Cana Rachada – Entrevista a Miguel Ouro
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Miguel Ouro, promotor do projecto Terra Velhinha que visa a divulgação do património cultural de Azambuja, ofereceu-nos amavelmente esta entrevista para falarmos um pouco de um simples mas viciante instrumento de percussão ribatejano: a Cana Rachada.
A cana rachada é um instrumento que associamos ao Ribatejo, em particular ao concelho de Azambuja. Em que zonas é mais frequente apanharmos tocadores?
A cana rachada é um instrumento de percussão muito utilizado em algumas zonas da Estremadura e em praticamente todo o Ribatejo, mas existem ainda outras regiões do país com formações musicais em que a cana rachada está presente. No breve estudo da cana [a ser desenvolvido] lerá mais sobre a origem da cana que, como muitas “usualidades” do folclore, é de difícil definição, mas existe uma associação clara a Espanha, sobretudo na região de Huelva.
Cá em Portugal e em Azambuja, que é a Terra Velhinha, existe aquele que consideramos ser o melhor tocador de cana rachada do mundo. A partir daí damos expressão a esta forma artística tradicional porque a nossa região a partir dos anos 60 desenvolveu muito o manuseamento da cana rachada.
Existe algum registo documental ou histórico que permita saber há quanto tempo a cana rachada é tocada no concelho?
Não existe nenhum registo histórico, apenas testemunhos orais que temos vindo a documentar e a descrever no breve estudo. A chave do desenvolvimento da cana rachada em Azambuja tem um nome: João Amendoeira. Era um senhor que não sabemos como aprendeu, falecido prematuramente, os irmãos também não sabem de onde lhe surgiu esse jeito. Ele esteve presente no Rancho Folclórico Ceifeiras e Campinos de Azambuja e participou em actuações noutros ranchos do concelho e desta feita foi espalhando a cana rachada e ensinando diversos tocadores.
As canas, no canavial, falam com o tocador, eles sabem aquelas que dão o jeito para ser tocadas.
Como e quanto tempo demora um artesão a construir o instrumento? A selecção da cana é importante?
A selecção da cana tem que ver com o gosto do tocador. A cana não se quer nem muito fina nem muito grossa, deve ter uma espessura média, mas para as crianças às vezes canas mais finas podem ser mais fáceis de manusear. A cana deve apanhar-se verde e deixar-se a secar umas semanas ao sol, ou então se for para ser tocada no imediato já deve estar seca.
As canas, no canavial, falam com o tocador, eles sabem aquelas que dão o jeito para serem tocadas. Existem uns pequenos segredos, mas os tocadores não gostam muito de os revelar, por isso nem todos os tocadores são construtores.
João Paulo Mota, o virtuoso da Cana Rachada azambujense
A forma como é tocada pelos locais revela-se particularmente curiosa, havendo muitas vezes uma espécie de coreografia onde, em vez da mão, os tocadores batem com a cana rachada noutra parte do corpo. Podemos dizer que a cana rachada também se tornou uma dança?
Quem criou essa coreografia foi o nosso tocador mor João Paulo Mota, ainda não vimos em mais local nenhum tocar dessa forma, foi o João que foi o criador.
Entretanto eu também lhe copiei o jeito e faço mais alguns retoques. O João tem uma forma mais natural e menos forçada de tocar essa coreografia, eu sou mais espalhafatoso.
Pegando noutro famoso activo do Ribatejo, o fandango, há alguma relação entre este e a cana rachada?
A relação foi acontecendo como surgem muitas outras relações nas aculturações que o folclore emana. Os ritmos mais vivos e marcantes da música dos ribatejanos enquadraram-se bem com as castanholas.
O fandango assume um carácter viril e a cana rachada hoje, no Ribatejo, já não pode ser dissociada do mesmo. O folclore é exactamente isso, um conjuntos de hábitos, usualidade e relações que os povos expressam, mutuamente em desenvolvimento.
Se hoje quiser ouvir os grandes tocadores azambujenses, qual a melhor maneira de o fazer?
Pode ir à internet à Terra Velhinha nos nossos canais digitais, basta escrever “cana rachada d’Azambuja”. Inscrever com os seus amigos na Rota da Terra Velhinha que é uma visita guiada com animação histórica ao centro histórico de Azambuja, onde verá a Oficina da Cana Rachada e pode tocar connosco. Pode contactar-nos para os nossos serviços musicais e pedir uma oficina da cana rachada que inclui momentos musicais ou solicitar a actuação da Trupe da Cana Rachada.