Santuário de São Bento das Peras

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As alturas sagradas de Vizela acontecem em dois pontos relativamente equidistantes em relação à urbe – um a sul, menos óbvio, onde se levanta a Capela da Senhora da Tocha; e outro a norte, onde está o actual Santuário de São Bento das Peras, e que no entender de Sant’Anna Dionísio é o “mais típico miradouro de Vizela”. Ao primeiro são dedicadas diferentes lendas, algumas delas reproduções de outras que encontramos na região Norte e na Galiza, enquanto ao segundo acorrem vizelenses e vizinhos destes para trocar promessas por curativos.
O São Bentinho das Pedras
Como nos diz Maria José Pacheco no livrinho “Para a História de Vizela“, São Bento é “um dos santos mais queridos e respeitados pelos minhotos”, e destaca o São Bento de Seixas, o São Bento de Várzea, o São Bento de Cairão, o São Bento de Santo Tirso e, claro, o mais conhecido São Bento da Porta Aberta a quem é dedicada uma célebre peregrinação. Acrescento eu o São Bento das Peras em Rio Tinto, que leva exactamente com o mesmo nome que o de Vizela, ou seja, finaliza com das Peras. O que leva à pergunta: porquê das peras?
O meu caro Júlio César Ferreira, que muito escreve sobre a sua terra, disse-me que se lembra de haver umas peras saborosas aqui para cima, no Monte de São Bento, mas ele próprio reconhece que as peras, neste caso, deverão ser uma corruptela de pedras, isto é, que o que aqui temos é um Santuário de São Bento das Pedras, como de resto é atestado pela quantidade de penedia que por cá se vê, sendo até possível observar uma estátua de São Bento encravada numa rocha ou uma cruz esculpida num afloramento.
Também é sabida e documentada a tradição de os devotos pintarem parte de uma rocha no Monte de São Bento como cumprimento de promessa sempre que o santo lhes cura alguma maleita (Geraldo Coelho dias acrescenta que as oferendas ao São Bento devem ser de cor branca, como “ovos, açúcar, sal, farinha […] e cravos”, este último remetendo para a Lenda dos Cravos que versa sobre a fundação de Vizela). No fundo, trata-se de uma cristianização de fragas sagradas onde antes, muito possivelmente, ocorriam cultos pagãos, como aliás parece ser confirmado por vestígios arqueológicos aqui destapados, com origem na Idade do Ferro e na Idade do Bronze, e pelas sobras de uma cista possivelmente neolítica junto do planalto, classificada como Cista de São Bento, mas que corresponde a uma anta entretanto destruída.

O monumento megalítico actualmente classificado como Cista de São Bento

A frequente neblina tolda a visão de um cruzeiro

A gruta exposta junto às capelas de São Bento
O São Bentinho das Alturas
E se São Bento é invocado como espécie de verniz cristão para um velho culto das pedras, ao mesmo tempo funciona como um santo das alturas, um abençoador dos montes, talvez por sincretismo com a vida pessoal do bem-aventurado: São Bento refugiou-se nos montes de Subiaco, a leste de Roma, onde fundou o Mosteiro de Subiaco, embrião da Ordem Beneditina, rumando depois até novo outeiro, desta vez o Monte Cassino, um pouco mais a sul, onde aprimorou um modelo de vida de contemplação, oração, e reclusão monástica. Desde aí que as colinas de várias nações de base religiosa cristã são, por associação, cultuadas a São Bento.
Bem famosos são os milagres atribuídos ao santo beneditino, quase todos eles relacionados com a cura ou a terapêutica, o que tem particular sentido se tivermos em conta que Vizela é uma terra de recobro por via das suas termas. Lembremos que o Deus Bormânico, antigamente venerado neste termo, era também ele associado à medicina.
É esta acção curativa do São Bentinho que leva a que o povo de Vizela se dirija ao santuário em busca de alívio para as suas dores – dores físicas, sobretudo, ou “coisas ruins”, como sói dizer-se. A romagem pode acontecer em qualquer parte do ano, mas é em Julho, no dia 11 e com extensão para o fim de semana imediatamente a seguir, que a grande procissão acontece, do monte para o vale, e do vale para o monte, numa colectiva demonstração de fé. No cimo do cerro há duas capelas – uma pequena, talvez do século XV ou XVI, e uma maior, do século XX, isto descontando a desaparecida Capela de São Simão situada na encosta – que não chegam para a avalanche de fiéis. Não tão comuns como antigamente são os bandos de romeiras que se juntavam em grupos de cinco a dez raparigas e que planeavam excursões cá acima, ao seu São Bentinho, cantando serões como agradecimento por um milagre curador: “São Bentinho milagroso / Aqui tem o meu serão / Que lhe tinha prometido / Por curar o nosso irmão“.

Vista para Vizela do Monte de São Bento

Capela Velha, demasiado pequena para o número de devotos

Capela Nova, construída como complemento à antiga
A bela janela de Vizela
Se toda a religiosidade não for suficiente para justificar uma ida ao Santuário de São Bento das Peras, pois então que se vá por razões lúdicas. De carro já se chega bem, a estrada está um brinco e há parque de estacionamento, mas se caminhar não for impedimento, que se recorra ao Trilho de São Bento que começa no Parque das Termas.
Uma vez cá em cima, alteados a mais de 400 metros de altitude, recomenda-se uma deambulação por todos os pontos cardeais. No flanco sul, temos todo o concelho de Vizela debaixo dos pés. Há deste lado duas rampas suspensas que servem de mirantes. Uma apontada a Vizela e à desobstrução natural que segue até ao litoral, onde predomina o feraz vale vizelense, desafinado pelo casario moderno e pelos armazéns de uma vida fabril que já teve melhores dias. Outra virada para Tagilde, se a neblina não cobrir a comba mesmo à nossa frente. Nas traseiras do cerro olha-se a periferia industrial vimaranense. Contas feitas, temos no Santuário de São Bento das Peras uma amplitude que apanha Guimarães, Felgueiras, Lousada, Vizela, e por aí fora, até terminar, se o tempo assim o permitir, nas cores do mar, no extremo oeste.
Portanto, é do Monte de São Bento que entendemos a dimensão territorial de Vizela, desligada dos seus concelhos vizinhos por uma sequência de outeiros fronteiriços, virada para si e para os seus. Se somarmos a condição de burgo termal e a história fabril do século XX, é evidente que Vizela só poderia ser dona de si mesma, não havia outra hipótese.
Ademais, o Monte de São Bento, per se, torna-se para o povo vizelense uma manifestação de independência em relação ao seu antigo concelho de Guimarães. Funciona como uma contraposição à Penha, o monte sacro vimaranense, e o facto de ambos fazerem parte da mesma cordilheira (a chamada Serra de Santa Catarina) não é razão para que se veja um como a continuação do outro.
Filomena Silvano discorreu acerca disso no seu muito interessante livro “Territórios da Identidade“. Por essas páginas reflecte sobre a ideia de que Vizela, antes de ser concelho, já reclamava para si uma centralidade que se opunha, por definição, à centralidade da Cidade Berço, onde se ia apenas tratar de assuntos institucionais e por imposição política. Com efeito, as relações comerciais e pessoais do povo de Vizela sempre se enquadraram no perímetro do vale, tal como acontece com os ritos religiosos e tradicionais.
Desta forma, a secessão do termo de Guimarães era tida como uma inevitabilidade. Citando um Vizelense: “Nós também criámos os filhos, e eles a partir de uma certa altura, quando ganham uma certa autonomia, pois com certeza, fazem a vida deles. […] Pronto, e é assim. Acho que o futuro será esse, aqui para Vizela”. Foi mesmo. Estas palavras cumpriram-se em 1998, com a formalização do município de Vizela. Olhando para a cidade daqui de cima, do Monte de São Bento, do São Bentinho como gentilmente é apelidado pelas suas gentes, compreendemos o porquê.
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.38481 ; lon=-8.28804