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O significado que temos de Magusto é normalmente o de uma festa da castanha, ou, particularmente, o de uma grande fogueira onde se assam castanhas. Actualmente, confunde-se com o Dia de São Martinho, o que põe um manto em cima de uma outra data com a qual era associado: o Dia de Todos os Santos, havendo muitas similitudes nos ritos que hoje, por ingénua brincadeira, ligamos ao Halloween.

O topónimo Magusto

A controvérsia acerca deste assunto começa desde logo a origem da palavra magusto.

Há diversas teorias quanto à sua toponímia.

A que parece reunir maior consenso defende que resulta da contracção de magnus com ustus, ou seja, grande ardida ou grande queimada. No entanto, há outras hipóteses postas em cima da mesa, como a que substitui o magnus por magus, ou seja, queima do mago ou eventualmente queimada mágica, o que nos remeteria para uma cerimónia ritualística (algo que, como veremos, poderá ter acontecido). Acrescente-se ainda uma alternativa, talvez esta menos aceite, de assumir o mag enquanto raiz de esmagar, possivelmente aludindo ao facto de esmagarmos os ouriços que contêm as castanhas.

Debrunçando-nos nas duas primeiras teorias, de resto as que reúnem maior número de adeptos, confirma-se que ambas convergem na ideia de que é algo relacionado com o fogo, uma queima de proporções suficientemente grandes que justifique atribuir-se-lhe o ustus no nome.

Saliente-se que apenas a Galiza e Portugal (e uma certa parte das Astúrias) usam comummente o termo magusto (na Galiza chama-no de magosto), mostrando, uma vez mais, os laços culturais que unem a faixa ocidental ibérica. O resto da península, quando quer designar as festas de fim de Outubro e início de Novembro coincidentes com o momento da colheita da castanha, chama-a de castañada.

É relevante que apenas as regiões da franja ocidental peninsular chamem magusto à festa que acontece entre a passagem do tempo quente para o tempo frio. Com efeito, podemos dizer que há uma esfera de influência galaica na celebração desta muito particular época do ano, que se alastrou até às Beiras, e que, por fim, contaminou o sul do país.

Origem e história do Magusto

1 de Novembro e 11 de Novembro. Em ambos estes dias é costume fazerem-se magustos, que é como quem diz, grandes fogueiras criadas pelo povo, em montes ou em eiras, com a intenção de se aquecerem ao mesmo tempo que se assam castanhas e se bebe jeropiga, água-pé e se dão as primeiras provas do vinho novo. É, obviamente, um momento de algazarra comunitária, que agrega aldeões em torno do mesmo espaço. Para a gente que lá vai, essa é a última oportunidade de conviver alegremente com a vizinhança, porque a partir daqui entramos na fase escura do ano, quando as noites se tornam maiores do que os dias, o frio apela à recolha, e a natureza repousa de toda a dádiva a que se entregou nos meses das colheitas. Daqui para a frente, o homem resguarda-se. É a espera que tem de acontecer até a terra estar novamente preparada para dar vida às sementeiras.

Mas porquê o dia 1 de Novembro e o dia 11 de Novembro? Haverá ligação entre ambas as datas? No nosso entender, sim. E já lá vamos.

Primeiro convém lembrar que o 1 de Novembro, habitualmente apelidado o Dia de Todos os Santos no calendário cristão – e que originou o termo Halloween (pela contracção do inglesismo All Hollows Eve, ou seja, a Véspera de Todos os Santos) -, é um dia ao qual estão enlaçadas inúmeras crenças: a maioria delas relacionada com o mundo dos mortos (veja-se por exemplo a superstição da Santa Compaña ou da Procissão das Almas, muito comum no norte do país, ou a Festa da Cabra e do Canhoto realizada ainda hoje em Cidões).

Segundo, recordem-se as palavras de Leite de Vasconcelos, a autoridade no estudo da etnografia portuguesa, no que toca ao dia 11 de Novembro, que considerava os magustos uma actualização de ancestrais sacrifícios aos mortos. E a ilustrar esta ideia temos ainda hoje vestígios disso, como acontece em Barqueiros, onde é costume deixarem-se castanhas em cima da mesa destinados aos finados da família, que nessa noite saem do mundo dos mortos para retornar a casa.

Ou seja, quer o 1 de Novembro, quer o 11 de Novembro, mencionam esse elo transcendente que liga duas dimensões: a dos vivos e a dos mortos. Mais uma vez, porquê?

Já falámos neste espaço, em variados textos, acerca do significado da noite de Halloween. Apesar de todo o comercialismo que circula em torno da famosa Noite das Bruxas, há um valor simbólico que não podemos dissociar desta festividade, e esse não é propriamente americano. Ou é americano, mas por influência europeia, nomeadamente pela emigração irlandesa para o novo continente.

Na realidade, para as regiões europeias de cultura marcadamente celta, a passagem do 31 de Outubro para 1 de Novembro não era nem mais nem menos do que uma passagem de ano (os celtas dividiam-no em duas estações: a do frio e da noite, por um lado, a do calor e do dia, por outro). A noite do 31 de Outubro era assim tida como um tempo de transição, espécie de tempo ausente, em que ainda não se era parte de uma época ou de outra, acreditando-se assim que seria precisamente nesta altura que os portões que separavam o mundo dos vivos do mundo dos mortos se abriam. Essa é a razão para todos rituais que aludem aos defuntos, gestos esses que também podem ser vistos nas mais comerciais máscaras de Halloween. A cristianização destes ritos dos mortos aconteceu posteriormente, com o aparecimento do Dia de Finados fixado a 2 de Novembro.

Como é que de 1 de Novembro se saltou para 11 de Novembro, então? Pois aí teremos de recorrer à história do tempo, nomeadamente à Bula Papal do ano de 1582, onde se decidiu que nesse ano, para se retiraram dez dias ao calendário, do dia 4 de Outubro se passasse directamente para 15 de Outubro – isto aquando da aplicação do calendário gregoriano em Portugal e Espanha (e que nessa época eram um só).

Assim, nas regiões em que o magusto era tradição secular, houve uma possível deslocação de dez dias nas festas, passando estas de dia 1 de Novembro para dia 11 de Novembro, com o intuito de as fazer corresponder ao calendário original. Ao novo dia 11 de Novembro corresponderia então a antiga passagem de ano celta, arrastando consigo inúmeras tradições de cariz pagão, também elas cristianizadas mais tarde com a atribuição desta data a São Martinho de Tours, um dos grandes impulsionadores da fé cristã em solo europeu.

Concluindo, há uma forte probabilidade de termos no magusto a nossa antiga passagem de ano. Um resíduo pagão que partilhamos com o norte de Espanha, que é como quem diz, com a Espanha de geografia atlântica.

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Festas do Magusto em Portugal

No seguimento de tudo o que se escreveu até à presente linha, Portugal vive o magusto como pouquíssimas outras regiões. De uma ponta à outra, o país enche-se da última verdadeira festividade comunitária antes do Natal.

Sugerimos aqui alguns magustos portugueses, ressalvando que são apenas uma ínfima parte daquilo que existe.

Festa da Castanha de Marmelete

Acontece no dia 1 de Novembro, durante a tarde, estendendo-se para a noite, altura em que há concertos de música popular. As castanhas são assadas com o uso de carqueja, a lembrar a tradição de outros tempos.

Mostra de Artes e Sabores da Maúnça

Fundindo cultura serrana e gastronomia, a Serra da Maúnça, mais concretamente na aldeia do Açor, faz um pequeno magusto comunitário que é enorme em alma. Junta-se música tradicional da região, algum fado, e desgarradas. Dura dois dias e inclui o dia 11 de Novembro.

Feira de São Martinho de Portimão

Uma magna festa de dez dias e que vai a caminho dos quatro séculos de história.

Não há data fixa para o seu começo – importante é que o dia 11 de Novembro seja parte da farra. Há tanta coisa a acontecer que dificilmente não se arranja um dia à nossa medida.

Festa do Castanheiro

O representante do Alentejo teria de vir de uma das suas escassas serras. Marvão é o reduto do castanheiro no Alto Alentejo, tão austero que já parece beirão.

Acontece normalmente no fim de semana que mais se encosta ao 11 de Novembro e caracteriza-se por ser feito em quatro largos, todos eles com o seu próprio magusto.

São Martinho de Maçores

Uma raríssima tradição que sobreviveu aos modernismos. Em Maçores, no concelho de Torre de Moncorvo, há uma caldeira com vinho que deve percorrer os homens da terra. Para isso, cada um deve deitar-se e beber directamente do balde, apenas com ajuda dos lábios, num movimento próximo ao de uma flexão. Enquanto isso, arde uma fogueira com palha como combustível. Um dos episódios mais ricos da etnografia portuguesa, como só Trás-os-Montes é capaz de entregar.

Magusto da Velha

Atenção – este não é um magusto qualquer. Em Vila Viçosa, a coisa sai da normalidade em forma e em conteúdo. Gira em torno de uma velha história de uma velha generosa e, para cúmulo, ocorre no improvável mês de Dezembro, imediatamente a seguir ao Natal.

Feira do Cavalo da Golegã

A feira da Golegã ultrapassa o conceito de magusto, mas também o inclui. O programa gravita em torno do cavalo lusitano e da alma ribatejana mas as castanhas não passam despercebidas – quentinhas e boas, como declamam os vendedores.

São Martinho de Penafiel

Em magnitude é semelhante ao de Portimão, embora no ponto cardeal oposto.

Também por dez dias, a festa atravessa variados eventos, como venda de gado, prova de vinho novo, exposições de artesanato local, actuações musicais com os timbres do Minho (onde não faltam, claro, os sons da concertina e do cavaquinho). Por vezes estica-se até aos últimos dias de Novembro, sendo uma boa compensação para quem andou distraído no início do mês.

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