros, mais conhecida pelos seus Caretos.
Isto falando apenas do território português.
Se passarmos para o outro lado da fronteira, os pauliteiros espalham-se por diversas regiões de Espanha, sendo por lá conhecidos como danzadores (e a coreografia como danza de palos). No entanto, é na província leonesa, em parte fronteiriça ao Planalto Mirandês, que encontramos mais grupos de pauliteiros, confirmando ser por ali, naquele cantão que junta Miranda a Leão, o território mais fértil quando falamos dos paulitos.
Origem dos Pauliteiros de Miranda
Descobrir de onde chegaram os passos e paulitadas destes homens é processo de muitas páginas e outras tantas vozes, por vezes contraditórias.
À teoria de que se trata de uma evolução de danças de armas gregas, várias vezes apelidadas de Danças Pírricas (tendo Pirro, Rei da Macedónia, como referência), rebatem-se alguns etnógrafos, sendo um deles José Leite de Vasconcelos, reconhecido pela forma como documentou os costumes portugueses. Segundo esta tese, teriam os gregos passado a tradição à nova ordem romana, que com a expansão do império veio parar à península hispânica. Uma possibilidade, certamente, mas uma entre várias.
Outra hipótese é que esta seja uma dança dos povos indo-europeus que cá se instalaram antes de Roma nos ter latinizado, tidos como celtas ou pré-celtas, sobretudo na actual zona de Léon (com a qual as terras de Miranda têm elevadíssima afinidade), entretanto misturada com passos greco-romanos e com outras formas de baile medievais. Há ainda quem não vá além do período medieval para lhe encontrar a raiz, acreditando assim que os primeiros pauliteiros são um fenómeno mais recente do que à partida se possa pensar.
Bem plausível é que seja de facto uma dança de armas, ou de outra forma, uma dança de guerra, pírrica ou não, onde os paus substituem o que outrora foram espadas (ou uma espada e um escudo). E que daí se tenha desenvolvido para uma coreografia ritualística com outros fins, como a do galanteio (como o é também, por exemplo, o fandango e a sua variante do varapau) ou da celebração dos ciclos, sobretudo os que realçam a fecundidade. O facto de os grupos de pauliteiros serem, originalmente, exclusivamente de homens (e solteiros), aponta para isso: uma dança guerreira ou uma dança de rito, ou ambas.
Com o tempo, e sobretudo com a absorção do Cristianismo, os costumes pauliteiros foram adaptados a novas situações, encaixando-se na liturgia católica – hoje podemos vê-los como um dos pontos altos das festas aos santos populares na região de Trás-os-Montes.
Os dançadores e os paulitos
As danças dos pauliteiros
A música e a dança
A música que acompanha os movimentos dos dançadores, habitualmente categorizada como um lhaço, tem aquela força bélica que é comum a qualquer canção que tenha a gaita mirandesa como fonte da melodia. Um timbre guerreiro para uma dança guerreira. A juntar-se à gaita, entra normalmente uma caixa, um bombo, e, naturalmente, os paus ou paulitos. Isto quando os próprios pauliteiros não empunham castanholas a picar a cadência. Noutros tempos, havia quem dançasse ao som da flauta tamborileiro, outro ícone cultural mirandês, mas já dificilmente encontramos tal parceria nas ruas.
Já as coreografias, que são o principal atractivo no meio de tudo isto, obrigam a que os grupos que vão a baile sejam compostos por oito homens alinhados em duas filas de quatro – os dois pares das pontas chamam-se guias e os dois do meio peões. Até aqui, tudo fácil de assimilar. O problema vem quando a coisa começa, com os guias a engrenarem-se na posição dos peões e vice-versa. Uma geometria que troca as voltas ao cérebro mas que, quando o baile acalma e as posições se restabelecem, enfim, faz sentido.
As coreografias variam mas há algumas que são imprescindíveis, como o famoso assalto ao castelo, onde um dos membros avança em direcção a uma formação humana em pirâmide (a representação do castelo) e, com a ajuda de um impulso, pula e projecta-se para o outro lado.
Os homens de saias
Caso fizessem um concurso de maravilhas referente aos trajes populares produzidos em território nacional, o dos Pauliteiros de Miranda figuraria nos finalistas. As camisas, de linho, brancas e finas, cobertas por jalecos acastanhados e lenços de tons vistosos, mais os seus chapéus negros decorados com flores e as suas meias arrebitadas até cá acima, são completamente ofuscados por uma peça que parece desajustada tendo em conta que o sexo de quem a usa: a saia.
Não sabemos exactamente de onde vem o hábito do homem mirandês usar saia quando se prepara para a dança dos paulitos. Há quem sustente que foi uma actualização recente do traje original – onde as calças faziam o seu normal papel – e há quem defenda que o costume seja milenar, relacionando-o com uma certa marca identitária tribal e fazendo o paralelismo com outros trajes similares, sendo a Escócia apenas um deles.
Certo é que nos dias que correm a saia se transformou numa espécie de símbolo institucional dos pauliteiros e, como tal, predomina largamente em relação ao traje de calças (usado por poucos pauliteiros, e normalmente guardado apenas para certas festas de função religiosa).
Pauliteiros de Miranda hoje
Os Pauliteiros de Miranda, como uma boa fatia do património etnográfico português, foram alvo de uma certa uniformização do folclore nacional, processo levado a cabo pela máquina de propaganda do Antigo Regime. Essa é a razão por que encontramos actualmente grupos de pauliteiros em regiões pouco prováveis – ora em ranchos, ora em tunas, ora em comunidades lusas residentes no estrangeiro.
De facto, no passado século, a propagação da tradição dos dançadores de paus a outros pontos do país que nunca tinham visto tal manifestação aconteceu por razões políticas, de unificação etnográfica, mas não só. É inegável que a facilidade dos acessos e uma certa globalização cá dentro que contribuiu para a homogeneização de Portugal fez com que nos dias que agora passam seja possível criar-se um grupo de pauliteiros onde quer que seja – os paus, as castanholas, até versões mais ou menos disfarçadas do traje mirandês, podem ser comprados em qualquer ponto do país.
Ainda assim, é sabido que a vasta maioria dos grupos se concentra nos concelhos do Planalto Mirandês, com um extra: a criação de grupos de pauliteiras, isto é, grupos femininos, de vestimenta e coreografia em tudo idênticas às dos seus comparsas masculinos. Outra novidade, que decorre da falta de gente nova residente no Nordeste, é a existência de grupos que combinam rapazes ou raparigas de aldeias diferentes, quando antes era condição obrigatória que cada terra tivesse o seu grupo com miúdos da terra, sem estrangeirada.
Miranda do Douro – o que fazer, onde comer, onde dormir
Miranda do Douro e o seu planalto são, a par com algumas manchas do Algarve, das zonas mais diferenciadas do país. A sua cultura, partilhada em parte com a asturo-leonesa, distingue-se de praticamente tudo o que vemos no resto do país, começando, logo à cabeça, pela Língua Mirandesa, ainda usada como forma de comunicação em algumas aldeias do concelho. Mas há muito mais: os burros, as capas de honras, as gaitas e as flautas, os pauliteiros, as postas, as alboradas, os festivais... tudo isso é merecedor de ser admirado com tempo.
E é assim, sem olhar para o relógio, que se recomendam sítios como o Puial de l Douro com vinha própria e vista para a Sé (aproveite-se também para visitar o Menino da Cartolinha), a Casa de l Cura que conta com extras como salão de jogos e piscina, a lareira comum das Casas Campo Cimo da Quinta, ou o enorme bom gosto da Casa de Belharino.
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