Alvor
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Como explorar a vila de Alvor retirando-lhe a frente marítima e o estuário que lhe dão sustento? Como elogiar a ria de Alvor sem recorrer às águas salgadas vindas do mar e às seculares culturas de peixe e de bivalves saídas das mãos dos alvorenses? Como escrever sobre a praia de Alvor esquecendo o povo que lá se banha e o rio que ali termina? Não se consegue, porque Alvor é tudo isto. Alvor é nome de vila, de ria, de praia. E às três chamamos Alvor porque é impraticável falar de uma sem envolver as outras.
Resiste como uma das fatias da costa sul algarvia onde ainda se consegue ver o que era o Algarve antes da pressão turística, servindo assim de contrapeso a Portimão, cidade portuária e acelerada, ultimamente abalada pela vertiginosa procura norte europeia.
No alvor da história
Há um lugar em Alvor que sintetiza toda a sua geografia – e conhecer a geografia de um sítio é meio caminho andado para lhe compreendermos a história. Junto à casa do salva-vidas, no pontão onde os barcos são empurrados para a ria ou puxados para terra, temos uma visão desafogada para os principais pontos cardeais: para oriente, a vila; para ocidente, a laguna; para norte, a serra; para sul, o mar. A história de Alvor é a história de cada uma destas divisas.
Sabemos que esta zona terá sido ocupada em eras tão remotas que poderão anteceder a própria ideia de civilização. A proto-urbanização de Alcalar, na adjacente freguesia da Mexilhoeira Grande, instalou-se num dos afluentes da ria de Alvor, a ribeira da Torre. Também a pré-romana (e talvez celta ou celtizada) Ipsis (ou Ipses), de acordo com Teresa Júdice Gamito, cá se situava. Mais tarde, fala-se da possibilidade de aqui ter chegado Anibal, o general cartaginês que fez Roma tremer, não se sabendo exactamente se Portus Hannibalis coincidia, grosso modo, com o actual território de Alvor (há quem dê como alternativa Silves, Lagos, e principalmente Portimão). Certo é que os romanos se instalaram nesta área e que romanizaram a vida que cá encontraram, já de si uma influência de culturas continentais e mediterrânicas. Visigodos deixaram uma ou outra marca na região (menos óbvia, como é apanágio no sul). E claro, os sarracenos, ocupadores deste quinhão por tantos séculos, que acabaram a cunhar-lhe o nome: Albur, cuja tradução aponta para algo como terra inculta ou charneca, que mais tarde evoluiu para Alvor – curioso que o topónimo alvor tenha origem árabe quando podia muito bem descender da alvura do seu casario.
Foi o período islâmico que lhe trouxe o castelo (embora eventualmente reconstruído em cima de alicerces de um outro), mais tarde recuperado por D. Dinis, e finalmente abandonado quando deixou de servir o seu propósito de bastião contra a pirataria. Da herança norte-africana recebeu também os morabitos, antigos templos muçulmanos readaptados à fé cristã depois de consolidada a Reconquista: são três os morabitos alvorenses (o de São João, o de São Pedro, e o contíguo à Igreja Matriz), o que torna a vila um caso único no estudo desta singular arquitectura religiosa.
Da era portuguesa dos Descobrimentos, enquanto parte do Reino dos Algarves, Alvor foi termo senhorial – terra dos Athaídes, sendo ainda lembrado na presente hora Álvaro de Athaíde, que aqui residia, num Paço já desaparecido, sítio onde finou um dos mais elogiados reis de Portugal, D. João II. Alguns monumentos actualmente visitáveis terão surgido também neste período – a manuelina Igreja Matriz que, com dois belíssimos portais, é possivelmente o mais interessante monumento da vila; a humilde Casa da Misericórdia; e até um bairro judaico posteriormente diluído na restante malha residencial. O povo alvorense, nesta fase expansionista do país, era usado na pesca mas não só – boa parte seguia para as conquistas do além-mar, mormente para o Norte de África. Até a dinastia Filipina lhe trouxe prestígio, com a entrega de um foral.
Alvor, durante os séculos XV, XVI e XVII foi um povoado rico, vibrante, portuário, tão ou mais relevante que a vizinha Vila Nova (actual Portimão). As más notícias surgiram com os terramotos consecutivos do século XVIII, culminando na devastadora tragédia de 1755. A partir daí, saiu Portimão por cima. Alvor tinha sido transformado num condado, e os seus condes eram Távoras. Marquês de Pombal, com a perseguição que fez à Casa dos Távoras, virou costas aos alvorenses, e focou a reconstrução urbana pós-terramoto na zona portimonense – tendo mesmo como objectivo transformar Portimão em nova sede episcopal, o que não chegou a acontecer. Nunca mais conseguiu Alvor recuperar o tempo perdido e assim chegamos ao que hoje se vê: Portimão como cidade, Alvor como vila.
Portada manuelina, Igreja Matriz de Alvor
Gruta dos Pescadores
A casa dos salva-vidas
Os passadiços e Alvor
Quando se fala nos Passadiços de Alvor, que contam com um percurso também conhecido por Rota Ao Sabor da Maré, normalmente é para lhes gabar as vistas ou para lhes enaltecer a obra (ainda hoje figuram como os maiores do Algarve). O que raramente se diz é que os Passadiços são Alvor, porque Alvor é uma santíssima trindade (vila, ria, praia) e o caminho feito na Rota Ao Sabor da Maré vai aos três pontos elementares da região. Começa na ponta sudoeste da povoação, numa espécie de prolongamento do calçadão ribeirinho, deambula pela laguna, e segue por fim junto à praia até regressar ao ponto de partida. Assim, terei esta caminhada como referência para discorrer acerca da alma alvorense, seguindo a ordem descrita acima: primeiro, a vila, depois, a ria, enfim, a praia.
A vila
Alvor é uma vila de turistas sem nunca ter largado a condição de vila de pescadores. O equilíbrio é difícil – o Algarve que o diga – mas possível. A faina (dedicada à cavala, à dourada, ao carapau, ao besugo, à sardinha, ao polvo), a aquacultura (de bivalves de ria, como o mexilhão ou a ameijoa, o lingueirão ou a ostra) e a agricultura (na vinha, na oliveira, na figueira, na alfarrobeira, na amendoeira), actividades que por séculos foram pilares da economia alvorense, não desapareceram, apenas se viram excedidos por novos ofícios directamente resultantes do turismo, como a restauração, a hotelaria, a venda de experiências e de brindes, ou a construção civil.
As excursões até ao extremo sul português, que começam por volta de Abril e terminam no final de Outubro, transformaram Alvor, que não haja dúvida disso, mas não o deixaram irreconhecível. As mudanças mais assinaláveis foram a abertura de espaços museológicos, de comércio e de comidas junto à zona ribeirinha: a lota que mudou de emprego e está agora adaptada a restaurante (por hábito, os pescadores de Alvor vendem agora o seu peixe na lota de Portimão); o velho edifício de salva-vidas que foi requalificado e se apresenta como espaço de divulgação da cultura e do património da vila; o passeio junto à ria em calçada portuguesa que funciona como eixo turístico do burgo, e a sua continuação ladeira acima, na rua Dr. Frederico Ramos Mendes, artéria desprovida de carros, dotada de todas as lojas, de todos os bares, de todas as tabernas, onde o desafio é ver uma palavra que seja escrita em português.
Se descontarmos estas duas vias – a da ribeira e a dos bares – que se juntam em ângulo recto no Largo da Ribeira, Alvor é uma terra que segurou boa parte do seu passado. A rua de São João, a rua do Infante Dom Henrique, a rua dos Pescadores, expõem com orgulho belos exemplares da casa tradicional algarvia, nas fachadas, nas açoteias, nas chaminés. Até ao lugar onde agora reside o mercado, perto do Largo do Castelo, hoje apenas um troço de resistentes muralhas, o perfil de Alvor não muda – o casario é baixo e as ruelas estreitas, numa rede de vielas e travessas que, como é frequente no Algarve, nos lembra a embrulhada de uma medina marroquina.
A ria
Parte da Rede Natura 2000, a Ria de Alvor é a princesa fluvial do Barlavento. Não tem a imponência da Ria Formosa, de acordo, mas serviu de ganha-pão a diversas civilizações que se instalaram perto das suas margens ou dos rios afluentes – desde Alcalar, no longínquo Calcolítico, até ao povoamento sarraceno, no lugar onde agora existe Alvor.
De plácidas águas, o estuário garantia pesca segura aos homens do mar alvorenses – esses mesmo que ainda se vêem perto do antigo edifício dos salva-vidas, durante a manhã e o final da tarde. Ao ponto de, a determinada altura, e embora sem o viço de Portimão, também Alvor ter a sua pequena indústria conserveira.
Área diversificada de sapais, de lodo, de dunas, de salinas, de alagadiços, tornou-se porto de aves a caminho do sul no Outono, e porto de aves a caminho do norte na Primavera. A Ria de Alvor podia ser um museu da avifauna europeia e norte-africana. Se pelo ar a bicharada é bem visível, pelo chão há outra menos evidente, mas que lá anda, escondida na vegetação lagunar.
A praia
A Praia de Alvor é acedida por passadiço ou por estrada. De todas as praias de longos areais no concelho de Portimão, é a menos frequentada e, se calhar por isso, tornou-se uma preferida do público português. Tem cada vez menos gente à medida que se segue para oeste, até à foz do Alvor – do outro lado do pontão, para lá do rio, já fica o concelho de Lagos. O fenómeno contrário acontece quando nos deslocamos para leste, em direcção à Praia dos Três Irmãos, onde uma enchente de estrangeiros ocupa a concessão de chapéus-de-sol.
Uma das explicações para tal disposição é a distância a que a areia de Alvor fica da vila homónima – nem toda a gente está para andar meio quilómetro ao sol, favorecendo-se uma solução preguiçosa, isto é, um hotel em cima da enseada, como é comum acontecer nas praias do lado de Portimão. Outra, possivelmente, é a abertura que tem, destituída de arribas e de promontórios, tornando-a mais ventosa do que a sua vizinhança a nascente e a poente.
Vista para a ria dos Passadiços de Alvor
O passadiço que finda na Praia de Alvor
Frente ribeirinha, também conhecida por calçadão
Portimão – o que fazer, onde comer, onde dormir
Mapa
Coordenadas de GPS: lat=37.1285; lon=-8.59422