Vinho do Porto
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O que raio se pode dizer mais sobre o Vinho do Porto? Que palavras faltam escrever? Que adjectivos ficaram por usar? Que histórias deixaram de se contar? Falar dele no século XXI é chover no molhado, é certo, mas é também uma forma de mostrar o quão presente no quotidiano do povo português está. Tanto que nem sequer nos lembramos de o gabar.
O Vinho do Porto não é apenas mais um vinho. É um sinal na pele deste país, daqueles que servem para nos distinguir dos demais.
História do Vinho do Porto
Muito se discute sobre a origem do Vinho do Porto. A pergunta básica é se nasceu da cabeça de ingleses ou de portugueses. E a resposta é que ele não existiria sem uns e outros.
Ignorar os ingleses seria esconder de todos o apurado sentido de desenvolvimento científico e tecnológico que eles aplicaram à exploração deste mercado. Foram avultados investimentos que mexeram com toda a região, dando-lhe parte do aspecto que lhe conhecemos hoje. Ignorar os portugueses seria fazer vista grossa a todo o saber acumulado que o nosso povo foi ganhando no trabalho das vinhas, uma cultura que, por cá, tem barbas de história. Já para não ir a todos os homens e mulheres que arriscaram as suas vidas na difícil lavoura duriense, e que, em alguns casos, aquilo que tiveram em troca foi a própria morte.
Por isso, não vale a pena andar à procura de uma nacionalidade para a invenção. O capital que os ingleses trouxeram para cá não teria o retorno pretendido sem o conhecimento popular que os de cá tinham para partilhar. E todo o savoir faire dos que por cá nasceram não se poderia internacionalizar desta maneira sem o empurrãozinho do investimento britânico.
Resumindo, foi um casamento longo e controverso, que deu discussões em barda, mas que no final acabou por ser o nó necessário para tornar o Vinho do Porto no fortificado de referência em todo o mundo.
Mas falemos disto por etapas, porque a história do Vinho do Porto é longa, e para irmos ao embrião de tudo isto teremos de nos situar em épocas quatrocentistas, quando Inglaterra e Portugal formularam um acordo que dava privilégios aos comerciantes destas nacionalidades que se fixassem num e noutro lado. As trocas comerciais deram-se em grande escala por essa altura – de lá vinham têxteis e bacalhau, do lado de cá era entregue, entre muita coisa, vinho.
Na altura, o vinho exportado era muito semelhante ao actual Vinho Verde, um composto ácido e atlântico que, muitas vezes, não se entrosava com o gosto aburguesado britânico. E foi essa a premissa que levou grande parte dos comerciais, a vasta maioria deles ingleses, a procurar outras fontes. Procuraram um produto mais denso e complexo, e sabia-se que para isso seria necessário ir até ao interior, onde a maresia perdia a sua força de influência. E daí chegaram ao Douro Superior.
Aqui pôs-se um problema: o porto de comércio, em Portugal, situava-se em Viana do Castelo por ser o que estava mais próximo da matéria prima inicial, a do vinho minhoto. Com o desvio da produção para o Alto Douro, o processo de transporte tornar-se-ia altamente dificultado, com todas as serras que se encontram entre terras como Pinhão e Viana. A solução que se arranjou foi transferir-se o ponto de troca para a cidade do Porto, porque assim bastaria seguir o curso do rio, evitando todas as impeditivas elevações, a começar logo pela do Marão. Esta travessia deu no que hoje chamamos de Barcos Rabelos, agora relegados à condição de fenómeno turístico da Ribeira portuense.
Para garantir a qualidade desta nova exportação, começou-se a injectar aguardente no vinho, fortificando-o de maneira a aguentar a viagem entre o norte português e o sul inglês. E este gesto está na origem do Vinho do Porto, embora de maneira disfarçada. Na verdade, o que se começou a fazer, à altura, não era mais do que adicionar aguardente ao produto final, martelando mais álcool ao néctar, tornando-o mais resistente às longas viagens por mar, algo que já era feito antes, aquando dos Descobrimentos portugueses. Isto é, a ideia matriz de juntar um líquido altamente alcoólico ao vinho já era um processo relativamente enraizado na mente dos portugueses, e foi essa ideia que acabou por materializar o Vinho do Porto criado por empresários do Reino Unido.
Este novo pacote mostrou-se bem mais do agrado do mercado norte-europeu, pelo menos quando comparado ao antigo vinho do Minho. As exportações começaram a crescer e muitos, sedentos de dinheiro, arranjaram formas de falsificar os vinhos do Douro. A importância da região começou a ser tanta que o próprio Estado, liderado pelo Marquês de Pombal, decidiu intervir. E decidiu intervir por duas razões. Em primeiro lugar, o Marquês viu no volume de dinheiro transferido uma oportunidade para arrecadar, em forma de taxa, dinheiro para os cofres estatais. Em segundo, o produto vendido para fora de portas, cada vez mais corrompido, estava a deteriorar-se, e impunha-se um controlo autoritário sobre o que era, realmente, um vinho duriense, fosse ele doce ou não. Estava dado o mote para se criar a primeira região demarcada de vinhos do mundo.
Garantida a excelência dos vinhos da região Douro, o preço deles aumentou, mas ao mesmo tempo os consumidores estavam dispostos a dar mais por eles.
Entretanto, gradualmente, a fortificação ia-se transformando. Ao invés de ser aplicada ao vinho no seu estado final, antes de engarrafado, começou a ser introduzida a meio do período de fermentação. Este pormenor tornava o vinho manifestamente diferente, sobretudo pela sua doçura. E, quase como acaso, as gentes que o vendiam começaram a reparar que esse era o composto mais apreciado além fronteiras. Gradualmente, o processo de produção tornou esta regra como padrão, sobretudo depois de se reparar o quão importante seria o envelhecimento neste tipo de vinhos. A meio do século XIX, já parecia prática corrente.
O resto foi aprimorado com o decorrer dos anos e o desenvolvimento da tecnologia vinícola. Entre a fortuna de quem o comercializava e a tragédia de quem morria a transportá-lo, entre a luxuria do seu sabor e a peste da filoxera, entre o exigente criticismo do Barão Forrester e a magnanimidade da Dona Antónia, o Vinho do Porto foi evoluindo, atribulado como o Douro que o fez nascer.
Tornou-se tão invejado que nos tempos modernos conseguimos encontrar vários sítios a tentar reproduzi-lo, e mesmo alguns paraísos da enologia – como a Califórnia ou a Austrália – não o conseguem imitar.
Fazer um Porto
Um Porto é um vinho, e sendo um vinho começa como todos os outros vinhos começam: na vindima.
Nos primeiros dias de Outono, recolhem-se uvas de várias castas, maioritariamente autóctones. São frutos de uma terra quente, apesar de nortenha. O frio do Atlântico é barrado pela envergadura altiva do Marão, deixando os vales do Douro a Leste desta serra à mercê do calor ibérico. O solo, árido, de rara chuva, é dos poucos onde a Esteva, uma planta sulista, se dá bem no Portugal setentrional. E o relevo, normalmente de xisto abrasivo, é elemento diferenciador, separando terrenos de quintas brasonadas entre zonas de sol e zonas de sombra. Tudo isto conta para o sabor final.
Muitas são as marcas que, depois de seleccionadas as uvas, mantêm a prensagem feita através da pisa da uva, em lagares graníticos onde cabem uma mão cheia de homens, ou mais, cantando chulas centenárias. É uma forma de garantir que a uva não é abruptamente esmagada, suavizando a transformação do fruto em sumo. Há, contudo, alguma maquinaria que já consegue simular o movimento da pisa, tendo esta substituído, em parte, o trabalho humano.
Segue-se então a fermentação do mosto. A habitual transformação do açúcar em álcool. Até aqui, tudo normal. Nada por que qualquer outro vinho não passe. Mas é precisamente nesta altura, na fermentação, que separamos o vinho convencional, vulgo de mesa, em Porto.
Enquanto no primeiro a fermentação vai até ao fim, no segundo há uma interrupção com a adição de aguardente vínica de qualidade – uma delas a que deu origem à já aqui falada Aguardente da Lourinhã. Ora, travando-se a fermentação com a injecção de aguardente, acontecem duas coisas: por um lado, parte do açúcar não foi transformado em álcool, fazendo com que o vinho continue bastante doce e com menor teor alcoólico; por outro, esse pouco teor alcoólico é compensado com a junção da aguardente, dando-lhe a gradação que lhe conhecemos, levando-nos a chamá-lo de vinho fortificado.
Depois disto, segue-se a fase de envelhecimento, a última antes do engarrafamento. Fará distinguir o tipo de Porto e agrupá-lo em diferentes categorias, dependendo dos anos em que é feita e da forma como se procederá. É neste estágio que entram as caves que existem em Vila Nova de Gaia, embora sejam já muitos os produtores que contam com adegas para envelhecimento do Vinho do Porto noutros pontos do rio Douro.
Caves de Vinho do Porto
Tipos de Vinho do Porto
Para simplificar, genericamente falando, há quatro categorias de Vinho do Porto: Branco, Tawny, Ruby e Vintage. Poderemos, eventualmente, falar de uma quinta categoria que é o Porto Rosé.
Ruby
Dos tintos, o Ruby será o de fórmula mais simples e ganhou o nome pela cor que tem. Mistura colheitas, envelhece em garrafa e fá-lo por poucos anos: entre três a seis. É fresco e marcante na boca, com aroma e sabor frutado.
Tawny
Já o Tawny tem menos intensidade no palato e cores mais suaves. Envelhece em madeira antes de engarrafado e entrega-se a sabores mais taninosos e menos extravagantes, normalmente de frutos secos. Ambos, Ruby e Tawny, poderão ter a sua versão de reserva – mais selecta na escolha das uvas no caso do Ruby, mais anos de envelhecimento em madeira por parte do Tawny.
Vintage
O Vintage é a jóia da coroa e começou a ser feito no século XVIII. Baseia-se numa selectiva escolha de uvas de uma só colheita de eleição – ou seja, nem todos os anos dão Vintages. Envelhece primeiro em toneis por dois anos e depois em garrafa. Com os anos, ganhando idade depois do engarrafamento, torna-se um enigma de complexidade. Por vezes há Vinhos do Porto envelhecidos em garrafa que não são de colheita de um só ano como os Vintage, mas sim de várias – a esses, categorizamos como Crusted.
LBV (Late Bottled Vintage)
Há uma espécie de subcategoria dentro dos Vintages que é a late bottled. Como o nome indica, implica um engarrafamento tardio, ou seja, maior tempo de maturação – entre quatro a cinco anos.
Branco
Os brancos distinguem-se pelo tipo de uva que, obviamente, é branca. São muito frutificados, com excepção do Ultra-Seco. Podem também ter uma versão Reserva ou Lágrima. Esta última é a mais particular. Trata-se de um vinho ultra doce que, quando posto no copo, se agarra às paredes e vidro e escorre deixando um rasto que se assemelha a uma lágrima, daí o nome.
O consumo de Vinho do Porto em Portugal
Dizer que o Port é, na sua vastíssima maioria, exportado, não é surpresa para ninguém. França, Holanda, Reino Unido serão os destinos principais depois do produto estar fechado e pronto a consumir. Até certo ponto, percebe-se.
Percebe-se de um ponto de vista histórico, porque muitas das famílias que empreenderam o seu negócio de Vinho do Porto eram – e são – inglesas. Percebe-se pelo custo do produto, muitas vezes pouco em conta para o salário médio do português comum, muito embora um vulgar Ruby não seja, de todo, uma fortuna. Percebe-se até pelas características do próprio vinho, que sabe melhor em dias frios – e por cá os Invernos, sobretudo os do sul, de rigorosos têm pouco.
A verdade é que, de acordo com os últimos dados, menos de 15% do Porto é bebido por terras luso-galaicas. O restante vai parar a bocas estrangeiras.
De facto, bastará andar pelas tascas do país para percebermos que temos muitos hábitos concorrentes no final das refeições. Em alternativa ao copo de Porto, podemos ir a tanta outra coisa como o moscatel, o licor, as misturas caseiras conhecidas como xiripitis, as aguardentes novas e velhas, com destaque para a Aguardente de Medronho. É um fenómeno estranho, mas que poderá ter a carteira, ou antes a falta dela, como explicação.
O Porto e o Canadá
Há uma estreita relação do Vinho do Porto e a Terra Nova, uma das várias ilhas atlânticas do Canadá. A esse respeito, é contada uma lenda que deixo resumida em baixo.
Conta-se que por volta do século XVII um navio partiu do norte português em direcção ao destino da praxe: a Grã-Bretanha. Ao passar por águas próximas de França, viu-se atacado por piratas franceses. O comandante teve habilidade suficiente para se escapar aos corsários, mas o desvio que se viu obrigado a fazer trocou-lhe as voltas dos ventos. Não teve outra alternativa que não a de seguir para Oeste, em direcção às américas.
Aportou-se então em Terra Nova, a Newfound Land, até que o Atlântico acalmasse as suas águas. Por lá ficaram todo o Inverno, o navio e as pipas com Vinho do Porto, no gélido clima canadiano. Quando a Primavera regressou, o capitão retornou ao navio e levou-o até Inglaterra. O Porto, de acordo com as pessoas que o provaram, estava ainda melhor, e daí em diante a família que o produzia resolveu amadurecê-lo no Canadá.
Que tenha conhecimento, esta é a única lenda que versa acerca do Vinho do Porto. A família em causa é a Newman, e poderemos mirar os rótulos da marca homónima que lá encontraremos uma alusão a este pedaço de história.
Como toda a lenda se baseia na verdade, em St. Johns, no Canadá, lá está a cave onde o Port Wine era guardado (ver imagem em baixo), entre o Outono e a Primavera. Assim foi até ao final do século XX.
Cave Newman, no Canadá
O rio Douro com a Quinta de la Rosa em destaque
A Rota do Vinho do Porto
Conta com aproximadamente dez anos e situa-se na Região Demarcada do Douro, isto é, no perímetro sul da província de Trás-Os-Montes. Pensada a nível supra-nacional, pela União Europeia, estende-se de Mesão Frio até ao extremo oriente do Douro Superior, em Freixo de Espada à Cinta.
Divide-se em três sub-rotas: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior, contando de Oeste para Este. Nas primeiras duas não faltarão sítios a conhecer – a primeira nunca se afasta realmente do caudal do rio, enquanto a segunda já vai bem a norte deste, até Murça. Quanto à do Douro Superior, apesar de ser, em território, a maior das sub-rotas, é aquela que conta com menor número de quintas dedicadas ao Porto.
Posto isto, percorrer a Rota do Vinho do Porto, é talvez a melhor maneira de entrar na alma do Douro, que não é apenas um rio mas toda uma cultura tão inteligível e complexa ao mesmo tempo. Siga-se de terra em terra, quinta em quinta, vinha em vinha, pelos cenários durienses, tão belos que fazem esquecer o enjoo das estradas de serpenteio desmedido.
Ver o Douro assim, naquelas ondas bravas de socalcos, é uma prova de como o homem, pela força da vontade e da necessidade, consegue transformar a natureza em seu proveito. E sem ter de a destruir.
As Quintas do Vinho do Porto
Há inúmeras Quintas dignas de visita (e de dormida), todas elas, obviamente, tendo o rio Douro como cenário. O ideal é seguir o percurso do rio no sentido Este-Oeste, e olhar para todas as hipóteses que tem, sendo possível ver em vários guias quais os melhores sítios para passar a noite algures na Rota do Vinho do Porto.
Indo nos meses da vindima, em Setembro ou Outubro, por vezes até em Novembro, dependendo do ano, conseguimos participar nesse ritual milenar que é a apanha da uva. Mesmo a pisa, que como vimos, em certas partes, ainda é feita, pode ter os nossos pés como ajuda.
Começando de jusante para montante, as recomendações são de tal ordem que é difícil fazê-las sem pedir desculpa por outras que se vão deixando de fora.
A Quinta da Pacheca, um boutique hotel de aptidão gastronómica. Conta com 51 hectares de vinha que, entre tintos e brancos, são responsáveis por variados Vinhos do Porto, destacando-se o Pacheca Vintage. Curiosamente, a grande fatia das suas vinhas é plantada em terreno plano, e não nos habituais socalcos. Há visitas à adega e às caves onde a maioria dos Ports envelhece.
Do outro lado do Douro, a Quinta do Vallado, com origem no século XVIII, foi pertença da ainda hoje relembrada Dona Antónia, e já recebia visitantes nessa altura. É agora gerida por descendentes dessa mulher de armas que mudou a história do Porto. O “Quinta do Vallado 20 Anos” é uma das pérolas da casa.
Bem mais para Leste, junto a Pinhão, a mítica Quinta de la Rosa (foto em baixo) conta com vinhas à beira Douro e outras que se empoleiram a 400 metros de altitude. Investiu-se recentemente na modernização dos quartos. Nos Portos, destaca-se o “Quinta de la Rosa Vintage”.