Jeropiga
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Anda de mão dada com as castanhas que vêm à rua em Novembro e é a bebida obrigatória do Dia de São Martinho: tão bom seria se a Jeropiga, um dia, deixasse de ser bebida sazonal e ganhasse o reconhecimento que merece.
Infelizmente, a Jeropiga está a morrer porque os poucos que a faziam são pressionados a deixarem de a fazer. Mas enquanto houver fogueiras e magusto há sempre a hipótese de um copo dela nos vir parar às mãos.
Como fazer Jeropiga?
Jeropiga foi o nome que o povo deu a um vinho licoroso que, no processo de fabrico, se aproxima do Vinho do Porto ou do Moscatel – há um corte abrupto na fermentação pela introdução de aguardente, o que significa que o açúcar que deveria ser transformado em álcool já não é.
O resultado é fácil de perceber: em vez de um vinho mais seco, surge-nos no palato toda a doçura que lá ficou, embora com maior teor alcoólico dada a adição da aguardente.
Aparecia, na vindima, como uma segunda via mas igualmente apreciada: primeiro, regra geral, estava o vinho, embora fossem muitos os que aproveitavam um pouco do sumo de uva que restava depois da pisa para esta variante.
Agora um pormenor importante: a Jeropiga sempre foi, tal e qual como a água-pé, um vinho popular e de fabrico rudimentar, e como vinho popular tem uma certa folga para improvisos na sua criação.
Não existe, por exemplo, uma norma absoluta de qual o momento em que a aguardente deve ser posta ao barulho no processo. Há quem decida pô-la antes sequer da fermentação existir, e há quem a junte só depois da transformação do açúcar em álcool se ter iniciado. A decisão acaba, pois claro, por mudar o produto final.
Outra fórmula que muda conforme o autor é o peso da aguardente no total da vinhaça. Para alguns, a aguardente deve ser metade do sumo de uva – ou seja, para cada dois litros de mosto, um de aguardente (a chamada Jeropiga à terça). Para outros, adeptos de bebidas menos puxadas, não deve ultrapassar um quarto do total (Jeropiga à quarta). Dado o facto de as aguardentes que vão à mistura serem cada vez mais fracas, há uma tendência natural de se ir pela primeira opção, para contrabalançar.
O estágio é feito em madeira, normalmente de carvalho, e pode ir de um a três meses.
Castanhas e Jeropiga, um Magusto em extinção?
Não dá para separar águas. Jeropiga é castanha assada, e castanha assada é Jeropiga. O problema é que quem não sabe disso não tem qualquer problema em romper com a relação.
Mais uma vez assistimos a uma Europa cega às tradições nacionais e regionais, querendo pintar todo um continente por igual. O fascismo higiénico, que muito tem de bacoco, pôs a Jeropiga como produto raro e quase tabu.
Sendo um produto vindo directamente das mãos do povo, levou com todo o policiamento do gosto, e hoje só conhecendo as pessoas certas é que conseguimos que alguém nos passe um copo cheio até ao limite de boa Jeropiga. De resto, podemos sempre tentar ir às fogueiras de São Martinho (os ditos magustos) que acontecem um pouco por todo o país, mas com maior incidência no norte, e perguntar se ainda há homens de corajosa persistência a fazê-la. É aproveitar antes que acabem definitivamente com ela.