Rabanadas à Poveira

by | 21 Mar, 2024 | Douro Litoral, Gastronómicas, Províncias, Tradições

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As Rabanadas são uma tradição sobretudo nortenha. No sul equivalem-nas às Fatias Douradas, embora a correspondência entre uma e outra não seja absoluta, até porque estas variam consoante a zona do sul onde são preparadas. E o mesmo acontece com as Rabanadas – no Norte, este doce feito à base de pão pode ter desvios consoante a região, ou mesmo consoante as terras de uma só região. Nenhuma dessas variâncias é tão feliz quanto aquela que ocorre na Póvoa de Varzim, e daí surgiu o nome: Rabanadas à Poveira.

Origem das Rabanadas à Poveira

As Rabanadas sempre se comeram na Póvoa. Eram tidas como doçaria de época, mormente do Natal (altura em que todos os anos é promovido o concurso “Delícia de Rabanada“, no Posto de Turismo, que premeia a melhor do concelho), mas também da Páscoa. Os pescadores não a dispensavam na Consoada, aproveitando o pão duro dos dias, condimentada com açúcar de cana e frutos secos como castanhas e nozes. O pão usado por essa altura era quase sempre o cacete – próximo daquele que, já agora, deu origem à versão que a Póvoa de Varzim criou da Francesinha. O costume de comer Rabanadas na altura do frio estava, portanto, no sangue poveiro (como de resto de quase todo o Minho e Douro Litoral), e daí até à criação de uma versão autóctone foi um pulo.

A ideia surgiu de Leonardo da Mata, ali pelo meio do século XX, responsável por um restaurante que cunhou com o seu nome próprio, e passava por dar uma segunda vida a um pão que, de tão rijo, já estava dado como incomestível. Fez umas alterações, nomeadamente no pão, que passou de cacete para bijou, mas também na preparação. Pena tenho eu de não ter provado essas primitivas Rabanadas – que chegaram a ser apelidadas de Rabanadas do Leonardo em homenagem ao inventor -, porque as actuais são construções que se foram fazendo em cima dessa. De qualquer forma, a boa notícia é que as de hoje são francamente boas, algumas delas coloco-as no pódio nacional, e isto vem dum escriba que se perde mais por sal do que por açúcar.

Encontramo-las em cafés, pastelarias, e restaurantes de todo o concelho, com maior concentração na cidade poveira. Além do já falado restaurante Leonardo, podemos comê-las na Padaria São Domingos, na Padaria Salvação, na Doce Matriz, no Pérola do Mercado, no Tapas e Melodia, no Albatroz, e outros mais que foi impossível investigar. A pequena fábrica Creme e Canela tem produção própria e serve alguns restaurantes locais. No Natal, conhecendo alguém no burgo, é até possível arranjar uma ou outra feita pelas mãos da experiência de quem já é avó e não se importe de vender ao postigo. Guardei as da Confeitaria Dajuri para o final por serem as minhas favoritas – reduzindo-me àquelas que consegui provar, claro.

Podem ser comidas simples, com creme de ovos ou com calda de Vinho do Porto. Prefiro-as simples. A consistência da fritura, bem como o miolo interior, lembram a convencional Bola de Berlim que, para mim, também deve ser tragada sem adereços.

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Receita das Rabanadas à Poveira

Como foi explicado, para sabermos a receita original, teríamos de a pedir a Leonardo da Mata. O cozinheiro que tanto fez pela gastronomia poveira (veio da sua imaginação a também famosa Pescada à Poveira) já não pára entre os mortais, portanto teremos de ir por aquilo que ele inspirou, isto é, por todas as novas criações que pegaram nas Rabanadas à Leonardo e lhes puseram cunho, transformando-as em uma ou duas dezenas de versões relativamente semelhantes, que, apresentadas em grupo, decidimos chamar Rabanadas à Poveira.

A grande diferença entre as Rabanadas do receituário de Maria de Lourdes Modesto e as Rabanadas à Poveira está no pão. As Rabanadas normais, se assim as pudermos nomear, fazem-se com pão fatiado, de forma, e com côdea. As da Póvoa, por hábito, usam pão bijou velho, de três ou quatro ou cinco dias, e este é laminado até que só sobre o miolo, daí a cremosidade.

No preparo do leite, a coisa não muda por aí além. Mistura-se com açúcar, com pau de canela, com casca de limão (ou de laranja). Há quem some mais canela, mas em pó, ou quem adicione mel, uma pitada de sal, até whisky ou moscatel. Bate-se tudo, põe-se ao lume, retira-se e deixa-se arrefecer. O miolo que foi extraído do bijou deve depois ensopar na mistura láctea já morna até absorver bem os sabores – cerca de meia hora deve chegar, eventualmente menos. Escorre-se o pão e com as palmas das mãos vamos arredondando a massa até esta ficar próxima a uma bola de boccia.

Em paralelo batemos meia dúzia de ovos. As massas, já arredondadas manualmente e de superfície definitivamente arrefecida, passam pelos ovos batidos para depois irem a fritar. O ideal é que o óleo na frigideira cubra metade da massa. Frita-se de um lado, dá-se a volta, frita-se do outro. Colocamos as bolas fritas em papel absorvente para as limpar da gordura e, por fim, cobrimos toda a sua área com um combo de açúcar e canela (mais o primeiro do que a segunda).

Tal como se referiu, são servidas a solo, regadas com creme de ovos ou com cálice de Vinho do Porto. A acompanhar há quem goste de acrescentar alguns frutos secos. Já vi quem se lembrasse de chocolate. Eu, a juntar alguma coisa, que seja uma fruta que balance a sacarose com a acidez, como morango por exemplo. Fica ao gosto do freguês. Mas se quisermos ser cem por cento puristas e imitar as comunidades piscatórias poveiras do século XIX, então emparelhem as Rabanadas com um copito de Jeropiga, sem medo.

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