Lenda de Santa Comba Dão

by | 29 Jan, 2021 | Beira Alta, Lendas, Mitos e Lendas, Províncias

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A Lenda de Santa Comba Dão, uma das mais dramáticas lendas contadas no país, serviu de base ao nome de uma terra beirã. Mais triste que o fado, mais trágica que Shakespeare, conheça-se a história de Comba, a freira que afrontou, como podia, os sarracenos.

A lenda da Madre Comba

Comba era madre abadessa de um convento a montante de Coimbra, numa ribanceira do rio Om. Liderava um conjunto de outras freiras e era admirada por todas elas. A cidade, desde que os sarracenos entraram no sul da península, vivia a conturbação das conquistas e reconquistas, ora dos exércitos a sul, muçulmanos, ora dos exércitos a norte, cristãos.

O rumor, naqueles dias, avisava as hostes cristãs de que a cidade de Coimbra estava prestes a ser tomada pelo rei Almançor. Não eram boas notícias para os conventos e igrejas cristãs, muito menos para o da madre Comba, constituído apenas por mulheres.

As freiras sabiam, de alguma forma, o que uma vitória moura significava – uma invasão do convento e, depois, uma vingança física nas mulheres, que assumiria com quase certeza a retirada da sua virgindade. Todas percebiam isso, apesar de evitarem as palavras. Mas comprovava-se pelo medo nos seus olhos, enquanto clamavam as últimas rezas da salvação.

Passaram-se dias de tensão. As conversas lá fora confirmavam a tomada de Coimbra por Almançor, génio militar sarraceno, e os seus exércitos subiam pelo Mondego acima, e daí pelo rio Om. Alguns cristãos, por precaução, retiraram. Comba ficou, sabendo que ali era a sua casa e a das suas irmãs. A partir dali, as freiras da madre Comba contavam os dias até àquele que, nas profundezas da sua consciência, sabiam que chegaria.

E ele não demorou a aparecer, no instante em que se ouviu o bater de uma porta e uma voz de homem, do lado de fora, a exigir que fosse recebido. Comba inspirou fundo e ganhou coragem. Dirigiu-se até à porta e espreitou para ver quem vinha. Um relance bastou para perceber que os seus receios eram fundamentados.

– Sou a abadessa do convento, Comba de nome, quem é e o que pretende desta casa de Deus? – perguntou, hesitante, a freira.

– Venho em nome do rei Almançor – respondeu o mouro -, e tenho ordens dele para que eu e os meus soldados aqui fiquem esta noite.

As palavras só vieram confirmar o que madre Comba já suspeitava. Tentou demover o muçulmano, dizendo que a pureza das suas mulheres era dedicada a Deus e que a noite que estes homens iriam passar no convento iria pôr tudo em causa. Depois de uma acesa troca de palavras, o mouro, visivelmente impaciente, atirou:

– Mulher, se não abrires esta porta, os meus homens o farão por ti, e o resultado vai ser bem pior!

Assustada, madre Comba abriu ligeiramente a porta. O sarraceno, à primeira oportunidade, empurrou-a, ficando cara a cara com a freira. Surpreendido com a sua beleza, disse:

– Bem me tinham dito que as freiras por aqui eram belas e jovens. Tu serás a minha companhia nas próximas horas. E as tuas meninas serão escolhidas, uma a uma, pelos meus soldados. Prometo que entrarão ordeiramente se não resistires.

– Não tenho outra hipótese que não resistir – desafiou Comba -, eu e as minhas irmãs somos destinadas a Deus e apenas dele somos esposas, bem que podeis matar-nos a todas!

O mouro sorriu. Surpreendido com a coragem, não deixou de insistir:

– Minha abadessa, vós, mortas, de nada nos servem. Os meus homens começam a ficar ansiosos e ninguém quer isso, sobretudo as suas irmãs.

Comba já não sabia o que dizer. A decisão dos sarracenos estava tomada. A invocação de Deus de nada servia. Resignada e angustiada, acabou por escancarar a entrada à turba. O mouro apontou para um dos seus homens, dando-lhe permissão para ser o primeiro a entrar no convento.

A abadessa dispôs-se a encaminhar o soldado para junto das suas irmãs. Chegado a um claustro, o sarraceno não podia acreditar no que via. Todas as freiras eram de um encanto inegável. Mal podia esperar para dar a notícia aos restantes. Mas antes tinha a sua escolha por fazer. Olhando para uma jovem irmã, com um aceno de cabeça disse:

– Quero aquela!

Comba dirigiu-se à pretendida, segurou-lhe o rosto, e deu-lhe um beijo na testa. Um sinal. Ao receber o beijo, a freira agarrou num punhal e espetou-o no seu próprio peito. As restantes irmãs repetiram o gesto. Uma a uma, de punhal na mão, entregavam os seus corpos ao céu. O homem, que a tanta morte tinha assistido nas suas guerras contra os cristãos, ficou apavorado. Gritou como nunca, fugindo daquele cenário, até fora do convento. Relatou o que tinha visto aos seus colegas. Os sarracenos tornaram a entrar no convento apressadamente, ainda sem acreditar no que tinham acabado de ouvir.

Quando chegaram ao claustro, deram com uma imagem que estava para lá do que haviam vivido em qualquer campo de batalha. Um chão de sangue, com dezenas de freiras tombadas, sem vida. No meio delas, lá se encontrava Comba. O choque tomou conta do exército sarraceno. O seu líder estava furioso. Vociferou que aquelas mulheres nem gente eram, e que o que mereciam era ter sido mortas por uma espada infiel.

A lenda de Santa Comba Dão e a história

A lenda de Santa Comba Dão, por mais exagerada que possa ser, contém elementos históricos que hoje sabemos que são verdadeiros.

Coimbra, como quase toda a Beira, foi muito fustigada pelas lutas da Reconquista. A retomada da cidade conimbricense, por parte dos exércitos muçulmanos, aconteceu mesmo, no ano 987. A essa conquista esteve ligado, de facto, o rei Almançor, astuto líder mouro, responsável pela tomada de Saragoça, Leão e Barcelona.

Comba também parece ter existido enquanto madre de um convento perto da actual cidade de Santa Comba Dão. Foi a santificação da abadessa, atribuindo-lhe o nome Santa Comba, que, aliada ao rio Om (ou Adon, indo mais atrás), deu origem ao Santa Comba d’Om, mais tarde Santa Comba Dão. Adon, por seu lado, poderá descender do celta avon, que significa rio.

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Santa Comba Dão – o que fazer, onde comer, onde dormir

Santa Comba Dão ainda é conhecida enquanto concelho que deu berço a Salazar, um véu de história que oculta uma das mais bonitas cidades beirãs, afunilada entre o rio Dão e o ribeiro do Couto, e casa de uma das histórias mais trágicas do lendário português.

Dedique-se a visita à passagem pelos lindos solares da terra, ao saborear das broinhas de Santa Comba, e a um passeio pelos meandros de Aldrógãos e a sua ribeira das Hortas. O arroz de lampreia (na época em que é feito) e a chanfana têm por estes lados um cunho especial, e devem ser acompanhadas, claro, pelo eternamente subestimado vinho do Dão - já que estamos no assunto, é favor ir ao restaurante Cova Funda que não se dá o tempo como perdido.

Para quem gosta de pedalar, é obrigatória a viagem que a Ecopista do Dão proporciona, de Santa Comba Dão a Viseu, ou vice-versa. Também no concelho acontece a festa da bênção do gado de Silvares, a não perder para quem estiver na zona no mês de Junho.

Para dormir e repousar próximo da cidade, as melhores escolhas são a Quinta de Santa Maria do Dão, uma bela casa com vista para o rio, e a Quinta Lusitânia, a norte da cidade.

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