Igreja de Bravães

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Dos três expoentes românicos fixados em Ponte da Barca, a Igreja de Bravães é aquele que mais sofreu com o tempo. Veja-se a torre de pendor militar, presente quer no Mosteiro de São Martinho de Crasto, quer no Mosteiro de Vila Nova de Muía, que foi abaixo em Bravães. Ou mesmo as articulações do velho mosteiro, também bem visíveis nos casos de Crasto e de Muía, que já nem a ruína chegam no exemplar de Bravães.
E no entanto, é quase sempre sobre Bravães de que se fala quando pensamos em templos românicos barquenses. Porquê, se lhe apagaram tantos dos elemento? A resposta está no magnífico portal, uma jóia carregada de símbolos e alegorias que já deu pano para muitas mangas.
Que mosteiro foi este?
O Mosteiro de Bravães foi um de vários templos românicos levantados ainda antes da estreia de Portugal como reino independente. Surgiu, da mesma forma que demais conventos coevos, enquanto forma de povoar regiões despovoadas, assoladas pelos avanços e recuos dos exércitos sarracenos. Esses conventos, normalmente apoiados por ordens religiosas poderosas de proveniência estrangeira, facilitavam a recolonização cristã de uma Península desequilibrada entre a cultura mediterrânea sulista e a cultura atlântica nortenha.
Bravães, em particular, fundou-se com a ajuda de D. Vasco Nunes, e gozou de ocupação beneditina numa primeira instância – corria então o último quartel do século XI. Já na alçada do Mosteiro de São Martinho de Crasto, os frades beneditinos viram-se substituídos pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho do então novíssimo Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, fundamental na confirmação da autonomia portuguesa face a Castela e defensores de D. Afonso Henriques como rei português.
Cerca de sessenta anos depois, teve Egeas Mendes como prior do mosteiro (há uma inscrição a ele dedicada na parede à esquerda da porta sul), altura em que se deve ter alçado a presente igreja, embora intermitentemente, como era hábito nas construções românicas rurais – a coisa ia-se fazendo à medida que havia financiamento, e parava quando este esgotava. Nestes anos ter-se-á formalizado Bravães como Couto – antes era território real – cuja administração, crê-se, foi entregue a D. Pelágio Velasquez. Mais tarde veio a transmissão para a Ordem dos Templários e, depois da extinção desta, para a sucedânea Ordem de Cristo.
No século XV deixou de ser vivenciado pela comunidade monástica e a partir daqui assistiu-se à vulgarização do Mosteiro de Bravães. Vazio, e portanto sem alguém que tratasse da sua manutenção, viu-se progressivamente arruinado e relegado a templo de segunda linha, até por fim apenas sobrar a igreja como sede paroquial. Em 1876, a construção da estrada nacional que liga Ponte de Lima a Ponte da Barca no lugar onde antes se situava o claustro, acabou com qualquer hipotético vestígio sobrevivente – em contrapartida, a obra veio destapar dois sarcófagos hoje exibidos na parte traseira do templo, um parco proveito a contrabalançar a destruição das ruínas monásticas…
A igreja teve reforma posterior, quinhentista, com os frescos pintados no interior e outros depois disso – os mais recentes seriam, na sua maioria, removidos aquando da requalificação executada no século XX, sendo transferidos para museus em Lisboa e Guimarães.

Desparecido o mosteiro, um recente campanário foi anexado à igreja

O martírio de São Sebastião junto ao arco triunfal
O exuberante portal
Para uma igreja que, historicamente, se considera uma sobra de um mosteiro desaparecido, podemos todos concordar que não está nada mal. A Igreja de Bravães é uma obra singular, alguns nem se esquivam a considerá-la uma obra-prima, e tudo por causa do seu portal: uma escultura escavada numa peça que se adianta ao corpo da nave, e que soma uma quantidade de esculturas que continuam uma maravilha para os sentidos, mesmo sabendo que os seus autores não eram suprassumos no domínio do cinzel – ou se calhar até sobretudo por isso.
Bravães encontrava-se no limiar de duas áreas diocesanas, a de Braga, a sul, e a de Tui, a norte. A sua igreja combinou, se calhar como nenhuma outra em Portugal, influências estéticas das duas – de Braga herdou alguma sobriedade, nomeadamente a que se regista nos motivos floreados da arquivolta exterior do portal principal e todo o conjunto ornamental das portas laterais; de Tui roubou a profusão escultórica, o encanto pelo ornamento de um românico mais tardio, como podemos ver no portal da fachada, em especial nos capitéis do lado norte, vícios que são repetidos noutros templos minhotos, mormente do rio Lima para cima, até ao fronteiriço rio Minho, continuando Galiza adentro e até para lá dela – são evidentes as semelhanças entre o portal de Bravães e outros tão distantes como, por exemplo, a Iglesia de San Miguel Arcángel.
A primeira coisa a destacar é o tímpano, que no fundo marca o centro para onde tudo converge, dos fustes às arquivoltas. Nele vemos uma figura axial ladeada por dois outros homens, quadro que associamos à do Cristo em Majestade: isto é, Cristo no meio, enquadrado pela amêndoa mística (a mandorla), com dois eventuais apóstolos, um de cada um dos lados (ou seja, muito semelhante a idêntica figura na Igreja de São Pedro de Rates, e parcialmente próxima da de São Salvador de Ansiães, com quem partilha o orago). Inclino-me para a hipótese de, de facto, se tratarem dos apóstolos São Pedro e São Paulo, talvez porque na terceira arquivolta inferior apareçam esculpidos corpos humanos que totalizam dez apóstolos de Cristo – e sendo esse o caso, faltando dois à colecção, estariam esses apóstolos omissos da arquivolta compensados no tímpano. Há, porém, quem argumente que os dois homens junto do Cristo em Majestade se tratam de anjos sem asas.
O Cristo em Majestade em si representa um Jesus etéreo, que preside às portas do céu, juiz das entradas celestes. É, como tal, um Cristo temeroso e julgador, perfeitamente ajustado à época, quando a divisão entre o certo e errado era instituída pela igreja. Os templos românicos queriam-se como um reflexo do cosmos na dimensão terrena, e, nessa perspectiva, a este Cristo em trono, tal como lhe cabia a selecção dos puros que ascendem ao paraíso, também lhe cabia a escolha dos dignos a entrar no espaço sagrado.
Em torno, nas colunas e nas sequentes arquivoltas que as encimam, observa-se vasto e diverso trabalho escultórico que dialoga com o tema do sobredito Cristo em Majestade. O Cristo juiz da virtude e do pecado do tímpano cercado, muito convenientemente, por imagens do bem e do mal. Com efeito, nos fustes, ora temos imagens de macacos e serpentes que, à altura, estavam conotadas com a loucura, a heresia, até com o diabo; ora nas arquivoltas se observam imagens de leões e aves, figuras benignas associadas à defesa e à fé, respectivamente. No par de colunas mais encostado à porta, talvez por estarmos mais próximos da entrada, e, consequentemente, da casa divina, notam-se aves desenhadas à esquerda, parecendo que a picar conjuntos de flores, numa possível alusão à abundância, e aves de rapina à direita, já muito deterioradas, mas que poderão simbolizar a erradicação do pecado (ou dos pecadores) antes de se pisar o chão sagrado.
Por sua vez, na segunda coluna do lado esquerdo e na segunda coluna do lado direito, fazendo a contagem começando pelo lado de fora, figuram duas imagens humanas. Para alguns, tratam-se apenas de dois frades, frente a frente, um possivelmente hierarquicamente superior ao outro, ou, em alternativa, o casal fundador da igreja – Vasco Nunes de Bravães e a sua mulher. Contudo, tem vencido sobre elas a teoria de estarmos perante uma representação do episódio da Anunciação de Cristo, visto que a escultura da esquerda apresenta uma possível mulher com a mão na barriga, hipotética expressão da Senhora do Ó, isto é, de Maria já com Jesus no seu ventre, e a escultura da direita mostra um possível Anjo Gabriel, neste caso não alado e sem livro ou vara (será mesmo ele?), com as palmas das mãos voltadas para a Senhora a abençoar o seu rebento.

Na segunda coluna a contar de fora, a possível Senhora do Ó

Exuberante portal da Igreja de Bravães

Na segunda coluna a contar do lado de fora, será o Anjo Gabriel a confrontar, do outro lado, a Senhora do Ó?
Restantes interesses
Menos extraordinárias são as duas outras portas, uma no pano norte, outra no pano sul.
Na entrada da face norte vemos um entranhado de linhas, em parte como resultado da intersecção de quatro circunferências (os pontos cardeais? os quatro elementos?). No meio, um círculo que alguns investigadores relacionam com um cálice, ou com o graal, de onde dois enigmáticos animais quadrúpedes parecem beber. Curiosamente, o avesso do tímpano do portal principal, já do lado interior, desenha um relevo muito próximo deste.
Na entrada da face sul, defronte para a estrada nacional, vemos novo tímpano decorado com o Agnus Dei, o Cordeiro de Deus, ou seja, o Cristo que redimiu os pecados da humanidade pelo seu próprio sacrifício. Novamente, o pecado como tema preferencial nos pontos de admissão à igreja, para recordar que dali para dentro estamos em território piedoso, e dali para fora em terrenos de transgressão.
O interior, que é menos surpreendente do que o exterior, consegue mesmo assim mostrar dois bonitos frescos quinhentistas policromados: do lado do Evangelho uma representação de São Sebastião martirizado por setas; do lado da Epístola uma figuração da Senhora com o menino – o Salvador que dá nome ao templo – nos braços. Outros frescos foram acrescentados posteriormente mas depois retirados aquando da reforma do século XX que em boa hora tentou restituir a igreja à sua forma primitiva.

Cachorros na ala sul da capela-mor

Cachorros de simples motivos na ala norte

Porta sul com Cordeiro de Deus no tímpano e inscrição dedicada ao prior Egeas à esquerda da porta

Enigmático tímpano da porta norte
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.79787 ; lon=-8.45311