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Já não é a primeira vez que o Portugal Num Mapa fala de um costume com origem do lado de lá da nossa única fronteira terrestre, mas que, cá chegado, ganhou contornos tão identitários que se tornaram portugueses. Assim foi com, por exemplo, o gaspacho. Assim o é, de igual modo, com o nosso Fandango, com parto provável em terras andaluzes mas que, depois de importado, ganhou cores próprias nas zonas onde foi mais acarinhado: no Minho (com o dito vira galego) e, em especial, no Ribatejo.

As diferenças entre o fandango português e o fandango espanhol são já tantas que dificilmente conseguimos hoje ver o segundo como primogénito do primeiro, exceptuando numa certa apetência de ambos para o sapateado. Mais facilmente descortinamos o portuguesismo no fandango que foi levado por nós para o Brasil, sobretudo no fandango caiçara, esse sim, com reconhecíveis afinidades.

O fandango português

Fiquemo-nos, a partir de agora, pela versão lusa desta dança de corte. Apesar das suas variantes, o fandango ribatejano caracteriza-se como baile de despique entre dois homens, na maior parte das vezes campinos, numa luta de passos com o fim de cortejar uma mulher.

Era a dança das eiras ribatejanas, as lezírias do Tejo que antecipam o Mar da Palha, campos acamados com a água da beira-rio.

Pode ser acompanhada por uma multiplicidade de instrumentos, de cordofones aos foles ou mesmo aos metais, tendo no acordeão ou na concertina ou na harmónica os seus suspeitos do costume. A fazer de percussão, entra a cana rachada, instrumento ultra improvisado e forjado nos canaviais.

Quando a música já marcha, entra o que importa: o baile. Peito hirto e vertical, cabeça praticamente imóvel e levantada, polegares espetados e escondidos debaixo das covas dos braços ou nos bolsos da jaqueta. Da cintura para cima, é isto, pouco ou nada se mexe. Porque todo o movimento está guardado para as pernas e para os pés – as primeiras com movimentos rápidos e cruzados, os segundos decalcam e estacam solas e biqueiras no chão. Uma modificação a este baile de dois é a introdução de duas varas, uma para cada dançarino, numa apropriação que o Ribatejo fez do nortenho jogo do pau, chamando-se a esta forma o Fandando de Varapau (ver segundo vídeo, em baixo).

A versão arribatejanada está muito de acordo com o homem ribatejano, especialmente na figura icónica do campino, trajado ora com o habitual barrete verde e colete encarnado, ora com um fato de trabalho, meio formal e domingueiro, de tom acinzentado (ver primeiro vídeo, em baixo). É o homem da enorme lezíria: indivíduo solitário, que gosta de bailar sozinho, sem ajuda de ninguém, e cuja motivação reside numa disputa de virilidade com um outro, tal e qual como ele, e que lhe está de frente. Em certas povoações, havia galfarros que levavam o desafio tão a sério que o tentavam dançar sem entornar um copo de vinho que equilibravam no cimo da cabeça.

Temos outras formas de fandango, entre homem e mulher, e até de roda, mas é o de despique, precisamente por ser de despique, aquele que mais é lembrado.

No meio de tantas teorias sobre a sua verdadeira origem, seja a andaluz com reminiscências árabes, seja outras que vão para norte, até à Galiza ou mesmo Irlanda, onde se dança de forma semelhante à nossa versão ribatejana (metade de cima do corpo erecto e inflexível, metade de baixo do corpo em total frenesim), importa acima de tudo reforçar o carácter de disputa que o fandango ganhou por estas bandas. Uma batalha de galanteio, uma espécie de declaração de guerra bailariqueira sem recurso aos punhos, e tudo para chamar a atenção das mulheres. Há coisas que não mudam.

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