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Começou por ser uma entrada na Coimbra amuralhada, a Porta de Almedina. Depois encaixaram-lhe a curva no seu topo, e assim se tornou o Arco de Almedina. Enfim, à sua crista se ajustou um edifício de defesa, ficando com o nome final de Torre de Almedina. Os três – a porta, o arco, a torre – formaram a mais importante entrada na antiga cerca e aquela que melhor se aguentou ao longo dos séculos (a maioria dos restantes torreões da muralha coimbrã desapareceram com a expansão urbana).

Sobre ela já se escreveram centenas de páginas e ainda assim estamos longe de conclusões definitivas. Não há certezas quanto à sua forma primitiva, quanto ao seu lugar original, quanto aos seus engenheiros e arquitectos, quanto à sua requalificação tardo medieval, quanto ao significado dos seus baixos-relevos, quanto à sua relação com a barbacã. Sabemos, contudo, uma coisa: ontem como hoje, a sua porta ligava (ou separava, consoante a perspectiva) dois cosmos da cidade de Coimbra – o da Alta, rico e erudito, e o da Baixa, popular e comercial.

A longa história da Torre de Almedina

A Torre de Almedina é o melhor aguçador da curiosidade para se conhecer a Coimbra da Alta Idade Média, aquela que foi relevante interposto entre um norte cristão e feudal, e um sul islâmico e de concelhias. 

Era a principal das portas da cerca que protegia o castelo, agora praticamente desaparecido, dando ingresso à Medina, isto é, à cidade, e o facto de se usar o arabismo para descrever o burgo medieval é revelador da importância da comunidade moçárabe (ou seja, dos cristãos aculturados ao domínio sarraceno) que por cá viveu tanto tempo e que continuou a exercer influência mesmo depois da cristandade nortenha e franca cá se ter instalado.

Neste seguimento, é possível que o primeiro rasgo nas muralhas que originou a Porta de Almedina (e que corresponderá ao túnel de menor altura quando olhamos para a actual estrutura) tenha sido feito durante a alcaidaria islâmica, talvez sobreposta a uma velha cerca sobrante da Aemnium romana. Por essa altura, o vão de acesso aos intramuros estaria ladeado por duas torres, uma de cada lado. Há, contudo, quem atribua a sua construção ao período da primeira retomada cristã da cidade, no século IX, aquando do avanço militar de Fernando Magno.

Provavelmente, até ao século XI ou XII, tratava-se de uma porta sem arco. Este terá sido introduzido depois. Já a torre montada em cima da abóbada e munida de alguns elementos defensivos como os estratégicos mata-cães, deverá ter sido executada na mesma altura em que D. Fernando – cujo reinado foi perturbado pela ameaça de várias guerras – decidiu levantar uma muralha extra, do lado de fora, muro a que hoje apelidamos de barbacã, e onde se encontra um outro arco que antecede a Torre de Almedina (o Arco de Barbacã, antes denominado Arco de Nossa Senhora, decorado com escudo nacional e a figura de Maria do lado exterior). Outras teorias defendem que a mesma torre tem uma origem bem mais recente, algures entre o século XV e XVI, enquadrando-a no meio da profunda requalificação que D. Manuel I ou D. João III fizeram na cidade. Esta última hipótese é questionável, embora seja certo que o torreão tenha sido requalificado por estes dois reis portugueses, pai e filho, ambos com relevante obra na recuperação monumental da cidade.

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Perdida a sua função defensiva, o bastião sobreposto à Porta de Almedina viu-se transformado em Casa da Câmara (ou Torre da Relação, como também se designou), assumindo-se a partir daí como um dos principais centros políticos de Coimbra, com direito a capela anexa, templo dedicado à Senhora da Conceição. Assim se entende a intenção de gravar os baixos relevos que se encontram acima do arco e bem visíveis para quem se dirige da Baixa para a Alta. Do lado sul da parede, uma moldura exibe um leão, do lado norte, observa-se uma serpente. Ao meio, um borrão que apenas permite imaginar que ali estava, porventura, a figura de Cindazunda. Cindazunda tinha Hermenerico como pai, o rei Suevo que em Coimbra se viu derrotado pelo Alano Átace e que, de acordo com a lenda, ofereceu o casamento da sua filha como moeda de troca para a paz entre ambos – daí a serpa e o leão, insígnias de Átace e de Hermenerico. Será esta a crença que justifica o actual brasão coimbrense. Mas sobre isto não há absolutos – o escudo coimbrão é todo ele um carrossel de simbologia que ainda está por estudar, logo a começar pelo misterioso cálice de onde desponta o busto feminino atribuído da Cindazunda. Para complicar, contudo, Nélson Correia Borges lança uma alternativa à explicação dos baixos-relevos: no entender do investigador, eles em nada estão relacionados com a lenda de Cindazunda fundadora do brasão coimbrense mas sim com o Apocalipse.

Da fase tardo-quatrocentista, talvez apanhando já o reinado manuelino, é certamente a incorporação do painel no tímpano do arco, se assim o podemos chamar. Lá se vê, na parte superior, a escultura de Nossa Senhora com o escudo de Portugal à sua direita e o brasão de Coimbra à sua esquerda, este último numa eventual réplica mais recente do baixo-relevo que se encontra logo abaixo e já referido no anterior parágrafo. 

Depois disso, a sequência de remodelações e recuperações não cessou. Ou pelo risco de desabamento, ou pela adaptação a outras utilidades, ou pelo congestionamento urbano conimbricense, a Torre de Almedina nunca parou quieta. A logística obrigou-a a perder o seu propósito como casa municipal, sem dúvida a mais institucional das suas funções, mas rapidamente lhe encontraram novos usos. Mais recentemente recebeu a Escola Livre das Artes do Desenho, o Museu Etnográfico, o Arquivo Histórico Municipal. Actualmente é casa do Núcleo da Cidade Muralhada, instituição de promoção à memória da cerca de Coimbra.

Arco da Barbacã com escudo português e escultura de Nossa Senhora

O Arco da Barbacã mostra-nos uma segunda muralha defensiva e dá acesso à Torre da Almedina

A Almedina de hoje

Acredite-se ou não, mesmo já não havendo muralha e mesmo já não havendo barbacã, a Torre de Almedina continua a funcionar como fronteira bem gráfica de duas distintas realidades coimbrãs.

Quem a passa do sopé do morro e se dirige para a Alta através da icónica rua do Quebra-Costas (a tal que os estudantes dizem que aluno que ali não caia, jamais completará o curso) tem nos dois arcos, o Arco da Barbacã e o Arco da Almedina, uma porta transdimensional. Deles para poente está a Coimbra do comércio e da restauração, das avenidas, do trânsito, das empresas, dos shoppings – no fundo, a Coimbra civil. Deles para nascente, em direcção à colina, fica a Coimbra régia, da Sé Velha, do turismo, das faculdades, do Paço, dos museus, da boémia estudantil e das serenatas nocturnas – resumindo, a Coimbra histórica.

A dinâmica desta extraordinária cidade beirã move-se desde há mil anos entre estes dois polos culturais que actualmente apelidamos de Baixa e de Alta. E a Torre de Almedina, no passado e no presente, apresenta-se como principal porta de fronteira – provavelmente, igual acontecerá no futuro. Se antes a Alta estava reservada para a família real e restante fidalguia, bem como para a cúpula eclesiástica congregada no largo da Sé, agora continua como recinto de reitores e lentes e alunos, de alguma forma uma nova elite. E se antes a Baixa era relegada a arrabalde para a plebe, um conjunto de quarteirões para jograis e mercadores e almocreves fazerem pela vida numa cidade de benéfica geografia (liga o sul ao norte desde que Roma administrou toda a ibéria), agora mantém-se como espaço urbano por excelência, lugar de trabalho para quem não é parte do universo universitário.

Se pudéssemos olhar para o quotidiano aquém e além Torre de Almedina do século XII ou XIII ou XIV, e subtraindo o evidente choque tecnológico entre esses tempos e os actuais, ficaríamos seguramente surpreendidos como a lógica da vivência em Coimbra não mudou assim tanto. Mudaram-se os tempos, não se mudaram as vontades. 

Painel com a Senhora, escudo português, e brasão de Coimbra

No nível inferior, os baixos-relevos que parecem aludir à lenda; no nível superior, o painel com a estátua da Senhora, o brasão de Coimbra, e o escudo nacional

Arco de Almedina visto de intramuros

Arco de Almedina para quem sai da velha muralha

Torre da Universidade e Paços das Escolas

Coimbra

Um curto roteiro histórico com o melhor de Coimbra. Surpreendentes destinos, saborosos repastos, sossegadas dormidas.

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Mapa

Coordenadas de GPS: lat=40.20883 ; lon=-8.42874

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