Festa do Pito
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O norte do país sempre se correlacionou mais com manifestações de toada grosseira, embora com simbólica de raízes profundas. Acima do Mondego temos os icónicos Cu da Guarda e Cu de Caminha, os famosos Colhões de São Gonçalo, o inimitável Licor de Merda, a saborosa Sopa de Cornos, entre muitos outros exemplos bocagianos. E salta agora mais um para a lista: a Festa do Pito, um evento invernal e a dois actos, que acontece em Vila Real.
O pito de Vila Real é um produto de pastelaria, mas não deixa de ser levado para a habitual malícia do sempre bem humorado norte português
O pito das raparigas
O fenómeno da Gancha que decorre em Fevereiro não existiria sem o seu primeiro acto, em Dezembro, que é a oferta da Pito, uma espécie de doce feito à base de abóbora, canela e massa folhada.
Conta a lenda que, no Convento de Santa Clara, e para evitar cair na tentação da gula, uma irmã disfarçava estes bolos com uma forma que os fazia ser confundidos com pedaços de pano dobrados – muitas vezes utilizados para o trato de maleitas nos olhos quando impregnados de unto. Com efeito, há uma certa parecença entre os Pitos e os tais lenços, pela forma como são vincados, de fora para dentro (ver foto principal deste artigo).
Ora, de uma novidade de um templo de Santa Clara passámos a ter um Pito comemorado na data de Santa Luzia (o que bate certo com uma das virtudes da santa, protectora das doenças oftálmicas, o que nos remete para a lenda que acabámos de descrever). E assim, é no dia 13 de Dezembro que mulheres vila-realenses de várias idades, segundo costume de que pouco se sabe quanto à origem, devem ofertar um Pito aos rapazes – tradição que se resumiu no brejeiro dar o Pito.
A gancha dos rapazes
A Gancha funciona como sequela da Festa do Pito. Mantendo-se em Vila Real, mas agora no dia de São Brás (3 de Fevereiro), menos de dois meses após a mulher entregar o Pito ao homem, chega a vez do homem devolver o gesto, respondendo com a entrega da Gancha.
A Gancha é um doce em forma de bengala – que simboliza o báculo habitualmente portado por São Brás (ver foto) -, menos complexo do que o Pito e composto essencialmente por água e açúcar (dependendo de quem o faz, pode haver mais um ou outro ingrediente metido ao barulho).
Também uma lenda tenta explicar o formato do doce que nos conta sobre um rapaz que, engasgando-se com uma espinha, foi salvo por um gancho adocicado de São Brás, conseguindo retirá-la da sua boca – também aqui, a lenda parece enquadrar-se igualmente numa das principais características do Santo, a protecção a doenças relacionadas com a garganta.
Significado do Pito e da Gancha
Apesar da assumida brejeirice na escolha dos nomes para as ofertas feitas entre sexos opostos, a Gancha e o Pito têm uma simbologia clara ao fim da terra morta, com a chegada do solstício que é festejado no Natal (agora Cristão).
Esquecendo a qualidade tácita dos nomes pito e gancha, não será difícil vermos nos contornos de ambos os doces uma alusão ao órgão sexual feminino e masculino, respectivamente. O facto de haver uma troca destes em relação ao sexo oposto dá-nos uma sugestão de que estamos perante um costume com referências reprodutivas, não obrigatoriamente explícitas mas de índole metafísica.
É relevante a ordem em que ambos são ofertados. Primeiro o Pito, poucos dias antes do Natal, ou seja, antes do Solstício de Inverno, altura em que o hemisfério norte tem a sua primeira boa notícia em meses: o regresso do sol. E depois a Gancha, no fundo um falo que aparece em Fevereiro, momento em que o Inverno se encontra na sua última fase. Ou seja, em Dezembro temos a natureza a expor a sua disponibilidade para despertar novamente e em Fevereiro, com a Gancha, está figurada a sua fertilização, que pouco tempo depois dará rebento: a Primavera.
A colagem a Santa Luzia e a São Brás é feita por sincronologia cristã. E a assunção dos nomes Pito e Gancha poderá vir enquanto fenómeno popular, porque o povo sempre foi dado a estas coisas, mormente em ares setentrionais.
Ganchas de São Brás
Vila Real – o que fazer, onde comer, onde dormir
Vila Real vive da sua posição à beira do Douro. É a sua personalidade vinhateira que, misturada com os ares da serra (o Marão está logo ali à espreita), a tornam idiossincrática.
É imperativa uma visita ao relaxante Parque do Corgo, à Casa de Mateus e ao Santuário de Panóias. Conhecer os dois lados da Festa do Pito, que acontecem em dois momentos diferentes do ano, serve de introdução aos curiosos costumes vila-realenses, bem como assistir à criação do ímpar Barro Preto de Bisalhães, vendido posteriormente na parte norte da cidade ou na secular Feira dos Pucarinhos, no dia de São Pedro.
Para dormir, as quintas são um regalo. Há muita escolha. Ficamo-nos por fazer notar a Quinta da Corujeira (que nos integra em tarefas comunitárias da região - seja a vindima, o varejar da azeitona, a desfolhada ou a matança do porco) e a Casa da Quinta de São Martinho (moradia em pedra, seiscentista - contempla ainda, caso não exista a hipótese de ficar na casa principal, a hipótese de estadia em duas outras casas). Não se assumindo no título como uma quinta, embora o seja, é para nós um dever mencionar a Casa Agrícola da Levada Eco Village, já famosa e com todo o mérito.
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