Mosteiro de São Martinho de Crasto

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No Norte, sempre que parto para um roteiro religioso, não consigo resistir à procura dos mosteiros, igrejas e ermidas de fundação românica. São, para todos os efeitos, aqueles que melhor explicam a organização geográfica dos anos de criança de Portugal, e de certa maneira aqueles que ajudam a compreender os limites dos povoados, das paróquias, das freguesias e dos municípios na actualidade.
Em Ponte da Barca, os templos românicos sumarizam-se numa trindade conventual dispersa em torno da vila e que, por sinal, tiveram sempre como residentes principais os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho: o Mosteiro de Bravães, a poente; o Mosteiro de Vila Nova de Muía, a nascente; e o Mosteiro de São Martinho de Crasto, a sul. É sobre este último que hoje se escreve.
A outra lenda de São Martinho
É conhecida a Lenda de São Martinho, contada em praticamente toda a Europa e importada para cá, que descreve como o soldado Martinho de Tours olhou para um pedinte a tremer de frio e decidiu ajudá-lo rasgando parte da sua capa para o aquecer – depois do solidário gesto, feito no decorrer de um dia tempestuoso, o céu abriu e o calor chegou, dando origem àquilo a que nos calendários outonais chamamos o Verão de São Martinho.
Há, todavia, uma outra lenda, não tão versada mas igualmente atribuída ao santo, que argumenta que Martinho de Tours procurava um templo para professar a sua nova fé (ele que tinha nascido pagão mas que, mais tarde, se cristianizou), e que a escolha do lugar foi feita pelo capricho de uma bengala: Martinho atirou-a do topo de um monte e entendeu que onde ela pousasse, aí seria construído o seu mosteiro. Aqui, a tradição oral entende que a bengala aterrou junto a um penedo granítico, onde as marcas do bastão e das patas do cavalo ainda se viam.
O tal penedo, assumo eu, é o que se encontra ligeiramente acima da igreja do antigo mosteiro, onde actualmente juntaram uma escultura representativa do milagre do mendigo. O facto de a tradição oral fazer questão de mencionar esta rocha, aliada à presença uma pequena cova pétrea que se encontra mesmo ao seu lado, esta sacralizada com a imagem de uma Nossa Senhora em jeito de eremitério, deixa-me adivinhar estarmos num possível lugar de antigo culto às pedras, eventualmente com origens no castro que aqui existia – também baptizado de Castro de São Martinho.
Sendo ou não sítio sagrado pré-cristão, o que sabemos com certeza é que houve templo aqui montado por volta do século XI, ou seja, antes de Portugal ser reino, e posteriormente reconstruído um século depois, fruto da intervenção e das doações de Ourigo Soares, eventual pai de Ourigo Ourigues (o homem que se responsabilizou pelo alçado do Castelo da Nóbrega, a mando de D. Afonso Henriques, e cujas ruínas não se encontram muito longe daqui). Tal mosteiro, então residência dos seguidores de Santo Agostinho, gozou de facultosa condição, pelos apoios que recebeu da fidalguia local, da superior Arquidiocese de Braga, e da descendência de Ourigo Soares que lhe entrega os domínio de Santiago de Sampriz (parte do couto de Vila Nova de Muía), de Santa Eulália de Ruivos (coladinho a Crasto), de Santo Adrião de Oleiros (entre o Mosteiro de Crasto e Ponte da Barca), de São Romão de Nogueira (ligeiramente a sul da actual sede de concelho), e de São Miguel de Boivães (mais afastado, a sul de Ruivos). Às contribuições acima enumeradas juntavam-se, evidentemente, as dos crentes que aqui vinham, cada vez em maior número.

O antigo claustro, agora mais próximo de um adro

A gruta do Mosteiro de Crasto
Com isto, o perímetro de acção do novo Mosteiro de Crasto abraçava toda a área que, com um raio de seis quilómetros, se desenhava a sul da vila de Ponte da Barca (nessa altura, ainda sem a ponte), e que, grosso modo, englobava toda a bacia do rio Vade. Corria o ano de 1190. Em 1193, a Santa Sé viu-se obrigada a confirmar que o Mosteiro de São Martinho de Crasto devia obedecer às elites de Braga, o que só mostra o quão confiantes já se sentiam os cónegos cá residentes para contrariarem ordens vindas da velha arquidiocese bracarense.
Trinta anos volvidos, somaram-se novos territórios para nascente e para sudoeste. A influência monástica de Crasto já atingia os ermos do Gerês e as dependências de Barcelos – não só detinha uma generosa fatia das Terras da Nóbrega onde nasceu, como já ia bem além delas. Chegou mesmo a receber rendas improváveis vindas das distantes terras de Santarém.
O pequeno império de Crasto só sofreria um revés a meio do século XIII, provavelmente pela saída de cena dos herdeiros da família Ourigues, os seus principais doadores e protectores. Mais interessados no que se ia passando a sul, em Coimbra ou em Lisboa, onde se fixava o poder de decisão, a desafeição dos Ourigues pelas suas Terras da Nóbrega atirou o mosteiro para uma certa irrelevância financeira e, consequentemente, política.
No século XV, as forças de atracção invertem-se. Ao invés do Mosteiro de São Martinho de Crasto receber poder de variados coutos minhotos, passou ele a ser oferecido a outros pólos eclesiásticos. No início do século XVI, já nem a isso teve direito, passando para a responsabilidade de gentes de fora da igreja, que das suas rendas se aproveitaram para benefício próprio. Em 1594 é, por decisão régia e papal, subordinado à Ordem de Santa Cruz estabelecida em Coimbra. Nos séculos XVII e XVIII andou de mão em mão, chegando a ser administrado por Santa Maria de Refóios do Lima, por Santa Maria de Vila Nova de Muía, ou do longínquo Mosteiro de Mafra. E, no século XIX, com o fim das ordens religiosas assinado por Joaquim António de Aguiar, larga a sua função monástica de vez.
No total, foram cento e cinquenta anos de crescente prestígio, para outros seiscentos de enxovalho. Um saldo não muito positivo que a beleza deste lugar faz esquecer.

Um diabo e as serpentes da regeneração talhados nos cachorros da igreja

Jardim de oliveiras no Mosteiro de Crasto

O vale do rio Vade visto do Mosteiro de Crasto
Que mosteiro ficou?
É tarefa árdua tentar descomplicar o que aqui se vê, porque este mosteiro é produto de várias montagens, algumas das quais até bem recentes.
Do primeiro convento, aquele que, ao que se estudou, terá sido construído pelo século XI, quase nada sobreviveu. Foi, certamente, uma obra românica, como era costume à época. Também o alçado do século seguinte, esse sim ainda visível no monumento actual, se deixou influenciar pelo gosto daquela altura – muros largos e austeros, dotados de largos pórticos em arco, e interior de parco detalhe ornamental, rígido e lúgubre. Semelhante, em vista disso, a outros que por aqui se foram levantando, como o já mencionado Mosteiro de Bravães, no concelho de Ponte da Barca, ou o Mosteiro de Refóios do Lima, no concelho de Ponte de Lima.
Esse traço românico topa-se com evidência nos cachorros da corrente igreja, onde figura a habitual simbologia representativa do Bem e do Mal, do sagrado e do profano, do belo e do bizarro. Destaca-se, também na igreja, a torre, antes de feição mais militarizada, puxada para o meio da fachada e adaptada aos solavancos do relevo: é por ela que os dois pisos comunicam.
Quanto ao mosteiro, que formalmente é a igreja e restantes comodidades, onde se incluem os quartos, a cozinha, o claustro, e demais divisões de serviços, conseguimos ter alguma ideia do que foi pela estruturação que ainda hoje se reconhece em São Martinho de Crasto, sobretudo se o olharmos de uma cota superior. De facto, tendo a igreja do lado direito, percebe-se de imediato onde se situaria o passado claustro, pátio que articulava todas as peças do mosteiro – corresponde ao largo agora centralizado pelo cruzeiro.

Um culto mariano na cova do Mosteiro de Crasto

A Lenda de São Martinho esculpida em pedra
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Mapa
Coordenadas de GPS: lat=41.77491 ; lon=-8.42994